Combater a solidão a fazer bordados na antiga escola da aldeia

A iniciativa de um grupo de mulheres deu origem à Casa das Avós, a funcionar na antiga escola primária de Motrinos, em Reguengos de Monsaraz.

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“Ele até ficou admirado quando viu tanta velha. Pensava que estavam duas ou três e estavam umas 12 ou 13”, conta Ana Silva Fenda, 76 anos. O grupo, entre os 58 e os 80 anos, apresentou a ideia: queriam utilizar a escola devoluta, fechada desde 2004, para se encontrarem na aldeia de Motrinos, com 107 habitantes.

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“Ele até ficou admirado quando viu tanta velha. Pensava que estavam duas ou três e estavam umas 12 ou 13”, conta Ana Silva Fenda, 76 anos. O grupo, entre os 58 e os 80 anos, apresentou a ideia: queriam utilizar a escola devoluta, fechada desde 2004, para se encontrarem na aldeia de Motrinos, com 107 habitantes.

Pouco tempo depois foi aprovada a proposta e dado o nome ao novo projecto comunitário: Casa das Avós. Se inicialmente a ideia era terem um espaço para falarem e jogarem às cartas, rapidamente veio a primeira tarefa. “O nosso presidente [da junta de freguesia] pediu-nos para fazermos os vestidos das marchas das meninas da escola, a única escola da freguesia, no Outeiro. Fizemos os vestidinhos para elas irem pelo Santo António. Foi a nossa primeira obra.”

Desde então dedicaram-se a fazer bonecas de pano e sacos de pão em pano bordado, que vendem nas feiras da região. Encontram-se na escola duas vezes por semana, terças e quintas-feiras. As que vivem na aldeia, mais perto da escola, chegam às dez da manhã e trazem a marmita para o almoço. Outras descem devagar dos montes e só vêm depois de almoço. Mas só as viúvas – que são oito no grupo de 13 – almoçam na escola. É que as que têm os maridos vivos têm de ir a casa para lhes preparar o almoço.

Todas anseiam os dias de ida para a escola: são esses os dias que preenchem as semanas. Nos dias restantes ficam em casa. “Estamos todas sozinhas, nenhuma tem filhos em casa. Aquela tem os filhos em França, os meus estão em Sintra, aquela senhora não os tem. Acabávamos por estar sempre sozinhas.”

Enquanto bordam, vão falando ou rezando – raramente cantam, porque algumas continuam de luto. Para algumas das senhoras aquela foi a escola onde andaram os filhos. Só uma delas fez o ensino primário naquela escola. As outras estudaram noutras escolas, como conta Antónia Maria Fernandes, 79 anos. “Fiz a primeira e a segunda classe. Quando o meu pai viu que já sabia escrever o nome, disse-me que já não precisava de ir mais à escola.”

Nova vida à escola
É numa das duas salas de aulas da antiga escola primária de Motrinos que hoje estas avós trabalham, sentadas em bancos diferentes e de vários tamanhos. Cada uma leva o seu saco com as várias agulhas, linhas, almofadas pequenas com alfinetes espetados e os vários lenços, naperons, rendas e malhas que vão fazendo ao mesmo tempo. Outras estão a fazer os cabelos das bonecas em lã, a coser os vestidos à máquina ou a desenhar calças de ganga para os bonecos.

Nos vidros das janelas da sala ainda está um pato autocolante, na sala ainda há cadeiras antigas na escola e na parede continua afixado o crucifixo que ficava por cima do quadro. O hall de entrada mantem os cabides e é nesse espaço que deixam as cestas de verga com a marmita para o almoço ou onde preparam em conjunto uma açorda de alho que comem no alpendre do antigo pátio da escola.

À volta a paisagem é ampla e plana, no sopé de Monsaraz. O espaço fora da escola não foi recuperado, mas está na lista de afazeres da câmara. “A Casa das Avós foi um projecto de imediato abraçado porque tinha sustentabilidade. Na parte exterior as condições ainda vão melhorar, para permitir o usufruto desse espaço”, aponta José Calixto, presidente da Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz.

 Iniciativas da comunidade
Sobre a recuperação e requalificação da escola, o autarca explica ter sido um projecto feito “com a prata da casa”, contando com os funcionários municipais, com custos mais baixos, diferente do investimento feito na Casa do Cante.

Por trás da escolha dos projectos para as antigas escolas, esteve uma análise da sustentabilidade das propostas. “Quando atribuímos uma escola a alguma associação, o projecto deve ter sustentabilidade no futuro, não ser megalómano e depois não termos condições de o preservar”, considera José Calixto. Ou seja, a preferência é que os projectos venham de iniciativas da comunidade, que depois assegure a manutenção desse projecto “Nós fazemos o investimento, a comunidade faz o funcionamento.”

Nenhuma destas mulheres imaginou que a ideia discutida à saída da missa chegasse onde chegou e tivesse a sustentabilidade que a câmara lhe atribuiu. Nem imaginavam que viessem a ter visitantes e que fosse dado tanto valor às bonecas de pano ou aos sacos do pão que sempre souberam fazer. “Íamos para lá falar umas com as outras, jogar às cartas. Nem tivemos vagar para jogar. Mas falar, nós falamos sempre.”