25 anos de Simpsons: recordações da família amarela

A família com mais longevidade da televisão está connosco há 25 anos. Bush, os Ramones, guerras, Stephen Hawking, Elizabeth Taylor ou Family Guy. Todos têm um papel na nossa história com Homer, Bart, Marge, Lisa e Maggie.

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Uma tem um cabelo azul penteado como A Noiva de Frankenstein e esconde a sua inteligência para não condicionar o marido; esse é um glutão bêbado com responsabilidade e pedagogia zero; a bebé não largou a chucha e mal aprendeu a falar em 25 anos e as outras crianças ou andam de skate e lata de spray a aterrorizar Springfield ou a ser sabichonas eternamente presas nos 8 anos de idade. Começaram a aparecer, menos redondos, mais tremidos mas ainda assim muito amarelos, como um sketch no The Tracey Ullman Show em 1987 (foi transmitido em Portugal pela SIC) e passados dois anos chegavam ao horário nobre de um canal em vias de afirmação nos EUA, a Fox. Hoje são o programa de ficção que há mais tempo está no ar na história da TV norte-americana, têm 31 Emmy, um prémio Peabody e não há história do século XX ou da televisão que não coloque a criação de Matt Groening na lista dos seus melhores produtos – para a Time, foi mesmo a melhor série de televisão de sempre.

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Uma tem um cabelo azul penteado como A Noiva de Frankenstein e esconde a sua inteligência para não condicionar o marido; esse é um glutão bêbado com responsabilidade e pedagogia zero; a bebé não largou a chucha e mal aprendeu a falar em 25 anos e as outras crianças ou andam de skate e lata de spray a aterrorizar Springfield ou a ser sabichonas eternamente presas nos 8 anos de idade. Começaram a aparecer, menos redondos, mais tremidos mas ainda assim muito amarelos, como um sketch no The Tracey Ullman Show em 1987 (foi transmitido em Portugal pela SIC) e passados dois anos chegavam ao horário nobre de um canal em vias de afirmação nos EUA, a Fox. Hoje são o programa de ficção que há mais tempo está no ar na história da TV norte-americana, têm 31 Emmy, um prémio Peabody e não há história do século XX ou da televisão que não coloque a criação de Matt Groening na lista dos seus melhores produtos – para a Time, foi mesmo a melhor série de televisão de sempre.

Os Simpsons eram “um motim existencial sobre os terrores do lar, do trabalho e da escola”, “entretenimento para adultos que é também fixe para os miúdos”, como escreveu o USA Today em 1990, citado pelo site Vulture. Nasceram quando Roseanne apresentara já ao reino das sitcom uma família de três filhos com dificuldades financeiras e ambos os pais a trabalhar fora de casa, lembrou a Newsweek, com uma “irreverência que torna Os Simpsons uma novidade tão promissora no horário nobre”. “Definitivamente uma família para os 90s”, postulava o Seattle Times.

A família Simpson, no seu emblemático amarelo (que o criador Matt Groening oscila entre explicar que foi apenas a cor que “parecia certa” quando lhe foi apresentada por um animador ou que era o tom ideal para que todos identificassem o programa ao fazer zapping), chegou ao mainstream antes da televisão-choque. Homer já estrangulava Bart meses antes de Laura Palmer ser assassinada – atenção a um spoiler com 24 anos, mas ainda assim um spoiler – por um pai possuído em Twin Peaks. E Lisa já tocava o seu saxofone no horário nobre dois anos e meio antes de Bill Clinton, ainda candidato ao primeiro mandato como Presidente dos EUA, pegar no saxofone para ganhar votos no talk show de Arsenio Hall. 

A família amarela era quase mais humana do que a América real. “Basicamente desenhei a minha própria família. O meu pai chama-se Homer. A minha mãe Margaret. Tenho uma irmã Lisa e outra Maggie, por isso desenhei-os a todos. Ia chamar a personagem principal Matt mas achei que não ia ser bem visto numa reunião para tentar vender os desenhos animados por isso mudei para Bart”, lembrou o autor Matt Groening sobre o primeiro esboço, feito a correr, da família para o Tracey Ullman Show, em entrevista à revista da Smithsonian Institution em 2012. Dois anos de popularidade inesperada mais tarde, a família amarela autonomiza-se e ganha o seu próprio programa – e Homer passa a ser a personagem fulcral. “Há mais consequências para o facto de ele ser um idiota”, mais histórias a contar, diz Groening.

Pessoas reais
O primeiro episódio é um especial de Natal em que há problemas de dinheiro, asneiras de filhos e suas consequências – e acaba com a adopção do cão escanzelado que até hoje acompanha a família. “As pessoas sentem mesmo que os Simpson são pessoas reais, mas porque somos desenhos animados safamo-nos com muito mais. São [os Simpsons] incrivelmente políticos e não fazem prisioneiros. Isso torna-os cativantes”, disse Yeardley Smith, que faz a voz de Lisa, à revista Time em 2012. Lisa pode ser vista como uma espécie de versão cartoon do “Cabeça de Abóbora” interpretado por Rob Reiner em Uma Família às Direitas, a consciência política de Os Simpsons ao lado da mãe, o seu pilar moral.

