A procrastinação com os números??

Não conheço ninguém, pessoalmente, que jogue “Threes!” —um jogo que em 2014 joguei mais do que qualquer outro, aquele que me deu a experiência mais parecida com o “Tetris” da minha infância

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A maioria das pessoas da minha geração e arredores jogaram “Tetris”. É provável não tenham tocado nas versões clássicas do Game Boy ou da NES, mas jogaram. Numa daquelas máquinas portáteis que só reproduziam “Tetris”, numa versão qualquer mal-amanhada para computador ou noutra consola qualquer manhosa que corria réplicas de jogos populares ou até numa das versões mais recentes do jogo original. Jogar a versão original, padrão, é completamente diferente de jogar qualquer uma das outras, por mais que se pense que é o mesmo jogo. Jogar “Tetris” num Game Boy (onde joguei, bem como muitos dos meus amigos e milhões de outras pessoas pelo mundo inteiro) ia além do desafio de jogar um jogo, era – e é – impossível desassociar a experiência dos seus sons, da sua música e de como isso vem à memória, instantaneamente, quando se pensa em “Tetris”. ??

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A maioria das pessoas da minha geração e arredores jogaram “Tetris”. É provável não tenham tocado nas versões clássicas do Game Boy ou da NES, mas jogaram. Numa daquelas máquinas portáteis que só reproduziam “Tetris”, numa versão qualquer mal-amanhada para computador ou noutra consola qualquer manhosa que corria réplicas de jogos populares ou até numa das versões mais recentes do jogo original. Jogar a versão original, padrão, é completamente diferente de jogar qualquer uma das outras, por mais que se pense que é o mesmo jogo. Jogar “Tetris” num Game Boy (onde joguei, bem como muitos dos meus amigos e milhões de outras pessoas pelo mundo inteiro) ia além do desafio de jogar um jogo, era – e é – impossível desassociar a experiência dos seus sons, da sua música e de como isso vem à memória, instantaneamente, quando se pensa em “Tetris”. ??

Os clones, por defeito, limitam-se a replicar a ideia de jogo, com um motor e a promessa de uma mecânica muito semelhante, que ignoram a ideia de experiência. Agarram em algo que funciona e trabalham-no para o público/consumidor com o intuito de vender mais barato ou, na dinâmica de mercado dos smartphones e dos tablets, oferecer o produto em troca de publicidade nos nossos ecrãs. Grande parte do consumidor em Portugal – digo isto sem números, apenas através do estudo de olhar por cima do ombro nos transportes públicos e pelo exemplo das pessoas que conheço – joga nos seus smartphones e nos tablets simplesmente porque essas experiências são oferecidas. A ideia de pagar pelo produto original que, regra geral, oferece uma experiência bem melhor, por mais pequeno que seja esse valor, está fora de questão. Talvez seja uma coisa cultural.??

Joguei muito pouco de “2048”, mas quando falo de “Threes!” a qualquer pessoa a resposta imediata é uma comparação com o “2048”. Tentei integrar-me, jogar, mas achei sempre “2048” pouco estimulante. As cores são enfadonhas, a mecânica é articulada mas progressivamente aborrecida. Tentei também jogar muitas réplicas gratuitas de “Threes!”, mesmo quando já jogava “Threes!”, só para perceber se havia ali qualquer coisa mais do que a réplica de uma mecânica roubada a um conceito original. Mas não. E faz-me imensa confusão que jogar para passar o tempo seja uma actividade que nos recorde constantemente onde estamos, com publicidade a ser jorrada para os nossos olhos que nos afastam momentaneamente – e um instante é o suficiente – do esquema em que o nosso cérebro entrou.??

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Não conheço ninguém, pessoalmente, que jogue “Threes!” —um jogo que em 2014 joguei mais do que qualquer outro, aquele que me deu a experiência mais parecida com o “Tetris” da minha infância. Juntar blocos de 1 e 2 para formar um três e a partir daí juntar múltiplos de três iguais numa tabela de 4x4 com o objectivo de atingir os valores mas elevados desses múltiplos. Muito simples. E é provável que quem esteja a ler já tenha jogado uma coisa parecida, sem os tais três, com outro número qualquer.

??Só que “Threes!” não é só este sistema. São as cores, as animações perfeitas de quando os números se acasalam, num movimento perfeito, a música de elevador que nos faz distanciar do momento onde estamos e nos coloca num local onde o tempo está só a passar, rápido, e a fazer com que qualquer viagem ou tempo de espera se torne além de suportável, mas um prazer. E, claro, os efeitos sonoros que atravessam a lógica e dão uma camada de sexualidade parodiada ao jogo. É divertido, calmo, e está sempre disponível quando preciso dele, sem lixo visual e com uma eficiência que não me deixa frustrado quando faço pontuações deprimentes: o que é muito recorrente, porque às vezes é só mesmo para passar o tempo e mexer os dedos. Por que é que não vejo pessoas a jogá-lo por cá? Provavelmente porque tem um valor – ridiculamente baixo – para ser descarregado. É o que é, tal como é difícil convencer a maior parte das pessoas de que pagar por sacos de plástico tem um propósito e não é o de alguém a ir-nos ao bolso. São elas – os outros – que ficam a perder; eu fico a jogar “Threes!”, o jogo que me fez quebrar as barreiras de jogar num tablet ou num smartphone e onde passei mais horas do que qualquer outro nas consolas ou no PC.