Dos pilotos aos cozinheiros, requisição civil na TAP abrange 70% dos trabalhadores
Trabalhadores terão de se apresentar ao serviço nos quatro dias da greve no Natal e Ano Novo. Há 17 anos que não havia requisição civil na TAP. Portaria já foi publicada em Diário da República.
Só por duas vezes a requisição civil foi usada na TAP, em 1977 e 1997, e a sua eficácia não está garantida à partida. É que os trabalhadores podem simplesmente não comparecer, desde que justifiquem a sua ausência.
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Só por duas vezes a requisição civil foi usada na TAP, em 1977 e 1997, e a sua eficácia não está garantida à partida. É que os trabalhadores podem simplesmente não comparecer, desde que justifiquem a sua ausência.
Na conferência de imprensa do Conselho de Ministros (CM) desta quinta-feira, o ministro da Economia, António Pires de Lima, justificou a decisão com o facto de a greve ter sido convocada para a época de Natal, “uma época de reunião familiar”, em que muitos portugueses que trabalham e vivem fora “não têm alternativa para se deslocarem a Portugal” sem ser na TAP.
Na resolução sobre a requisição civil, já publicada em Diário da República, o Conselho de Ministros alega que a actividade da TAP “assume indiscutível relevância na vida social e económica do país” e salienta que uma paragem na época natalícia “determina graves perturbações na vida social e económica”, significando “uma penalização excessiva e desproporcionada aos cidadãos e às suas famílias, em especial aos emigrantes”. O Governo argumenta ainda que uma greve deste género causaria “prejuízos irreparáveis à comunidade em geral”.
“Estamos a falar do Natal, não é uma altura qualquer. Se não fosse no Natal, a atitude do Governo poderia ser outra”, já tinha dito Pires de Lima, deixando a nota de que espera que “a requisição seja exemplarmente cumprida”.
Os “prejuízos de centenas de milhões de euros” para o turismo e para a imagem do país que uma paralisação de quatro dias acarretará e a que “o Estado não pode ficar indiferente” também pesaram na decisão, acrescentou Pires de Lima no briefing que se seguiu à reunião do CM.
Na resolução sobre a requisição civil, o Governo estima “em 32 milhões de euros” os prejuízos directos da greve convocada pelos sindicatos da TAP, acrescentando ainda que os prejuízos indirectos dessa mesma paralisação” tem um “valor estimado não inferior a 60 milhões de euros”.
Dos pilotos aos cozinheiros
O secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, explicou que a requisição abrangerá 70% do pessoal da TAP e permitirá assegurar 100% dos voos programados. São um total de 1141 voos, dos quais 144 para as regiões autónomas dos Açores e Madeira, sublinhou Pires de Lima. São “números impressionantes” que mostram bem “o papel fundamental que a TAP desempenha na quadra natalícia”.
Sérgio Monteiro sublinhou ainda que o facto de a requisição abranger apenas 70% dos trabalhadores mostra bem “o rigor” com que a matéria foi trabalhada pelo Governo, porque “não põe em causa o direito à greve” e abrange apenas os trabalhadores considerados essenciais para o desenrolar das operações.
A portaria, publicada em Diário da República nesta quinta-feira à noite, especifica que estão abrangidos pela requisição civil os trabalhadores das operações de voo (Oficiais Pilotos, Comandantes, Supervisores de Cabine, Chefes de Cabine e Comissários e Assistentes de Bordo), do apoio em terra a operações de voo (Oficiais de Operações de Voo e controladores/Planeadores de Escalas de Tripulantes), da manutenção (Técnicos de Manutenção de Aeronaves, Técnicos de Reparação e Tratamentos de Material Aeronáutico, Técnicos de Apoio de Manutenção e Técnicos de Preparação, Planeamento e Compras), dos aeroportos (Operadores de Assistência em Escala, Técnicos de Tráfego de Assistência em Escala e Técnicos de LoadControl) e catering (Cozinheiros, Pasteleiros, Preparadores, Motoristas e demais categorias ligadas à produção e transporte de catering).
A portaria diz ainda que, além da TAP, são abrangidos pela requisição civil dos trabalhadores da Portugália, dos SPdH — Serviços Portugueses de Handling, S. A.; da CATERINGPOR — Catering de Portugal, S. A.; da Megasis — Sociedade de Serviços e Engenharia Informática, S. A.; e da UCS — Cuidados Integrados de Saúde, S. A.
Questionado sobre a legalidade da requisição, Pires de Lima sublinhou que o mecanismo está previsto na lei e que existem precedentes. Em 1997, num Governo socialista, a requisição foi utilizada “num período menos excepcional, no Verão”, e a decisão “foi considerada válida” pelo Supremo Tribunal Administrativo. O Governo está, por isso, convicto da solidez jurídica da decisão e “preparado para fazer prevalecer o interesse geral”, assegurou.