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Do outro lado da barreira moral está Bart, o rebelde sem causa. As t-shirts com Bart começaram a incomodar reitores e o pai da América, Bill Cosby (agora ensombrado por acusações de abusos sexuais), cuja série homónima definira os anos 1980 com a sua alegre família negra de classe média, os Huxtable. “A televisão devia andar para a frente em relação aos Huxtable, e não para trás”, disse à Entertainment Weekly em 1990 sobre as novas séries do horário nobre. Os Simpsons “eram extremamente controversos em alguns quadrantes e durante algum tempo tiveram uma reputação de ser um bocado grosseiros. A escola da minha filha dizia que não se podia usar uma t-shirt dos Simpson. Sempre pensei que a série era muito mais rica do que isso e que tinha um centro moral”, disse ao Guardian showrunner, argumentista e produtor Al Jean, há 25 anos com a família de Springfield. Pouco tempo depois, a Fox e a sua família disfuncional venciam a NBC e os Cosby na luta pelas audiências. 

Os Simpsons, cujo primeiro episódio de meia hora foi transmitido no primetime do canal americano FOX há exactamente 25 anos, nasceram para ser comparados com outros. E para simbolizar uma mudança numa década cheia de statements. Chegam no ano em que Reagan se despede e em que a selecção portuguesa de futebol vence o Mundial sub-20. Chegam um mês depois de cair o Muro de Berlim e no ano em que o Kosovo perde a sua autonomia e que começa o fim da antiga Jugoslávia.  

Chegaram em reacção aos anos 1980. Abrem portas poucos meses depois de Seinfeld se instalar na concorrente NBC e de lá ficar durante toda a década de 1990, a do minimalismo, da imagem anti-yuppie, de No Logo de Naomi Klein e dos violentos protestos na cimeira da Organização Mundial do Comércio em Seattle contra a globalização. A que teve a política do rock feminista do riot grrrl e que rejeitou a decadência do hair metal em prol do rock de flanela. Foi a década da primeira Guerra do Golfo, foi a primeira dama republicana Barbara Bush a dizer sobre a família amarela da classe trabalhadora: “Os Simpsons são a coisa mais estúpida que já vi”. E foi esta a resposta de Marge Simpson, a matriarca cujo nome de solteira (Bouvier) é o mesmo de Jacqueline Kennedy antes do casamento, enviada à Casa Branca em Setembro de 1990: “Tento ensinar aos meus filhos Bart, Lisa e até a pequena Maggie, a dar sempre às pessoas o benefício da dúvida e a não dizer mal delas – mesmo que sejam ricas”; “Se somos a coisa mais estúpida que alguma vez viu, Washington deve ser uma coisa bastante diferente do que me ensinam no grupo de Temas da Actualidade na igreja”. 

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Uma nova animação
A mesma década que criaria um espaço confortável para Friends (NBC) e uma montra para maiores de 16 para Sexo e a Cidade (HBO) abraçou fervorosamente a família que geraria estas reacções extremadas e um novo reconhecimento da animação. Sem Simpsons não haveria Family Guy (e este ano finalmente foi para o ar o episódio que cruzou as duas famílias e os seus universos citadinos, Springfield e Quahog, num pingue pingue constante entre as duas principais acusações feitas a cada uma – que Family Guy é uma cópia de Os Simpsons e que Os Simpsons já não têm piada), nem South Park. E talvez Conan O’Brien, argumentista da série entre 1992 e 1993, tivesse seguido outro caminho, ou o realizador Brad Bird, consultor durante as primeira oito temporadas de Os Simpsons, não tivesse dirigido alguns dos maiores sucessos da Pixar. 

“É o que os fãs de sci-fi dizem de Star Trek: criou uma audiência para o género” da animação televisiva, diz o criador de Family Guy, Seth McFarlane, à Vanity Fair sobre o pioneirismo de Os Simpsons. “Na minha opinião, basicamente reinventaram a roda”, explica o actor e realizador que queria ser animador na Disney e que quando viu Os Simpsons percebeu que era possível juntar humor adulto e cartoons. Já Matt Stone, que com Trey Parker criou o ainda mais abrasivo South Park, admite que “Os Simpsons são a desgraça da nossa existência” porque “fizeram tantas paródias, lidaram com tantos assuntos... ‘Os Simpsons fizeram-no!’ é um refrão muito familiar na nossa sala de argumentistas”.

