Turistas precipitam-se para Cuba para experimentar a realidade antes do fim do embargo

A procura quadruplicou depois do anúncio da normalização do relacionamento entre os Estados Unidos e Cuba. Operadores recomendam norte-americanos a viajar já para ainda conhecer o quotidiano debaixo do regime castrista.

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Adolescentes jogam à bola em Havana Alexandre Meneghini/REUTERS

A abertura manifestada pelo líder norte-americano, Barack Obama, ao restabelecimento das ligações empresariais e dos canais comerciais com Havana, e as iniciativas já encetadas pelo Governo de Raúl Castro no sentido da “liberalização” da sua economia, fazem antecipar uma mudança histórica: o fim do embargo dos Estados Unidos, em vigor desde 1962, e a mudança de regime em Cuba, não podem estar muito longe, especulam os analistas e observadores.

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A abertura manifestada pelo líder norte-americano, Barack Obama, ao restabelecimento das ligações empresariais e dos canais comerciais com Havana, e as iniciativas já encetadas pelo Governo de Raúl Castro no sentido da “liberalização” da sua economia, fazem antecipar uma mudança histórica: o fim do embargo dos Estados Unidos, em vigor desde 1962, e a mudança de regime em Cuba, não podem estar muito longe, especulam os analistas e observadores.

Enquanto isso, bastou a promessa de um novo capítulo no relacionamento dos dois inimigos da Guerra Fria para se criar uma oportunidade de negócio imediata, com os poucos promotores turísticos autorizados a transportar cidadãos norte-americanos para Cuba a serem inundados de solicitações: aparentemente, para muitos turistas, a verdadeira experiência cubana envolve o convívio com as “excentricidades” do regime castrista — dos calhambeques dos anos 1950 que ainda circulam pelas ruas de Havana ao racionamento alimentar (e as filas para comprar mantimentos); do comércio regulado aos subterfúgios da economia paralela.

No dia em que Barack Obama anunciou o relaxamento das restrições para a autorização de viagens para Cuba, os cliques na página da InsightCuba, uma companhia sedeada em New Rochelle que organiza visitas legais de americanos à ilha, quadruplicaram face à média diária de visitas do mês de Dezembro, disse o presidente da empresa, Tom Popper, à revista The New Yorker. As reservas aumentaram seis vezes.

A empresa de voos charter Marazul, que organiza transportes a partir de Miami para Cuba, já tem uma lista de espera de um ano. “Fomos inundados de telefonemas, emails e pedidos de reservas. As pessoas estão super-optimistas e super-excitadas”, contou a The Washington Post o vice-presidente da companhia, Bob Guild.

O turismo (individual) para Cuba ainda é uma actividade proibida no âmbito do embargo — essa interdição mantém-se em vigor até a legislação ser revista ou revogada pelo Congresso. Mas o alargamento das categorias para a emissão de licenças de viagem pelo Departamento do Tesouro permite, em teoria, que a InsightCuba e outras empresas que planeiam visitas de intercâmbio pessoal, educativo e cultural (cujo itinerário é negociado e aprovado pelos governos dos dois países) possam aumentar a sua oferta para Cuba.

A “verdadeira Cuba”
De acordo com a eTurboNews, uma espécie de agência noticiosa da indústria turística global, as buscas online por programas de viagem para Cuba aumentaram 95% depois do discurso de Obama. Num artigo intitulado “Reserve já a sua viagem se quer conhecer a verdadeira Cuba”, os agentes são aconselhados a promover o destino antes que a ilha do Caribe se torne demasiado “americanizada”. Segundo argumenta o texto, para ainda entrar na “cápsula do tempo” que é a ilha comunista, há que antecipar a viagem, porque os efeitos da abertura trarão “mudanças irreversíveis”.

Um outro artigo do jornal USA Today, o diário de maior circulação nos Estados Unidos, lista entre as razões para viajar em breve para Cuba o património histórico e as “jóias arquitectónicas”; as paisagens naturais, “intocadas pelas infra-estruturas turísticas” e, principalmente, a cultura cubana — a música, a arte, a gastronomia. É por isso, diz Joe Diaz, fundador da AFAR Media, que publica revistas de viagem, que “é importante ir agora”. As medidas anunciadas simultaneamente por Obama e Castro são positivas e “um passo na direcção certa”, sobretudo para o sector do turismo, considera Diaz, mas “à medida que Cuba se for abrindo e o investimento começar a entrar, o tecido social do país vai alterar-se”.

“Cuba permanece como um lugar único no mundo, que sem dúvida mudará com a entrada de americanos. O meu conselho é ir já, porque não se pode garantir que a cultura e o património se mantenham”, concorda o analista Bob Atkinson, do portal britânico TravelSupermarket. Muitos outros promotores e operadores batem na mesma tecla: “Quem quiser conhecer a Cuba de Castro tem de se apressar”, repete Ashley Toft, que dirige a companhia Explorer e acredita que, com a abertura comercial dos EUA, o país mudará rapidamente.

A experiência que os agentes turísticos dizem não poder garantir aos turistas da ilha depois da retoma dos canais diplomáticos e comerciais com os Estados Unidos é a de estar num país onde não existem restaurantes de fast-food, nem centros comerciais com as mesmas lojas de marcas internacionais, nem cadeias de hotéis norte-americanos com acesso ilimitado a redes de wi-fi para pesquisar na Internet.

A estimativa é que a facilitação de viagens dos EUA para Cuba leve a um aumento significativo do número de visitantes e com eles da “influência” da cultura norte-americana — um fenómeno que até agora não se verificou, apesar do progressivo aumento de cidadãos que viajaram de um país para o outro: de 245 mil em 2007 para quase 600 mil em 2013, segundo os números coligidos pelo Havana Consulting Group, baseado nos EUA.

Vários analistas políticos têm refreado esse discurso sobre o fim da “autenticidade” do país, introduzindo várias notas de cautela relativamente aos supostos efeitos “nefastos” da abertura sobre os costumes e a cultura da população cubana, que passará, por exemplo, a poder receber medicamentos ou equipamentos médicos produzidos nos Estados Unidos, ou sementes ou bens alimentares que hoje não passam a fronteira.

Quanto às projecções de uma massificação turística com sabor norte-americano, uma das principais especialistas em Cuba, a directora do centro de estudos Latino-americanos do Council on Foreign Relations, Julia Sweig, lembra que uma parte substancial do programa de sanções se mantém em vigor — os restaurantes McDonald’s e os hotéis Hilton continuam sem poder instalar-se na ilha. E, acrescenta Sweig, ainda que as sanções viessem a ser levantadas do dia para a noite, esse não seria o prazo correspondente para a instalação de empresas estrangeiras no país, que continuam a ter de obedecer à legislação nacional e a lidar com a burocracia local, que obriga, por exemplo, à participação maioritária do Estado cubano ou à contratação de funcionários em agências estatais.