Derrapagem do BES Angola não parou com saída de Álvaro Sobrinho
Antigo presidente do BESA é ouvido esta quinta-feira no Parlamento.
Em 2013, ano em que Álvaro Sobrinho já tinha sido substituído na presidência executiva do BES Angola (BESA) por Rui Guerra, a exposição do BES à instituição financeira não só continuou a existir como subiu. Se, no final de 2012, a linha do BES ao BESA contabilizava-se em cerca de 3600 milhões de dólares (cerca de 2916 milhões ao câmbio actual), a 31 de Dezembro de 2013, de acordo com os relatórios e contas do banco, este valor disparou 18% para a casa dos 4300 milhões, o montante mais elevado de sempre.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Em 2013, ano em que Álvaro Sobrinho já tinha sido substituído na presidência executiva do BES Angola (BESA) por Rui Guerra, a exposição do BES à instituição financeira não só continuou a existir como subiu. Se, no final de 2012, a linha do BES ao BESA contabilizava-se em cerca de 3600 milhões de dólares (cerca de 2916 milhões ao câmbio actual), a 31 de Dezembro de 2013, de acordo com os relatórios e contas do banco, este valor disparou 18% para a casa dos 4300 milhões, o montante mais elevado de sempre.
Ao mesmo tempo, também a cedência de crédito bruto atingiu o pico em 2013, chegando aos 8135 milhões de dólares (mais 16% face ao ano anterior, quando os depósitos subiram menos de 1%), com o rácio de créditos sobre depósitos a chegar a aproximar-se dos 180%. Este é um indicador de elevado perigo, já que revela o nível de endividamento a que o banco está sujeito. Com a revelação de um enorme buraco nos pagamentos dos créditos, da ordem dos 4000 milhões de dólares, é por esta altura que Ricardo Salgado, o ex-CEO do BES, recorre ao Presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos, para avançar com uma garantia soberana, de 5700 milhões de dólares, de modo a tentar evitar o colapso da instituição.
Em Outubro deste ano, já após a divisão do BES em duas entidades, o CEO do BPI, Fernando Ulrich, chamou a atenção para a falta de actuação das autoridades na exposição do BES: "Em Dezembro de 2007, o BES tinha créditos sobre o BESA de 25 milhões de dólares, em 2008 já eram de 2000 milhões e em 2013 acima de 4000 milhões." "Estava tudo nos relatórios e nos balanços." Ulrich questionou a razão que levou “a parte portuguesa” e "o conselho de administração do BES” a não actuaram para quebrar a relação descontrolada entre BES-BESA.E deixou a dúvida: como foi possível que um banco em Portugal pudesse ter um montante de crédito tão elevado concedido a uma participada.
Recorde-se que o BES teve durante anos uma linha de financiamento aberta para o BESA, sem prazo ou limite (mas com juros) e que serviu, entre outras matérias, para financiar empresários da construção, que na altura da venda dos imóveis repassavam a divida para o comprador sem pedir garantias. Ou seja: o BESA não tinha, nestes casos, o escrutínio dos últimos beneficiários dos empréstimos.
O início da exposição do BES
O grande salto do relacionamento entre o BES e o BESA (que iniciou suas as operações em 2002), ocorreu em 2009, período em que a instituição angolana recorre ao BES para angariar cerca de dois mil milhões de dólares para investir em dívida pública angolana. Mas, nesse ano, a concessão de crédito ainda estava minimamente controlada, com a operação a ser financiada pelos depósitos. Só que, a partir daí, a exposição do BES vai continuar sempre a subir, e a concessão de créditos começa a disparar. Em 2010, não obstante a existência de um departamento de risco de controlo de crédito (criado no final de 2008) o rácio de créditos sobre depósitos é já de 131% (contra os 97% do ano anterior).
Ao nível sectorial, o imobiliário e a construção são responsáveis por 42% do total dos empréstimos concedidos.
Por esta altura (desde Dezembro de 2009), o BESA já tinha novos accionistas, com a entrada da Pormill (ligada ao General Manuel Hélder Vieira Dias, conhecido por Kopelipa) que fica com 24%, descendo o BES para 51,9%. À Geni (ligada a o general Leopoldino Fragoso do Nascimento, “Dino”) cabia outros 18,99%, e Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia (aliado do GES na Escom) detinham 2,5% cada um.
