The Interview: uma comédia falhada que pelo menos corre riscos
Atirada para um protagonismo político que nunca esperou, a comédia de Seth Rogen e Evan Goldberg sobre dois jornalistas recrutados para matar o líder norte-coreano parece não ter bem a verdadeira noção dos riscos que corre.
O simples facto de The Interview usar como “vilão” Kim Jong-un, o líder totalitário da Coreia do Norte, já chegava para lhe prestar mais atenção do que seria normal. Mas nada faria prever que The Interview fosse erguido a razão primordial de um embaraçoso pirateamento dos sistemas informáticos da Sony Pictures, de um incidente diplomático com a verdadeira Coreia do Norte e de ameaças de terrorismo sobre salas de cinema americanas (resultando numa “libertação” online que já disponibilizou o filme por todo o mundo). E precisamente por se ter tornado no “fulcro” de uma questão sobre a liberdade de expressão, é impossível que The Interview alguma vez consiga estar ao nível das expectativas.
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O simples facto de The Interview usar como “vilão” Kim Jong-un, o líder totalitário da Coreia do Norte, já chegava para lhe prestar mais atenção do que seria normal. Mas nada faria prever que The Interview fosse erguido a razão primordial de um embaraçoso pirateamento dos sistemas informáticos da Sony Pictures, de um incidente diplomático com a verdadeira Coreia do Norte e de ameaças de terrorismo sobre salas de cinema americanas (resultando numa “libertação” online que já disponibilizou o filme por todo o mundo). E precisamente por se ter tornado no “fulcro” de uma questão sobre a liberdade de expressão, é impossível que The Interview alguma vez consiga estar ao nível das expectativas.
Num momento em que a comédia americana atravessa para muitos observadores (e sobretudo os que ainda suspiram pelo regresso impossível da era de ouro do género) um pequeno “deserto” criativo, Seth Rogen e Evan Goldberg, dupla canadiana apadrinhada por Judd Apatow, têm tentado sistematicamente forçar os seus limites. O seu filme anterior, Isto é o Fim!, tornou-se mesmo num exemplo do que pode ser uma comédia ao mesmo tempo dentro e fora dos códigos pop-culturais contemporâneos, reinventando-os enquanto os desconstrói.
The Interview segue nessa mesma lógica: fala a brincar de coisas muito sérias, dando a um apresentador televisivo de trash TV (James Franco) a hipótese de entrevistar o ditador mais perigoso do mundo. The Interview satiriza, acima de tudo, uma sociedade onde os media e o próprio conceito de jornalismo estão constantemente a ser manipulados. E faz passar a sua mensagem sincera e algo idealista de que é preciso estarmos atentos ao que acontece à nossa volta pelo meio de uma série de piadas básicas e brejeiras sobre sexo, drogas e música pop.
Até aqui tudo bem, mas The Interview tem muito menos graça do que as coisas que Rogen e Goldberg fizeram antes (com o seu guião para Superbaldas à cabeça). Razoavelmente no ponto enquanto sátira da cultura pop moderna (Katy Perry e o seu Firework como “esperanto” emocional universal), com alguns momentos inspirados enquanto comédia de espionagem (lembrando o velho Olho Vivo de Mel Brooks), The Interview afunda-se sem apelo nem agravo quando quer ser sério.
E, pior, atravessa a linha do mau gosto quando brinca com a violência: parece que Rogen e Goldberg querem emular o Tarantino de Sacanas sem Lei ou Django Libertado no seu final sanguinolentamente pirotécnico, mas falham por completo o tom de ironia selvagem. Tal como os seus heróis dão por si metidos numa intriga que os transcende, também Rogen e Goldberg se deixaram enredar em algo que os ultrapassa e que acaba por jogar contra o seu filme.
Não vale a pena citarmos o que Chaplin fez com Hitler no Grande Ditador, não há comparação possível. The Interview é uma comédia falhada, mesmo que mais interessante do que a maioria da produção americana corrente. E tem o mérito de ser uma lufada de ar fresco no conformismo resignado de uma Hollywood que sobrevive à conta de franchises estéreis. Mas esse mesmo mérito torna-a também em alvo em movimento - a abater ou a proteger.