Ataques em Paris expõem rivalidades entre grupos jihadistas

Vídeo divulgado neste domingo mostra Amedy Coulibaly a jurar fidelidade ao Estado Islâmico e a dizer que ajudou a pagar as armas dos irmãos que atacaram o Charlie Hebdo.

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Imagem do homem que se identifica como Amedy Coulibaly AFP

Num vídeo divulgado neste domingo, o homem que matou uma agente da polícia na quinta-feira, e que no dia seguinte sequestrou 15 pessoas e matou quatro numa mercearia, afirma pertencer ao grupo conhecido como Estado Islâmico, enquanto os dois irmãos que mataram 12 pessoas no ataque contra o jornal satírico Charlie Hebdo repetiram várias vezes que agiram em nome da Al-Qaeda na Península Arábica – duas organizações que rivalizam entre si pela atenção de potenciais jihadistas, e que muito dificilmente se coordenariam para cometer um atentado em conjunto na Europa.

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Num vídeo divulgado neste domingo, o homem que matou uma agente da polícia na quinta-feira, e que no dia seguinte sequestrou 15 pessoas e matou quatro numa mercearia, afirma pertencer ao grupo conhecido como Estado Islâmico, enquanto os dois irmãos que mataram 12 pessoas no ataque contra o jornal satírico Charlie Hebdo repetiram várias vezes que agiram em nome da Al-Qaeda na Península Arábica – duas organizações que rivalizam entre si pela atenção de potenciais jihadistas, e que muito dificilmente se coordenariam para cometer um atentado em conjunto na Europa.

O vídeo divulgado neste domingo foi detectado pelo SITE – uma organização com sede nos Estados Unidos, liderada pela analista israelita judia Rita Katz, e que se dedica a descobrir actividades na Internet de grupos jihadistas e organizações de supremacistas brancos.

Numa primeira mensagem partilhada no Twitter, o SITE dizia que o vídeo tinha sido divulgado pelo próprio Estado Islâmico, mas duas horas mais tarde fez uma correcção: "Foi uma conta no Twitter com ligação ao Estado Islâmico que divulgou o vídeo de Amedy Coulibaly."

No vídeo, um homem que a polícia francesa já identificou como sendo o responsável pelo sequestro numa mercearia kosher (que vende comida que respeita as regras da religião judaica) jura fidelidade ao Estado Islâmico, num árabe pouco fluente – Amedy Coulibaly é filho de pais senegaleses e nasceu em França, a 27 de Fevereiro de 1982.

"Jurei fidelidade ao califa assim que o califado foi declarado", diz Coulibaly, referindo-se a Abu Bakr al-Baghdadi, o iraquiano que lidera os jihadistas do Estado Islâmico, o grupo que luta contra uma coligação internacional liderada pelos Estados Unidos para manter o controlo de um território entre o Norte do Iraque e a zona Oeste da Síria.

O vídeo tem pouco mais de sete minutos de duração e tudo indica que uma parte foi gravada quando Coulibaly já estava em fuga, depois de ter matado uma agente da polícia em Montrouge, um subúrbio no Sul de Paris.

"O que estamos a fazer é perfeitamente legítimo. Vocês não podem atacar e depois ficarem à espera de não serem atacados. Estão a fazer-se de vítimas como se não percebessem o que está em causa", diz Amedy Coulibaly, aparentemente dirigindo-se ao Governo francês: "Vocês e a vossa coligação – vocês, acima de todos os outros – vão lá regularmente lançar bombas, matando civis e combatentes."

Coordenado com irmãos Kouachi
O vídeo começa com imagens de um homem – supostamente o próprio Amedy Coulibaly – a fazer exercícios físicos, e mostra uma metralhadora e outras armas dispostas no chão de um local não identificado (a polícia francesa revelou neste domingo que encontrou armas, munições e documentos em nome de Coulibaly num apartamento em Gentilly, um subúrbio no Sul de Paris).

O registo em vídeo, intitulado "Soldado do Califado", inclui ainda um texto com referências a todos os ataques, uma gravação em áudio com o relato dos momentos finais do sequestro na mercearia kosher, e quatro mensagens em vídeo do próprio Amedy Coulibaly, captados em quatro momentos distintos.

Um deles, em que o atacante surge vestido com um camuflado, parece ter sido gravado durante a fuga à polícia, entre quinta e sexta-feira – enquanto Coulibaly garante que tinha coordenado os ataques com os irmãos Saïd e Chérif Kouachi, ouve-se uma voz, provavelmente numa rádio, a falar sobre o massacre no Charlie Hebdo.