A estratégia “agressiva” de Sobrinho torna-se ainda mais evidente no ano seguinte, com o balanço do BESA a mostrar, em 2011, um rácio de créditos sobre depósitos de 177% (uma subida de 35% em termos homólogos). Isto numa fase em que Angola sofre o impacto da crise financeira anglo-saxónica e da queda do preço do petróleo, que leva o país africano a pedir apoio ao FMI para equilibrar as suas contas públicas. É nesta fase que o BES surge a fornecer liquidez ao BESA que a aplica em divida pública angolana.
Em 2011, a linha de financiamento rondava os 3200 milhões de dólares, subindo já depois de Sobrinho ter sido substituído como CEO, por Rui Guerra (da equipa do ex-CFO do BES, Amílcar Morais Pires), para 3600 milhões no ano seguinte, até ultrapassar os 4000 milhões em 2013. Em Outubro desse ano, conforme já escreveu o Expresso, ocorre uma reunião entre Rui Guerra e os accionistas do BESA, e onde o CEO informa haver 4100 milhões de dólares concedidos a beneficiários desconhecidos.
Sobrinho ouvido hoje no Parlamento
Esta quinta-feira será a vez do banqueiro luso-angolano dar a sua versão dos factos na Comissão de Inquérito parlamentar à gestão do BES-GES. Os deputados vão querer saber de Álvaro Sobrinho, entre outros dados, para onde foi o dinheiro que saiu do BESA e quem autorizou a sua saída, mas também qual o seu envolvimento na compra da Escom ao GES (negócio sinalizado e nunca concretizado) e a sua participação na Akoya.
A semana passada, quando esteve na Assembleia, Ricardo Salgado teceu várias críticas ao banqueiro luso-angolano, que culpou pelas insuficiências de capital detectadas no BESA que contribuíram para o colapso do BES (após a retirada da garantia estatal de Angola).
Apesar do BESA ser controlado desde 2002 pelo BES, Salgado contou que, em 2013, “encontrou” instituição angolana, “numa situação pavorosa e que ultrapassa tudo e todos" e classificou a gestão de Sobrinho como "um verdadeiro desastre" que o levou "a pedir apoio ao Presidente" José Eduardo dos Santos:
“Começámos a ter em Lisboa informações estranhas (a partir de meados da década). Os clientes queixavam-se de que não eram recebidos pela administração do banco.”, referiu Salgado. “Começámos a ficar preocupados à medida que o tempo ia avançando, vendo rácios de transformação a crescer. Começam a sair notícias, mas recebemos uma análise do stress test do BNA em 2012 que revela que o BESA está com rácios confortáveis de solidez", acrescentou. Foi nessa altura, disse Salgado que “os sócios angolanos vieram a Lisboa” relatar “que a reunião” do banqueiro luso-angolano com o banco central angolano “tinha corrido muito mal” e “sugeriram a sua substituição” que se verificou que acabou por se efectivar no final de 2012.
Pedido de documentos
Esta quarta-feira chegaram a Fernando Negrão, presidente da Comissão Inquérito, novos requerimentos. O PS chamou de novo Sikander Sattar, à frente da KPMG Angola (que audita o BESA), isto depois de o mesmo auditor já ter estado no parlamento a prestar esclarecimentos, mas, então, na qualidade de responsável máximo da KPMG em Portugal (foi auditor durante 12 anos das contas do BES).
Os socialistas querem agora ouvir o que tem a dizer o gestor que substitui Sobrinho no BESA, Rui Guerra, e pediram a Sobrinho, enquanto accionista individual, e a Salgado, como accionista de controlo, que facultem as actas das reuniões sobre o BESA de Outubro de 2013.
Ao BESA solicitam a entrega de todas as actas das reuniões de accionistas desde 2011 e a Salgado que revele as cartas que dirigiu, já este ano, ao Presidente da República, a Pedro Passos Coelho, a Maria Luís Albuquerque e a Durão Barroso. E instam José Maria Ricciardi e o Banco de Portugal a dar-lhes acesso à troca de correspondência entre Janeiro de 2013 e Agosto de 2014.
Por seu turno, o Bloco de Esquerda pede à Ernest & Young, que entregue à comissão o relatório e a documentação assessória relativa à auditoria aos passivos do BESA, e que o Banco Nacional de Angola, a KPMG, o Banco de Portugal, o BESA e o BES, permitam aos deputados conhecer a garantia prestada pelo Governo de Angola, incluindo a lista de créditos abrangidos pela referida garantia.