A indignação pelo ataque ao Charlie Hebdo está a cobrir a Internet de negro
Em resposta ao atentado em Paris, os cibernautas criaram uma nova expressão pela defesa da liberdade: "Je suis Charlie"
Três homens entraram no Charlie Hebdo e mataram o director do jornal e alguns dos cartoonistas que nas últimas décadas colocaram a publicação na mira do extremismo islâmico. Polémico pela sátira persistente, alimentada pela publicação de caricaturas de Maomé, nada, nem mesmo ataques às suas instalações e inúmeras ameaças de morte, deteve a publicação de manter a sua linha.
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Três homens entraram no Charlie Hebdo e mataram o director do jornal e alguns dos cartoonistas que nas últimas décadas colocaram a publicação na mira do extremismo islâmico. Polémico pela sátira persistente, alimentada pela publicação de caricaturas de Maomé, nada, nem mesmo ataques às suas instalações e inúmeras ameaças de morte, deteve a publicação de manter a sua linha.
"Se nos começarmos a questionar se temos ou não o direito a desenhar Maomé, ou se é perigoso fazê-lo, a questão seguinte vai ser se podemos representar os muçulmanos num jornal", disse Charb, ouvido pela emissora RTL em Setembro de 2012, ao fim de uma semana de protestos contra o filme anti-islão Innocence of Muslims e após a publicação pelo Charlie Hebdo de uma caricatura de Maomé, numa cadeira de rodas, empurrado por um judeu ortodoxo.
Nesta quarta-feira, o mundo assistiu a um dos ataques mais violentos contra um órgão de comunicação social e reagiu nas redes sociais. Em França, o jornal Libération abre o seu site com a frase “Somos todos Charlie”, que repete na capa do seu perfil no Facebook. O Le Monde, outro dos jornais de referência franceses, segue o mesmo caminho. No Figaro, tudo parou durante um minuto para uma homenagem em silêncio às vítimas.
Nos países vizinhos de França, como Espanha, jornais como o El País manifestam a sua solidariedade através de cartoons criados pelos seus colaboradores. Em Portugal, o PÚBLICO, a SIC Notícias, o Expresso e o i estão de luto pela morte de colegas de profissão franceses e manifestam-no através do seu logo, sites ou redes sociais. “A partir de 7 de Janeiro, falar em Charlie Hebdo é, para além disso, falar também em vingança, assassínio cobarde, crime premeditado não só contra pessoas, mas também contra o espírito de liberdade que elas personificavam e, apesar de muitas terem sido assassinadas, ainda personificam”, escreve a direcção editorial do PÚBLICO.
No Observador, José Manuel Fernandes escreve que a tragédia é do “jornalismo mundial” e de “todos os homens livres”. “Tenhamos pois coragem, não cedamos à intimidação e ao medo.”
Nas redes sociais, as imagens de perfil de muitos utilizadores foram substituídas por quadrados negros com a frase “Je suis Charlie”, enquanto nas cronologias são partilhadas algumas das caricaturas mais mordazes do Charlie Hebdo. Várias dezenas de páginas sob o mesmo título foram criadas nas últimas horas, umas com poucas dezenas de seguidores, outros com alguns milhares.
Se há mensagens que generalizam o que se passou com o mundo muçulmano, muitas separam o extremismo da religião, mas admitem que se avizinham movimentos complicados em França e noutros países onde a intolerância pode vir a ganhar voz.
Ainda no Facebook surgem as primeiras iniciativas de homenagens públicas em Paris, com local e hora marcada para as próximas horas e dias. Em Lisboa, uma jornalista da RFI anuncia na sua página uma reunião solidária, quinta-feira, às 18h30, nos Restauradores, em Lisboa.
No Twitter, as hashtags #JeSuisCharlie e #CharlieHebdo seguem-se a posts de repúdio pelo ataque ainda não reivindicado. Foi criada a lista Journalists in Paris, onde são publicadas fotografias, vídeos e comentários por jornalistas que estão a trabalhar na cobertura do atentado. Nas fotografias partilhadas surgem as primeiras manifestações de franceses em locais emblemáticos de Paris, cartoons do Charlie Hebdo e outros criados durante esta quarta-feira.
Entre os cartoonistas o choque e indignação são partilhados em várias línguas. David Pope, do australiano Canberra Times, publicou uma das caricaturas que estão a ser mais partilhadas nas redes sociais: um cartoonista caído no chão, morto, e ao lado um homem vestido de negro armado a dizer “He drew first” (Ele desembainhou/desenhou primeiro). A acompanhar o desenho, Pope escreve: “Não consigo dormir hoje, os meus pensamentos estão com os meus colegas cartoonistas franceses, as suas famílias e entes queridos.”
Plantu, cartoonista do Le Monde e do L’Express e presidente do Cartooning Peace, desenhou um caderno onde uma mão escreve a vermelho “De tout coeur avec Charlie Hebdo” (De todo o coração com o Charlie Hebdo). O cartoonista holandês Ruben Oppenheimer criou uma imagem em que dois enormes lápis semelhantes às Torres Gémeas estão prestes a ser atacados por um avião. De Espanha chega uma ilustração em que um lápis, um esquadro e uma caneta formam uma arma.
Luís Afonso, autor de Bartoon do PÚBLICO, escreve: “O mundo, cada vez mais formatado para o homem, é cada vez mais desumano.”