Com um grão de sal
Para quem gosta de sal, a noção de receber as coisas cum grano salis só as torna mais deliciosas. Um grão de sal – de preferência da flor do sal – faz muitas vezes a diferença entre um petisco apagado e outro dotado do sabor maravilhoso que só precisa de um grão de sal para se demonstrar, como um pavão precisa apenas da indiferença de uma pavoa para se abrir e lhe chamar a atenção.
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Para quem gosta de sal, a noção de receber as coisas cum grano salis só as torna mais deliciosas. Um grão de sal – de preferência da flor do sal – faz muitas vezes a diferença entre um petisco apagado e outro dotado do sabor maravilhoso que só precisa de um grão de sal para se demonstrar, como um pavão precisa apenas da indiferença de uma pavoa para se abrir e lhe chamar a atenção.
Nunca fui a uma consoada. Não é um lamento nem um orgulho. Mas é – como sempre foi – um alívio. Tanto a minha mãe como o meu pai ensinaram-me (ou desviaram-me a pensar) que as famílias são perversões sanguíneas. Nem ele nem ela gostou dos pais que tiveram. Os amores e as fidelidades sanguíneas e genéticas, segundo os meus pais, eram estupidezes eugénicas que eram, para todos os efeitos práticos, nazis.
As consoadas também juntam membros familiares que, se não fosse o Natal, talvez não se juntassem. São unidos pelo mais verdadeiro (e pensado) dos amores. Mas não deixa de ser um frete para cada um.
Cada um vai à consoada pensando que faz o frete para bem daqueles que precisam daquela comparência. A verdade – democrática e humanitária – é que todos os que lá vão se sacrificam em nome de todos os outros que lá vão movidos pelos mesmos sacrifícios.
O grão de sal de cada movimento e de cada comparência é que as torna apetecíveis. Pensamos que as festas, por serem combinadas e previsíveis, vão ser sensaboronas. Mas não: temperam-nos, juntam-nos e dão-nos sal.