Aqueles que os viram abrir caminho e ser contracultura agora saúdam-nos à medida que os vêem gravitar para o centro da cultura popular ao invés de nas suas margens (onde se mantiveram títulos como Ren & Stimpy, nascidos no Nickelodeon em 1991) – a figura de George W. Bush, por exemplo, ridicularizada em canais como a Comedy Central, não foi das mais visadas em Os Simpsons, mas Al Jean diz ao Guardian que o facto de não terem uma boa voz para imitar o segundo Presidente Bush foi parte do problema. Groening diz ter saudades do foco nos problemas financeiros d’Os Simpsons e admite o anacronismo de Marge ser dona de casa. Ensina-se Os Simpsons nas faculdades, expressões Simpson integraram os dicionários (“D’oh!”), mas os novos parecem ir ainda mais longe. Quando viu Family Guy pela primeira vez, Matt Groening teve como primeira reacção “Oh meu Deus, temos concorrência”, contou numa entrevista conjunta com MacFarlane à revista Entertainment Weekly. “E estão a flanquear-nos. Esta série é mais doida e desagradável e indecente. Nós costumávamos meter-nos em sarilhos. Nós costumávamos ser a causa do declínio dos Estados Unidos.” 

A série pende assumidamente para o centro esquerda, como já disseram vários dos seus responsáveis. Desde o vegetarianismo e budismo de Lisa à aceitação (não sem resistências) da homossexualidade da irmã por Marge, passando pelos direitos dos animais, pela aparição de Julian Assange no 500.º episódio de Os Simpsons ou pelos ataques à casa-mãe Fox, detida pelo magnata conservador Rupert Murdoch, “conseguimos ir bastante longe”, diz Al Jean ao diário britânico – a Fox, que se fez muito graças à família criada por Groening, é descrita como “o maior bully do bairro” por Yeardley Smith.

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Ao longo de 25 anos, quase não houve alterações no elenco e a família e a cidadezinha de Springfield sobreviveram a Homer e a um filme blockbuster em 2007. Os Simpsons são também um íman cultural, uma cápsula do tempo de cultura pop. A primeira palavra de Maggie (“papá”) foi proferida por Elizabeth Taylor, Meryl Streep foi a namorada de Bart e o físico Stephen Hawking, que agora quer ser um vilão Bond, já apareceu na série várias vezes.

Michael Jackson, George Harrison, Ringo Starr, Paul e Linda McCartney, a realizadora Penny Marshall, os Sonic Youth, os Ramones, os Red Hot Chilli Peppers, o astronauta Buzz Aldrin, a Mrs Robinson Anne Bancroft, Mel Brooks, as estrelas de Ficheiros Secretos David Duchovny e Gillian Anderson, as irmãs tenistas Venus e Serena Williams, os realizadores Michael Moore ou Peter Bogdanovich, o basquetebolista LeBron James, os romancistas Jonathan Franzen, Michael Chabon, Tom Wolfe, Gore Vidal e Tom Clancy, o Monty Python Eric Idle, o ilustrador e argumentista Daniel Clowes, o apresentador Jon Stewart, o chef apresentador Anthony Bourdain, o Breaking Bad Bryan Cranston – todos estiveram com Os Simpsons nestes 25 anos e contam com eles pequenos pedaços da história do último quarto de século. E também houve polémicas, claro. A forma como retrataram o Brasil ou a Austrália, o episódio escrito pelo writer de graffiti Banksy, em que os animadores são ilustrados numa linha de montagem coreana, além das tentativas de Homer para tentar afastar Bart da homossexualidade ficaram entre os mais discutidos dos 561 episódios já transmitidos.

A anos-luz de Os Flinstones ou de Os Jetson, a família animada Simpson tem os seus rituais bem oleados – a frase de Bart no quadro e o amontoar da família no sofá do genérico, os piscares de olho à realpolitik (o valor na caixa do supermercado visto por Marge era o custo mensal de criar um bebé em 1989, 847 dólares). Está sempre aberta a discussão sobre a parecença do milionário sovina Mr. Burns com Rupert Murdoch, mesmo sabendo-se que, oficialmente, este foi desenhado como um arquétipo da ganância e como um misto do fundador da Fox Barry Diller e... um louva-deus. Tal como outro debate, sempre agitado, sobre onde é a Springfield natal d'Os Simpsons, apesar de Groening ter já deslindado o mistério dizendo que se trata da Springfield do estado de Oregon. Marge foi capa da Playboy, Bart capa da Rolling Stone (e de Nevermind dos Nirvana), um episódio já foi de Lego, a matemática e a ciência têm um papel regular na série e Homer até já foi considerado o pai ideal para 22% dos jovens britânicos.

A sua festa de anos oficial fez-se em Setembro com três noites de concerto no Hollywood Bowl e com maratonas e a estreia da 26.ª temporada nos EUA. Em Portugal, a festa faz-se este mês no canal Fox com 25 Anos de Simpsons – 25 Dias de Natal e a estreia da 23.ª temporada da série. Entretanto, no Twitter, a hashtag #TheSimpsons está a servir esta quarta-feira para recordar ou homenagear a série.