Um ex-deputado preenchia o IRS de Salgado, de graça
José Macedo Pereira foi colega de escola de Ricardo Salgado. Como revisor oficial de contas não sabia muito. Diziam-lhe: “Ponha-se no seu lugar.” Foi ele quem legalizou a polémica prenda de 14 milhões recebida pelo ex-banqueiro. Mas por isso não recebeu nada, “nem uma gravata”.
O padrinho de Macedo Pereira, da Póvoa de Lanhoso, ajudou, com o seu dinheiro, a família Espírito Santo a refazer os seus negócios, no Brasil, depois do 25 de Abril de 1974.
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O padrinho de Macedo Pereira, da Póvoa de Lanhoso, ajudou, com o seu dinheiro, a família Espírito Santo a refazer os seus negócios, no Brasil, depois do 25 de Abril de 1974.
Entre 1976 e 1980, em “tempos difíceis”, Pereira foi deputado do CDS. Ainda foi ao Brasil – “ver como estava o meu amigo” – e manteve, desde essa altura, uma ligação anual com Salgado. Faz-lhe a declaração de IRS. Desde 1976, como “consultor fiscal”. E “pro bono”.
Nos últimos anos, a situação fiscal de Salgado complexificou-se com o recurso ao Regime Excepcional de Regularização Tributária (RERT III). Em 2012, o CEO do BES comunicou ao Banco de Portugal (BdP) a titularidade de 8,5 milhões de euros em verbas que não havia declarado à Autoridade Tributária, tendo beneficiado de uma taxa fiscal de 7,5%, bastante abaixo do escalão normal que esse tipo de rendimentos obrigaria a pagar (52%). Mas foram precisas três rectificações para encaixar uma polémica “liberalidade” (é o nome que Salgado lhe atribui, como se se tratasse de uma prenda) de 14 milhões de euros que recebeu de um construtor, José Guilherme.
Por isso, acabou por pagar ao fisco mais 4,3 milhões de euros face à colecta inicial de Maio de 2013 (apenas 183 mil euros). Pior: Esse tipo de "liberalidade" tornaria duvidosa a idoneidade do banqueiro.
Pereira revelou aos deputados que pediu “ajuda” à Autoridade Tributária para enquadrar os tais 14 milhões no IRS de Salgado. “A AT ensinou-nos a melhor forma. Tivemos de pedir ajuda, porque não havia uma forma técnica de registar aquela verba.” Salgado dizia que era uma prenda, coisa que Pereira diz ser duvidosa à luz das regras fiscais. Logo, só podia ser uma coisa: honorários. Mas Salgado recusa a ideia (que lhe estaria vedada deontologicamente) de prestar serviços pessoais pagos a um cliente do banco.
Em Fevereiro, Salgado escreveu uma carta a Carlos Costa, do BdP, que atribui a Pereira total “autonomia” no tratamento das suas questões fiscais. Pereira conheceu a carta em Novembro, quando a leu no Expresso. Ficou “irritado”. “Desde Fevereiro até Novembro eu estive na santa ignorância de que o BdP me tinha como trouxa.”
Tudo porque Salgado alega que pagou mais do que devia ao fisco. “Uma doação é um relógio, ou um quadro”, deixou escapar Pereira, enquanto tentava esquivar-se ao interrogatório cerrado dos deputados, alegando sigilo fiscal. “Se ele insiste em chamar-lhe 'liberalidade', o que é que a senhora deputada quer que eu faça?”, disse, por fim, à deputada Mariana Mortágua, admitindo tacitamente que a verba correspondeu a honorários.
Mesmo assim, Pereira diz que vai preservar a “amizade”. Que, acrescenta, não lhe deu um “título” num dos maiores grupos económicos privados do país. Foi revisor oficial de contas (ROC) de várias empresas do grupo. Presidiu ou integrou conselhos fiscais do universo Espírito Santo. Mas só por uma vez, “há três ou quatro anos”, foi convidado para presidente - da comissão de auditoria - com a promessa de um “salário substancial”. Recusou. “Eu não queria trabalhar directamente com Ricardo Salgado. Ele tem o seu feitio e eu tenho o meu.” Pereira diz que não é de “entrar mudo e sair calado”.
Não é que soubesse, ou desconfiasse, que as coisas estavam muito mal. “Quando o ROC chega perante uma operação irregular, ela já foi cometida… Não estava lá, não dormiu lá, não pactuou com a operação.” “Quando alguém quer enganar alguém, engana.”
No GES, quando pressentiu os problemas, afastou-se. "Quando me informaram de que a BESPAR [primeiro semestre de 2014] ia ser dissolvida, eu pensei que algo não ia bem". Isto levou-o a questionar Salgado, que lhe terá dito que era uma exigência do parceiro francês Crédit Agricole. Pereira demitiu-se.
Hoje, apesar de tudo, deixa uma crítica: “É confrangedor ver bater em quem está por terra, quando antes o bajulavam.”