O ministro disse ainda que o Governo está disposto a sentar-se à mesa de negociações com os sindicatos, mas “o primeiro passo tem de ser a desconvocação da greve”. E afastou o tema da privatização de quaisquer negociações. O executivo admite discutir num grupo de trabalho as “matérias que preocupam os trabalhadores e que não têm a ver com a decisão de privatização, que o Governo já tomou”, afirmou Pires de Lima.
Sindicatos dizem que Governo está a fugir às responsabilidades
A plataforma de sindicatos da TAP já reagiu, afirmando, através de um comunicado, que o Governo “não conhece a história da TAP, em concreto no que concerne aos efeitos das requisições civis na empresa”, e acusa o executivo de não assumir “as suas responsabilidades pelos erros e omissões cometidos pela gestão da TAP”.
Para a plataforma dos sindicatos, o Governo quer “responsabilizar os trabalhadores da TAP pelas consequências das decisões que lhes são alheias, em particular pelos prejuízos acumulados na VEM [empresa de manutenção], no Brasil, de mais de 500 milhões de euros”. E acusa ainda o executivo formado pelo PSD e CDS de procurar “iludir os Portugueses sobre as graves consequências desta privatização da TAP para o interesse nacional, no plano económico e estratégico”.
A decisão de avançar para a requisição levou já o Bloco de Esquerda a chamar o ministro da Economia do Parlamento. Num requerimento entrado hoje nos serviços da Assembleia, os bloquistas pedem que Pires de Lima seja ouvido com urgência para explicar os motivos que estiveram na base da decisão desta quinta-feira.
Também a UGT já se pronunciou sobre a decisão de avançar com a requisição civil, num comunicado onde critica a medida e apela ao executivo para retomar “o diálogo com os sindicatos da TAP”. No documento, a UGT destaca que “os tribunais há muito se pronunciaram sobre a figura da requisição civil, deixando claro que o Governo só pode lançar mão da mesma depois de instalada a greve, quando se conheça a verdadeira dimensão dos seus efeitos e desse conhecimento resulte a constatação que os serviços mínimos não estão a ser assegurados”.
Neste momento, diz a UGT, como ainda está a decorrer o processo para a definição de serviços mínimos, “em que a greve está ainda longe de começar e em que os sindicatos sempre manifestaram a intenção de cumprir os serviços mínimos”, a decisão do Governo “não pode deixar de ser considerada, no mínimo, prematura”.
“A UGT não pode assim deixar de contestar a decisão assumida, a qual considera mesmo abusiva, uma vez que tem apenas e só fundamentos políticos e que não deixa de constituir uma pressão ilegítima sobre os sindicatos que decretaram a greve e mesmo sobre os trabalhadores que a ela pretendam aderir”, lê-se no documento enviado às redacções.
Mais de 20 mil reservas canceladas
A companhia tinha 130 mil clientes com voos marcados para este período, dos quais mais de 20 mil foram já obrigados a alterar as viagens por causa da greve. Há também uma parte que está a pedir o reembolso do valor pago pelas viagens, com perda imediata de receitas para a empresa. O número de passageiros que desistiram de voar pela companhia entre 27 e 30 de Dezembro duplicou em menos de 24 horas, visto que na terça-feira à noite chegava a dez mil.
As companhias que concorrem com a TAP são as grandes beneficiárias da fuga de passageiros. Ainda na quarta-feira, a Lufthansa anunciou que "devido ao aumento do volume de tráfego" vai disponibilizar um voo adicional nos dias 27, 28, 29 e 30 de Dezembro entre Lisboa e Frankfurt (ida e volta).
Tal como o PÚBLICO noticiou nesta quinta-feira, a TAP pedira já ao Conselho Económico e Social que declarasse obrigatória a realização de 20% dos voos programados para os quatro dias de greve geral agendados para o período entre o Natal e o Ano Novo. Os serviços mínimos seriam definidos numa reunião na próxima segunda-feira, mas o pedido deverá cair por terra agora que o Governo optou pela figura da requisição civil.
Os 12 sindicatos que convocaram a paralisação enviaram na segunda-feira uma proposta ao Governo, que exige que a venda do grupo, relançada em Novembro, seja suspensa enquanto decorrerem as negociações. O executivo rejeitou a proposta, pondo completamente de parte a hipótese de colocar o processo em stand-by, mesmo que temporariamente.
Neste momento, existe um braço-de-ferro entre os sindicatos e o Governo que parece muito difícil de ultrapassar. Dentro da própria plataforma sindical, há posições divergentes sobre os motivos da greve e as exigências a reivindicar.