Os três outros momentos parecem ter sido gravados antes do início dos ataques, com Amedy Coulibaly a falar para a câmara, sem nenhuma indicação de que estava a ser filmado por uma outra pessoa – em dois momentos surge vestido de branco, com a bandeira do Estado Islâmico ao seu lado, num deles com uma metralhadora; numa outra mensagem surge com um gorro e um blusão negros, também com a metralhadora ao seu lado.

As autoridades francesas dizem que Saïd Kouachi, Chérif Kouachi e Amedy Coulibaly pertenciam à mesma célula radical islamista, com base no Norte do país, e o procurador de Paris disse no sábado que a namorada de Coulibaly, Hayat Boumeddiene, e a mulher de Chérif Kouachi, Izzana Hamyd, falaram mais de 500 vezes ao telefone no ano passado.

Há fortes indícios de que os três atacantes mantinham contactos entre si, mas ainda não é claro se os ataques contra o Charlie Hebdo, a morte da agente da polícia e o sequestro na mercearia kosher foram efectivamente coordenados entre todos, como afirma Coulibaly no vídeo divulgado neste domingo – e como já tinha afirmado numa conversa com um jornalista da estação francesa BFM-TV durante o sequestro na mercearia.

Al-Qaeda ou Estado Islâmico?
Do lado de Saïd e Chérif Kouachi nunca houve qualquer referência a uma coordenação com Amedy Coulibaly, e o os dois irmãos disseram que actuaram em nome da Al-Qaeda na Península Arábica.

Na quarta-feira, após o atentado contra o jornal Charlie Hebdo, o site Al-Monitor salientava a rivalidade entre os dois grupos, ainda antes de Coulibaly ter disparado contra uma agente da polícia e de ter feito referências ao Estado Islâmico.

"Apesar do glamour jihadista do califado do Estado Islâmico, a capacidade para cometer grandes ataques no Ocidente continua a ser uma fixação para a Al-Qaeda. A questão mais assustadora é se o Estado Islâmico irá responder ao desafio lançado pela Al-Qaeda e tentar captar a atenção dos títulos dos jornais com um ataque terrorista no Ocidente", escreveu Antoun Issa, editor do Al-Monitor, num texto intitulado "Al-Qaeda desafia o Estado Islâmico com ataque em Paris".

O grupo conhecido como Al-Qaeda na Península Arábica surgiu com essa designação no Iémen em 2009, mas a partir do ano passado viu-se obrigado a dividir a atenção de potenciais jihadistas com o Estado Islâmico, que surgiu entre a sangrenta guerra civil na Síria.

"A Al-Qaeda e o Estado Islâmico têm travado uma competição feroz pela primazia no mundo jihadista desde que a Al-Qaeda repudiou o Estado Islâmico, em Fevereiro de 2014. O resultado tem sido uma guerra sangrenta entre o Estado Islâmico e o braço da Al-Qaeda na Síria, a Frente al-Nusra. Desde a espectacular ofensiva do Estado Islâmico no Iraque e na Síria, no Verão passado, a Al-Qaeda tem ficado para trás na luta pelos títulos das notícias em todo o mundo. O principal movimento jihadista viu-se de um momento para o outro em segundo lugar, enquanto o Estado Islâmico atraía o desprezo do Ocidente e os louvores de potenciais jihadistas", escreve o editor do Al-Monitor.

Apesar de um dos líderes da Al-Qaeda na Península Arábica se ter congratulado com o ataque contra o Charlie Hebdo, é também possível que os três atacantes tenham agido por iniciativa própria, apesar de naturalmente inspirados pela ideologia tanto da Al-Qaeda na Península Arábica como do Estado Islâmico.

Um forte indicador desta tese é a declaração do procurador-geral dos Estados Unidos (cargo equivalente ao ministro da Justiça em Portugal), Eric Holder, que disse neste domingo que "não há informações credíveis" que liguem directamente qualquer das duas organizações aos atentados em França.

Também as declarações de Amedy Coulibaly indicam que os ataques foram planeados pelos próprios autores, por oposição a uma estratégia definida a partir do estrangeiro. Num dos segmentos do vídeo, Coulibaly diz que foi ele próprio quem ajudou um dos irmãos Kouachi a pagar as armas usadas no massacre contra o jornal Charlie Hebdo: "Ajudei-o no seu plano com alguns milhares de euros para que ele pudesse acabar de pagar o que tinha comprado."