Duas entidades do GES/BES mexeram com milhões sem que se saiba porquê

Os mistérios chamam-se BESA Actif e a ES Enterprise.

Foto
Ricardo Salgado, no dia em que foi ouvido na comissão de inquérito Daniel Rocha

Ricardo Salgado, José Manuel Espírito, Manuel Fernando Espírito Santo, Pedro Mosqueira do Amaral, todos do conselho superior do Grupo Espírito Santo, ou Amílcar Morais Pires (ex-administrador financeiro do BES) e Álvaro Sobrinho (ex-presidente do BESA) são alguns dos nomes que já estiveram no Parlamento no quadro da comissão de inquérito (que já ouviu a ministra as Finanças, os reguladores e auditores). Todos eles acompanhados dos seus advogados e munidos de discursos legalistas e tecnicistas, que não ajudam a clarificar as interrogações dos deputados.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Ricardo Salgado, José Manuel Espírito, Manuel Fernando Espírito Santo, Pedro Mosqueira do Amaral, todos do conselho superior do Grupo Espírito Santo, ou Amílcar Morais Pires (ex-administrador financeiro do BES) e Álvaro Sobrinho (ex-presidente do BESA) são alguns dos nomes que já estiveram no Parlamento no quadro da comissão de inquérito (que já ouviu a ministra as Finanças, os reguladores e auditores). Todos eles acompanhados dos seus advogados e munidos de discursos legalistas e tecnicistas, que não ajudam a clarificar as interrogações dos deputados.

O relatório da KPMG Angola de 31 de Dezembro de 2013, mas no qual constam as contas do BESA de 2012, refere, entre outros temas, que a sociedade gestora de fundos de investimento BESA Actif, apesar de ter sido dotada de mil milhões de dólares, por adiantamento para compra de imóveis, não dispunha à data de uma carteira de activos imobiliários, os beneficiários dos fundos aplicados pela sociedade não eram conhecidos e as quantias investidas não estavam garantidas. Ou seja: desconheciam-se os nomes dos utilizadores das verbas e onde foram aplicadas. A auditora alertou ainda para o incumprimento da legislação angolana.

Inquirido na quinta-feira na comissão de inquérito pelo deputado do PSD Carlos Abreu Amorim sobre os nomes dos beneficiários do BESA Actif, o ex-presidente do BESA Álvaro Sobrinho disse: “É uma pergunta muito complicada de responder.” E pediu ao deputado que lhe facultasse o relatório da KPMG Angola. Com o documento na mão, depois de passar os olhos por ele, fez um sorriso e observou que “gostava muito, mesmo muito” de poder responder, mas não podia devido ao sigilo bancário angolano. Abreu Amorim voltou a inquiri-lo sobre se um dos beneficiários do BESA Actif seria o empresário da construção civil José Guilherme (que terá oferecido uma alegada prenda a Salgado), mas o banqueiro luso-angolano fugiu à pergunta: “Sei quem é, mas não posso dizer quem é.” Oficialmente o BESA Actif é controlado em 62% pelo BESA, a 35% pela ESAF (gestora de fundos do Banco Espírito Santo) e em 3% por investidores individuais.

Sobrinho surpreendeu a comissão de inquérito, que o questionou sobre o alegado presente de 14 milhões de euros oferecido a Ricardo Salgado pelo construtor civil José Guilherme, quando surgiu a declarar: “Tive conhecimento da transferência. A operação foi ordenada pelo José Guilherme e fui eu o principal responsável por autorizar esta transferência."

A afirmação do banqueiro luso-angolano veio corroborar a tese de Ricardo Salgado, que dia antes o acusara de gestão danosa, segundo a qual, as três correcções à declaração de rendimentos de 2011 resultaram de uma prenda – antes tinha alegado tratar-se do pagamento de uma comissão a título pessoal – de José Guilherme.

Em 2012, ficou a saber-se que o ex-presidente do BES tinha liquidado mais 4,3 milhões de euros em IRS, face à colecta inicial de Maio (de apenas 183 mil euros, relativos à repatriação de verbas colocadas no exterior), ao abrigo de uma amnistia fiscal. A iniciativa de Salgado surgiu depois de terem sido detectados movimentos financeiros associados a sociedades off-shores de que era beneficiário, descobertos no quadro do dossier Monte Branco (investigação a fraude fiscal e branqueamento de capitais). Para movimentar o dinheiro, Salgado usou a gestora de fortunas suíça Akoya de que Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia, presidente da Escom, eram accionistas.

