Cubanos ansiosos pela chegada da América a Havana: “A nossa vida vai mudar”
O degelo das relações entre Cuba e os EUA criou nos cubanos a esperança de uma vida normal, diferente do que conheceram nos últimos 50 anos. “Somos vizinhos. Agora podemos ser amigos.”
E, no entanto, o discurso de dez minutos em que o Presidente Raúl Castro deu a notícia de que muitos estiveram à espera toda a vida – a normalização das relações com os vizinhos Estados Unidos, que abre a esperança de uma vida normal – foi recebido com enorme alegria em Cuba.
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E, no entanto, o discurso de dez minutos em que o Presidente Raúl Castro deu a notícia de que muitos estiveram à espera toda a vida – a normalização das relações com os vizinhos Estados Unidos, que abre a esperança de uma vida normal – foi recebido com enorme alegria em Cuba.
“A nossa vida vai mudar”, exclamava com entusiasmo Ernesto Pérez, um cozinheiro de 52 anos. Amelia Gutiérrez, uma bancária grávida de sete meses, regozijava-se porque o seu filho “não terá de viver sob a mesma tensão” em que ela sempre viveu, relata a AFP. “Isto poderá abrir-nos muitas portas, sobretudo em matéria de comércio”, dizia Marlon Torres, um estudante de 16 anos. “Para o povo cubano, isto é como uma injecção de oxigénio, um desejo tornado realidade. Com isto, ultrapassamos as nossas diferenças”, disse Carlos Gonzalez, um especialista de tecnologias de informação de 32 anos, citado pela Time.
A emoção andou à solta em Cuba: houve quem não contivesse as lágrimas, os estudantes saíram para a rua em manifestações, ainda que tenham passado despercebidas ao Granma. Também houve celebrações mais pessoais, mais íntimas. “Agora a minha família e os meus amigos podem começar uma nova era. Pouco a pouco a porta está a abrir-se. Os EUA estão a castigar o povo cubano há muitos anos com a sua má política, mas agora as coisas vão mudar. Somos vizinhos. Agora podemos ser amigos”, disse ao jornal britânico The Guardian Frank Reyes, um polícia. “Já não sou jovem, e muitas vezes duvidei de que chegasse a ver este dia.”
Perspectiva impensável durante os últimos 53 anos, desde que vigora o embargo dos EUA a Cuba, um objectivo para breve é a abertura de uma embaixada norte-americana em Havana e Barack Obama não exclui a possibilidade de visitar Cuba “nos próximos meses”. A realizar-se, seria uma viagem com um impacto ainda maior do que a de João Paulo II, em 1998, quando “Deus entrou em Havana”, nas palavras do jornalista e romancista espanhol Manuel Vázques Montalban, falecido (que escreveu um livro com esse título).
Quando chega a Coca-Cola?
A normalização de relações com os EUA abre expectativas de crescimento económico, com uma maior chegada de turistas à ilha que fica apenas a cerca de 150km da Florida – embora só o Congresso possa levantar todas as restrições de viagens de cidadãos norte-americanos a Cuba. “Podia haver uma tremenda injecção na economia da ilha”, disse à Time Ramon Roman, de 62 anos, um dos muitos cidadãos cubanos que se juntaram à volta da catedral na zona velha de Havana a discutir as novidades.
Victoria Serrano, técnica de laboratório, fala nas faltas constantes de tudo – alimentos, matérias-primas, e como espera que a cornucópia de abundância americana se derrame um pouco sobre Cuba. “A vida aqui é mesmo muito difícil. Em particular, espero que melhore a comida que vemos aqui chegar, se houver comércio com os EUA. Neste momento, até as cebolas se tornaram um luxo.”
O fim do bloqueio norte-americano não estará para amanhã, pois é necessária a colaboração do Congresso. Mas pela primeira vez em cinco décadas os mais de 90 mil norte-americanos que visitam Cuba todos os anos poderão usar os seus cartões de crédito na ilha e instituições dos EUA poderão abrir contas bancárias em instituições financeiras cubanas. E o Presidente Obama tem poder suficiente para levantar restrições ao comércio que permitirão o acesso ao mercado de 11 milhões de consumidores cubanos a várias empresas norte-americanas.
Fabricantes de materiais de construção, equipamentos agrícolas e infra-estruturas de tecnologias de comunicação, bem como empresas de cruzeiros e outras ligadas ao turismo são as mais óbvias beneficiárias, diz o Washington Post. Também há a Coca-Cola: Coreia do Norte e Cuba são os dois únicos países do mundo onde o refrigerante símbolo do capitalismo não se vende.
Mas quem estiver à espera da chegada do primeiro McDonald’s talvez faça melhor em sentar-se: Cuba é um país pobre, onde as pessoas não têm dinheiro para extras, como um hamburger ao lanche.
Para perceber quão pobre Cuba é em relação aos EUA: o produto interno bruto cubano, diz o Banco Mundial, com dados relativos a 2011, é de 68 mil milhões de dólares. Isto é o mesmo valor que os EUA produziram nesse ano durante um dia e meio, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.
Este degelo entre Havana e Washington também poderá ajudar nas negociações entre Cuba e a União Europeia, iniciadas em Abril, com vista a pôr fim ao bloqueio institucional entre os Vinte e Oito e a ilha. A terceira ronda de contactos deve iniciar-se proximamente.
O que causa estranheza é o silêncio de Fidel Castro – nem uma palavra, nem um artigo no Granma, nem um sinal. “Não sei o que dizer sobre isto. Pode ser por motivos de saúde. Não se pode esquecer que daqui a nove meses cumpre 89 anos, ou quiçá preferiu calar-se, ou esperar e ver a reacção das pessoas. Não sei. Ele o saberá”, comentou Elizardo Sánchez, porta-voz da Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, um organismo congregador da oposição, numa entrevista publicada no jornal online 14ymedio, da conhecida blogger Yoani Sanchéz.