Em Lisboa há um lugar onde os sem tecto podem sentar-se à mesa e partilhar uma refeição

Em 15 meses de actividade, o Núcleo de Apoio Local, em Arroios, já contribuiu para que 29 pessoas deixassem de pernoitar na rua. A Câmara de Lisboa quer replicar o modelo noutras cinco zonas da cidade.

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Objectivo é conseguir que pelo menos alguns sem-abrigo de Lisboa ganhem um tecto Daniel Rocha

De portas abertas desde Setembro do ano passado, o NAL ocupa duas lojas, lado a lado, na freguesia de Arroios. Numa há uma pequena cozinha e uma zona de refeições, com mesas corridas e toalhas axadrezadas, e noutra um espaço de atendimento, no qual trabalham três assistentes sociais. Ambos os imóveis foram cedidos pela Câmara de Lisboa, estando a sua gestão entregue ao Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios.

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De portas abertas desde Setembro do ano passado, o NAL ocupa duas lojas, lado a lado, na freguesia de Arroios. Numa há uma pequena cozinha e uma zona de refeições, com mesas corridas e toalhas axadrezadas, e noutra um espaço de atendimento, no qual trabalham três assistentes sociais. Ambos os imóveis foram cedidos pela Câmara de Lisboa, estando a sua gestão entregue ao Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios.

A passada terça-feira foi dia de caldo verde e bacalhau cozido, uma refeição à qual não faltou Volodymyr. É no NAL que este ucraniano de 21 anos, que pernoita na rua “há mais de meio ano”, toma diariamente o pequeno-almoço e o almoço. Já o jantar prefere fazê-lo junto a uma das carrinhas de distribuição de alimentos que circulam pela cidade. 

Com um pão e um bolo nas mãos, e um sorriso que parece não o abandonar, o rapaz de cabelos loiros conta porque gosta de aqui vir: “Gosto, dou valor, dá-me jeito. Aqui é mais calmo, dá para sentar, dá para ver televisão”. E a comida, é boa? “Sim, muito boa”, responde sem hesitar, enquanto segura aquele que irá provavelmente ser o seu lanche. 

Da vida na rua, Volodymyr fala sem mágoas. “Está complicado no mundo inteiro. Na Ucrânia as coisas estão piores ainda”, diz, acrescentando que “com um cobertor está-se bem”. “Não fumo, não bebo, não tenho vícios e pratico desporto. Trabalho dois ou três dias  por semana nas mudanças e estou à espera que apareça um trabalho mais fixo”, remata com uma serenidade que chega a ser desarmante. 

Segundo as contas de uma das assistentes sociais que trabalham no NAL, aqui são servidos diariamente 16 pequenos-almoços, 26 almoços e pelo menos 35 jantares. As refeições chegam já confeccionadas, vindas de um hotel, de uma empresa de catering, de pastelarias e outros estabelecimentos comerciais, de associações várias e de uma família indiana, que cozinha para os sem-abrigo uma vez por semana. 

“A ideia é que tenham uma refeição completa de uma forma mais digna, com maior conforto e condições de higiene do que na rua. Que façam uma refeição como fazemos nas nossas casas”, sintetiza Filipa Belchior, lembrando que aqui não é preciso esperar numa fila para garantir alimentos, que acabam muitas vezes por ser comidos já frios, directamente da caixa. A técnica destaca também a importância do NAL como espaço de reaprendizagem de regras que se foram perdendo, como o cumprimento de horários, e de convívio com os outros.

Antes de começarem a usufruir de refeições, as pessoas que aqui se dirigem são encaminhadas para o espaço de atendimento no vizinho número 15 do Largo de Santa Bárbara. “Tentamos perceber a situação em que a pessoa se encontra e o que quer para a sua vida. Tentamos ajudar, encaminhar e acompanhar, se necessário, a outros serviços, como consultas, atendimentos com a Santa Casa da Misericórdia e entrevistas em centros de acolhimento”, explica Filipa Belchior. 

A assistente social destaca a importância de se “respeitar o ritmo e a vontade de cada pessoa” em todo o processo. “Lá por eu achar que uma pessoa não devia dormir na rua, não posso obrigar a nada. Isso era meio caminho andado para que a pessoa desaparecesse”, conclui a técnica.

Segundo números recentemente divulgados pela Câmara de Lisboa, desde que o NAL foi criado, 29 dos seus utentes “deixaram de pernoitar na rua”. Por trás desse número estão casos como o de Fernando, que depois de “para aí dez anos” sem um tecto está agora a viver num quarto arrendado na freguesia de Arroios. Uma conquista que, reconhece o homem de 67 anos, talvez não tivesse sido possível sem a ajuda dos técnicos que lá trabalham, e que o ajudaram a tratar da reforma e a encontrar um sítio para viver. 

Antes, Fernando dormia no átrio de uma igreja e durante o dia deambulava pela cidade, transportando em sacos a comida que sobrava da noite anterior. Agora, descreve, vai buscar as suas refeições ao centro social e paroquial e come-as, ainda quentes, no quarto, que fica “pertíssimo”. 

“É um bom quarto. Se está chuva ou frio já não saio, fico a ver televisão”, diz, acrescentando que chegou ao fim o problema de não ter onde guardar os seus pertences durante o dia. “Agora felizmente estou bem, não tem absolutamente comparação nenhuma. Quem espera sempre alcança”, conclui com um sorriso. 

Cerca de 15 meses volvidos desde que o NAL abriu as portas, o vereador que tem o pelouro dos Direitos Sociais não tem dúvidas de que este é um modelo de sucesso, que quer ver “disseminado pelo resto da cidade”. Cais do Sodré/Santos, Martim Moniz/Rossio, Saldanha/Avenidas Novas, Parque Eduardo VII e Parque das Nações são as zonas onde João Afonso gostaria de ver o projecto replicado, seja em espaços municipais ou em imóveis que outras entidades estejam dispostas a ceder temporariamente.  

Tal como Filipa Belchior, João Afonso sublinha que, em grande parte, aquilo que se pretende com esta iniciativa é dar “dignidade” aos sem-abrigo, permitindo-lhes que possam “sentar-se a uma mesa, comer, partilhar uma refeição”. A juntar a isso há a oferta de “uma resposta personalizada” e de “serviços de apoio associados”, que se pretende que contribuam para aquilo que é “essencial”: que os sem-abrigo de Lisboa ganhem um tecto.