O PÚBLICO revelou já este mês ter sido detectada nova discrepância, agora entre 24 e 28 milhões de dólares, nos movimentos bancários associados a Ricardo Salgado, que este Verão foi constituído arguido, por suspeita de burla, abuso de confiança, falsificação e branqueamento de capitais. No âmbito das averiguações, é previsível que o Ministério Público esteja a procurar certificar a validade da prenda/comissão que alega ter-lhe sido entregue por José Guilherme, de modo a afastar as suspeitas de que os 14 milhões possam ser provenientes de outras operações efectuadas via BESA, nomeadamente do sinal pago pela Escom.

No final de 2010, Sobrinho e Salgado protagonizaram o negócio de compra e venda de 100% da Escom (grupo envolvido em negócios como o imobiliário), detida em 67% pela ES Resouces/Rioforte, em parceria com Bataglia (dono de 33%). 

Depois de ter acordado com o Governo de Angola a venda da Escom a uma entidade local, e como Luanda não se decidia sobre quem seria o adquirente, o ainda presidente do BES pediu ajuda ao presidente do BESA para acelerar a negociação. A alienação da Escom, devedora de 500 milhões de euros ao BES, possibilitava a Salgado ir ao Banco de Portugal dizer que a empresa deixara o perímetro empresarial da família, o que reduzia a exposição do banco ao grupo.

O contrato de promessa compra e venda da Escom foi assinado no final de 2010 entre a ES Resources e a Newbrook, detida por Sobrinho. Saíram então de uma conta do BESA, de que Sobrinho era ainda presidente e Bataglia administrador, 85 milhões de dólares, 15 milhões dos quais serviram para pagar à ES Resources/Rioforte a Opway Angola. A restante parcela, cerca de 60 milhões de dólares, entrou na ES Resources, mas entretanto saíram. E é o desvio do sinal que está agora a ser investigado na Justiça.

Na semana anterior, na mesma comissão de inquérito, onde foi depor, Ricardo Salgado, desafiado a comentar a operação Escom, declinou: “Infelizmente não posso falar sobre o assunto da Escom porque ela está integrada no processo no qual eu sou arguido.” “Não gostaria que a minha situação fosse agravada nesse dossier”, rematou.

Já o presidente do BESI (Banco Espírito Santo de Investimento), José Maria Ricciardi, no mesmo local, optou por engrossar as suspeitas: “O sinal pago [pela Newbrook] foi de 15%, são os ditos 85 milhões de dólares. Ou pelo menos pensa-se que se recebeu. Está por provar se se recebeu a totalidade desse sinal.” Já nesta quinta-feira Álvaro Sobrinho admitiu que a Escom esteve para ser vendida à Sonangol em 2010, via Newbrook, e confirmou o pagamento dos 85 milhões e “que a entidade que o recebeu foi a Espírito Santo Resources". "Mas o seu destino não sei", acrescentou.

Outro tema que as audições até aqui não permitiram ainda clarificar prende-se com a existência, na esfera do GES-BES, de um veículo opaco de conhecimento “ultra-restrito”, a ES Enterprise (PÚBLICO, 12/12): uma espécie de saco azul usado para pagamentos de despesas não registadas. Nos últimos anos, via sociedades suíças Eurofin, foram transferidos para o Espírito Santo Enterprise cerca de 300 milhões de euros.

A matéria está no centro das investigações do Ministério Público ao GES/BES que procura apurar o rasto dos 300 milhões de euros – ou seja, as autoridades querem saber quem foram os destinatários das transferências não documentadas do dinheiro. Esta informação possibilitará o cruzamento com entradas de fundos em contas tituladas por entidades associadas a outras inquirições em Portugal, ou em Angola.

A natureza opaca do ES Enterprise, que nunca constou do organograma do grupo, foi reflectida num comentário do ex-administrador executivo do BES José Manuel Espírito Santo, quando depunha no Parlamento. Inquirido sobre o veículo disse: "Tive conhecimento dele há pouco tempo.” “Nunca tive conhecimento das operações que fazia.” Contou ainda que, apesar de ter levantado dúvidas, não lhe foi explicado de que entidade o ES Enterprise dependia. Mas, pelo que lhe foi dito, “era uma sociedade que fazia serviços partilhados no GES”.