O Velho do Restelo, o dinheiro e os direitos
José Pacheco Pereira escreveu no PÚBLICO um texto sob o título “Só vejo aldrabões à nossa volta”. Versa matérias muito sérias e actuais. Também trata de dinheiro. De muitos milhões. De como se acumula e distribui. Como o Estado é defraudado.
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José Pacheco Pereira escreveu no PÚBLICO um texto sob o título “Só vejo aldrabões à nossa volta”. Versa matérias muito sérias e actuais. Também trata de dinheiro. De muitos milhões. De como se acumula e distribui. Como o Estado é defraudado.
Nos anos 30 do séc. XVI, Gil Vicente publicava o Auto da Lusitânia. Antecipava-se a José Pacheco Pereira: “Todo o Mundo é mentiroso e Ninguém diz a verdade”. Punha na boca de “Todo o Mundo”: “ meu tempo todo inteiro/ sempre é buscar dinheiro...”
Distanciados tantos séculos, convergem numa crítica acérrima à ganância e mentira. Gil Vicente não se reconheceria no mundo de hoje. José Pacheco Pereira teria de sacrificar neurónios de historiador para entender o séc. XVI. Devemos preocupar-nos.
Apelam a princípios e valores. A virtudes no sentido humanista da palavra. A um sistema político em que a “verdade é a regra do jogo”. Sem princípios e critérios de verdade, a nossa vida colectiva é uma farsa. O Estado de Direito é depauperado.
Escrevi aqui um artigo que designei de “A prisão preventiva de um e dos outros”. A minha perspectiva sobre os direitos, liberdades e garantias fundamentais. Observaram-me que eu lembrava o Velho do Restelo. Tratava sempre de direitos, liberdades e garantias. Ou para aí caminhava. Versasse outros assuntos mais actuais.
Muita gente pensa assim.
A realidade demonstra que as liberdades públicas e os direitos são sistematicamente maltratados. Os direitos não estão adquiridos e garantidos definitivamente.
O direito à Justiça é ainda uma miragem. Cidadãos presos preventivamente são acusados publicamente de factos gravíssimos. São impedidos de se defender publicamente, como a lei prevê. Só têm direito a ser acusados!
Os despedimentos, “mobilidade especial” e “requalificação profissional” sobrelevam o direito ao trabalho e justo salário. Os direitos sociais são postergados para o arquivo do inútil por um Governo sem lei. Mulheres são assassinadas às dezenas cada ano. Milhares de jovens emigram e estão desempregados. Crianças aos milhares estão ao abandono e desamparo. Os mais velhos, “memória de um povo”, são olhados como um fardo social. Tidos por um problema pelo primeiro-ministro: “Eu não tenho nenhum problema com os reformados. O país é que tem”.
Responsáveis pela crise política, económica e social são os velhos que não morrem. Os desempregados e os jovens que não querem trabalhar. As mulheres maltratadas que se põem a jeito. Os meninos pobres dos subúrbios que não deviam ter nascido.
O direito a uma vida digna, que todos deveríamos ter, foi e está posto em causa. Vive-se e trabalha-se para saciar a voracidade fiscal. Sugados de impostos até à alma.
As pessoas e questões sociais não integram o território da política e governança. Têm outros interesses e projectos. Mercadejar a granel as empresas do Estado aos “investidores institucionais”. Cumprir ordens do “deus dinheiro” ora dito mercados. Tributar-nos como vampiros. Só a conversa está a mudar. As eleições estão aí. O Governo não quer que o seu poder “se lixe”.
Os poderes raro negam os direitos. Têm sempre é reticências.
Direito de defesa, sim. Mas em “papel selado”, com todas as mesuras e excelências. Com as regrinhas do regulamento. Direito ao trabalho, sem dúvida. Só que o Estado e empresas estão hipotecados até à medula. Direito à greve , sem reservas. É constitucional. No momento, é inoportuna, injustificada, causa prejuízos e transtornos. É política. Reformas e pensões , incontestáveis. Mas a Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações estão falidas. Mulheres assassinadas é crime execrável. É com os tribunais, de quem se espera “pena exemplar”. Crianças ao abandono é problema das famílias pobres dos bairros sociais que são beneficiadas com subsídios chorudos.
O exercício da liberdade e direitos é um caminho longo e constante a percorrer. Martin Luther King não o esqueceu: “O que me preocupa é o silêncio dos bons”. Por isso o assassinaram.
Procurador-geral adjunto