Os nossos ossos ficaram mais frágeis quando inventámos a agricultura
A leveza e fragilidade do esqueleto humano moderno devem-se provavelmente à adopção de um modo de vida mais sedentário há uns 10.000 anos.
“Apesar de séculos de pesquisas sobre o esqueleto humano, o nosso é o primeiro estudo que mostra que as articulações da totalidade do esqueleto humano possuem uma densidade óssea substancialmente reduzida, mesmo nos antigos agricultores que trabalhavam activamente a terra”, diz Brian Richmond, co-autor de um dos novos estudos, do Museu de História Natural Americano (EUA), em comunicado daquela instituição.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
“Apesar de séculos de pesquisas sobre o esqueleto humano, o nosso é o primeiro estudo que mostra que as articulações da totalidade do esqueleto humano possuem uma densidade óssea substancialmente reduzida, mesmo nos antigos agricultores que trabalhavam activamente a terra”, diz Brian Richmond, co-autor de um dos novos estudos, do Museu de História Natural Americano (EUA), em comunicado daquela instituição.
Até aqui, explica ainda o comunicado, ninguém sabia que os ossos dos humanos actuais são mais leves quando comparados com os de outros animais – como também não se conhecia a altura em que esta característica única teria aparecido na história evolutiva da nossa espécie.
“O nosso estudo mostra que os humanos modernos têm menos densidade óssea do que as espécies relacionadas – e não importa se viveram numa sociedade industrial ou numa sociedade agrícola (onde, apesar de tudo, as pessoas eram mais activas)”, diz por seu lado o co-autor Habiba Chirchir, do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsonian (EUA). “O que gostaríamos de saber é se se trata de uma característica que define a nossa espécie.”
Estes cientistas utilizaram imagens de alta resolução (obtidas através das técnicas de tomografia e microtomografia computadorizada) para analisar os ossos, ditos esponjosos, das articulações do esqueleto humano moderno (por exemplo, o osso do interior do colo do fémur), dos chimpanzés e ainda de quatro espécies extintas de hominídeos: Australopithecus africanus, Paranthropus robustus, Homo neanderthalensis, bem como os primeiros Homo sapiens. E os seus resultados mostram que, durante milhões de anos, os nossos antepassados tiveram uma densidade óssea elevada – e que só os humanos modernos (Homo sapiens) muito recentes apresentam uma redução da densidade desses ossos esponjosos.
Mais: essa redução de densidade, que se verifica em todo o corpo, é contudo maior nas extremidades inferiores – bacia, joelho e tornozelo – do que nas extremidades superiores (ombro, cotovelo e mão). É isto, em particular, que leva os autores a dizer que a responsável pelo fenómeno foi a agricultura, na medida em que, com o seu advento, as populações humanas se tornaram bastante mais sedentárias do que os seus antepassados caçadores. “Ao longo da maior parte da pré-história, os nossos antepassados eram muito mais activos e andavam distâncias muito maiores do que hoje”, diz Richmond.
As implicações para a saúde desta fragilidade óssea dos humanos actuais são o foco do outro estudo publicado na mesma edição da PNAS.
“Os humanos contemporâneos vivem num meio cultural e tecnológico que é incompatível com as nossas adaptações evolutivas”, diz Colin Shaw, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), co-autor deste segundo artigo, em comunicado daquela universidade. “Não fomos feitos para ficar sentados num carro ou num escritório”.
No estudo, Shaw e o seu colega Timothy Ryan, da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), tiraram radiografias ao colo do fémur de ossadas arqueológicas humanas e de outras espécies de primatas, focando-se, neste caso, apenas no osso interno da articulação da bacia – uma das articulações do corpo que mais carga precisa de aguentar. Entre as quatro populações humanas analisadas havia caçadores e agricultores. E mostraram que, enquanto os caçadores-recolectores de há cerca de 7000 anos tinham ossos comparáveis em termos de resistência com os dos orangotangos actuais, os agricultores que viveram na mesma área (no estado norte-americano do Illinois) mais de 6000 anos depois tinham ossos significativamente mais leves e frágeis. Mais precisamente, lê-se no comunicado, a massa óssea era cerca de 20% maior nos caçadores de há sete milénios do que nos agricultores de há sete séculos – “o que equivale à massa óssea que uma pessoa média perderia ao fim de três meses em microgravidade no espaço”.
Segundo estes autores, os seus resultados abonam a favor da ideia de que é o exercício físico – e não a dieta alimentar – que é essencial à prevenção de problemas como a osteoporose. “As fracturas da bacia não se tornam inevitáveis quando envelhecemos”, salienta Shaw. “Se fortalecermos os nossos ossos desde cedo na nossa vida, mesmo na velhice não iremos descer [em termos de densidade óssea] até ao ponto em que arriscamos facilmente uma fractura.”
O estudo contradiz em particular a ideia de que os ossos humanos se tornaram mais frágeis devido à redução de diversidade alimentar acarretada pelas monoculturas – ou simplesmente, à falta de alimentos.
“O facto é que os humanos podem ser tão fortes como os orangotangos”, diz Shaw. “Se não o somos, é porque não estamos a exigir o suficiente dos nossos ossos.”