A directora que não chorou e o administrador que não faz autocrítica
Isabel Almeida termina todas as frases com um sorriso. Explica-se bem, detalhadamente, com entoação. Diz o que quer. E há coisas que, claramente, faz questão de sublinhar.
No BES, era “uma trabalhadora subordinada”. A quem? “Em exclusivo, a Morais Pires”, o ex-administrador com o pelouro financeiro. “Trabalhei sobre as instruções de Morais Pires, sem as instruções do qual nenhuma decisão relevante, alguma vez, foi tomada.”
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No BES, era “uma trabalhadora subordinada”. A quem? “Em exclusivo, a Morais Pires”, o ex-administrador com o pelouro financeiro. “Trabalhei sobre as instruções de Morais Pires, sem as instruções do qual nenhuma decisão relevante, alguma vez, foi tomada.”
Mas não era apenas ao seu ex-chefe - com quem admite ter ficado “chocada”, como veremos - que apontava responsabilidades. Ao Banco de Portugal, por saber muito do que se passava, e por não ter dado tempo ao banco para evitar a resolução, são deixadas críticas. Até à troika, que tinha informação “muito detalhada” e nada fez. Um reparo segui, ainda, para os dois homens que a antecederam nesta sala, José Castella, o tesoureiro do GES, e Machado da Cruz, o contabilista ou, como a ele se refere Ricardo Salgado, o comissaire aux comptes.
“Como nada tenho a esconder, aqui estou, sem precisar de me esconder”, salientou Isabel Almeida, criticando os seus ex-colegas que, usando a prerrogativa de serem arguidos, levaram os deputados a ouvi-los à porta fechada (o que colocará diversos problemas no futuro, uma vez que os seus depoimentos não podem ser usados para confrontar outras testemunhas, nem transcritos para as actas. Mas esse é um problema que não se coloca à intervenção da ex-directora financeira).
Para a acta, Isabel Almeida quis trazer toda a distância que a separa de Morais Pires e Ricardo Salgado. O primeiro, diz, “renegou os 18 anos de trabalho em conjunto”, ao acusá-la, nesta comissão, de receber instruções directas de Ricardo Salgado. “Não me chocou o depoimento de Morais Pires, porque já me tinha chocado uns meses antes.” O depoimento do ex-banqueiro foi diferente… “Eu sei que Ricardo Salgado foi muito elogioso. Não sei qual era o objectivo. Espero que tenha sido genuíno. Nunca ouvi dele tantos elogios públicos como ouvi agora na televisão.”
Isabel Almeida é arguida, na investigação que o Ministério Público conduz aos factos que levaram à resolução do BES, e responde também num processo de contra-ordenação instaurado pelo Banco de Portugal. Mas, aos deputados, mostra-se segura e alega que tem colaborado com essas outras “entidades igualmente próprias”.
De resto, lamenta ter mantido as acções do BES e sofrido “as perdas”, tal como os restantes accionistas afectados pela queda do império Espírito Santo. Com uma diferença: “O meu nome foi difamado na praça pública.” Daí a “mágoa” e o “profundo sentimento de injustiça” que diz sentir. Chegaram a dizer que tinha ido a uma reunião da administração que sucedeu a Salgado, liderada por Vítor Bento, para confessar o seu papel nas manobras financeiras suspeitas e que, até, chorara. “Não confessei nada. Não há nada para confessar. Nada estava escondido. E não chorei”, garante, com um sorriso.
Muito embora, à sua frente, se desenrolasse uma trama que, a esta distância, quase parece cómica, mas revela o descontrolo que o GES viveu nos meses finais, Isabel Almeida explicou aos deputados que o BES adiantava financiamentos às sociedades do GES e estas, depois, se apropriavam das verbas. Às vezes, umas das outras…São três os movimentos que não respeitaram as orientações do BdP: uma operação que "saiu fora do controlo" relacionada com o empréstimo do banco japonês Nomura à Espírito Santo Financial Group, a que se somam mais duas irregularidades, uma de 20 milhões de euros retidos pelo Banque Privée e 28 milhões de euros que ficaram na Esfil– Espírito Santo Financière - mas cujo destino seria a Rioforte, a holding da parte não-financeira do mesmo grupo…
"Era completamente impossível a qualquer funcionário do BES, agora Novo Banco, saber” que as contas das sociedades [ESI, Rioforte, ESFG] que emitiam papel comercial colocado aos balcões de retalho "eram adulteradas", defende Isabel Almeida. Ela própria desconhecia esse facto.
A mesma ex-directora do BES evoca que pediu a Ricardo Salgado e a Morais Pires que fossem explicar à equipa de Vítor Bento "toda a temática das obrigações" [mobilizadas através da Eurofin], mas ambos “recusaram”. “E mais não posso dizer…”
A audição de Isabel Almeida terminou escassos 10 minutos antes da hora marcada para se iniciar o testemunho de António Souto. O ex-administrador que era responsável pela compliance - um dos “pilares” do controlo interno do BES - falou aos deputados no registo habitual aos dirigentes de topo do banco. “Desconhecia” a maior parte das questões que levaram ao desfecho que se conhece. E nem com um convite expresso do deputado socialista José Magalhães admitiu fazer uma "auto-crítica".
Souto, que foi suspenso pelo BdP no dia 30 de Julho de 2014, reformou-se, mas voltou como colaborador externo da equipa de Vítor Bento no Novo banco.
O ex-administrador explicou que o departamento que chefiava era “o responsável pelos manuais de controlo interno” do banco. Só em manuais desses, revelou, “o BES tem mais de 300”. “É onde assentam os modos de proceder do banco.”
Isso não impediu, contudo, que as contas do grupo viessem a influir na plêiade de regras escritas do banco. Para este responsável, a falência do GES e a resolução do BES têm uma causa “muito clara”: “A adulteração das contas do GES.”
Mas isso só foi claro depois. Até porque o administrador desconhecia quase tudo: “Muita coisa acabei por saber com a transcrição das actas do Conselho Superior”, reveladas pelo jornal i já depois da resolução.