Ordem dos Advogados não autoriza defesa de Sócrates a divulgar recurso
Regras deontológicas impedem discussão pública de questões profissionais pendentes nos meios de comunicação.
O advogado de Sócrates, João Araújo, tentou obter uma autorização genérica por parte de Jaime Martins para poder falar publicamente sobre este inquérito e divulgar algumas peças processuais. Mas o presidente do Conselho Distrital de Lisboa recusou o pedido, por entender que o mesmo colide com as normas deontológicas da profissão, previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados.
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O advogado de Sócrates, João Araújo, tentou obter uma autorização genérica por parte de Jaime Martins para poder falar publicamente sobre este inquérito e divulgar algumas peças processuais. Mas o presidente do Conselho Distrital de Lisboa recusou o pedido, por entender que o mesmo colide com as normas deontológicas da profissão, previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados.
Estas determinam que um advogado não deve discutir publicamente questões profissionais pendentes nos meios de comunicação. A regra visa impedir o advogado de tentar influenciar decisões, julgando na opinião pública o que compete aos tribunais. “O julgamento faz-se no tribunal e não é lícito ao advogado tentar influenciar uma decisão dessa forma extra-processual”, lê-se na publicação Deontologia Profissional, de Carlos Mateus, formador em cursos de advogados estagiários. E acrescenta-se: “Usar os meios de comunicação social para conseguir alcançar objectivos processuais é recorrer a meios desleais de defesa dos interesses das partes”. Tal significa uma violação do dever de lealdade previsto no estatuto, que normalmente dá origem a um processo disciplinar.
A única excepção a esta regra é o direito de resposta, justificado para prevenir ou remediar a ofensa à dignidade, direitos e interesses legítimos do cliente ou do próprio advogado. Aí, o advogado pode pronunciar-se, desde que previamente autorizado pelo presidente do conselho distrital competente, neste caso o de Lisboa. Apenas é dispensada essa autorização se a imagem do cliente ou do advogado estiver a ser atacada em directo na comunicação social.
Esta terça-feira o Supremo Tribunal de Justiça recusou apreciar o terceiro pedido para a libertação urgente do ex-primeiro-ministro Sócrates, considerando que o autor do habeas corpus, José Domingos da Silva Sousa, "não tinha interesse legítimo em agir".
Em princípio, o habeas corpus pode ser pedido por qualquer cidadão. Contudo, o juiz-conselheiro (e ex-procurador geral da República) José Souto Moura, relator do pedido, sustentou no seu despacho que esta possibilidade deve ser interpretada de forma restritiva. “Na verdade, o direito em causa só deverá ser atribuído a qualquer cidadão, se não houver uma manifestação de vontade esclarecida e livre do único beneficiário da providência, o arguido privado da liberdade, no sentido de não estar interessado na apreciação, de um concreto requerimento de habeas corpus apresentado à sua revelia”, sublinhou o juiz.
Por isso mesmo, Souto Moura mandou notificar o advogado de Sócrates para se pronunciar se era ou não do seu interesse a apreciação deste habeas corpus. João Araújo respondeu ao Supremo “não ver interesse na apreciação desta petição” e justificou porquê. O indeferimento de mais um habeas corpus pode criar “nos cidadãos a errónea convicção de a legalidade da prisão preventiva aparecer confirmada por esse Supremo”.
Souto Moura faz questão de realçar que esta leitura está em consonância com o pensamento do juiz Santos Carvalho, que preside à 5.ª Secção (uma das duas com competência criminal existentes no Supremo), no que parece ser uma tentativa de fechar a porta a novos habeas corpus feitos à revelia da defesa do antigo governante.
Também esta terça-feira, João Araújo anunciou que vai recorrer da recusa ao pedido de José Sócrates para dar entrevistas no estabelecimento prisional de Évora, onde esta terça-feira foi visitado pelo presidente do FC Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa. A visita ocorreu num ambiente de tranquilidade, numa prisão que ainda na segunda-feira assistiu a um protesto - ainda que ordeiro - dos reclusos, ao qual Sócrates aderiu.
A maioria dos reclusos recusou-se a jantar para contestar a rigidez no controlo dos contactos telefónicos com as família e os advogados (cinco minutos por dia). A inexistência de visitas íntimas naquela cadeia e o incómodo causado pela avaria de uma máquina de secar a roupa foram outros motivos de protesto. O Ministério da Justiça informou que o equipamento já está a ser reparado.
Sobre a recusa das entrevistas, o advogado do ex-primeiro-ministro diz que a decisão é “ilegal” e “juridicamente absurda”, adiantando que Sócrates, tanto quanto lhe for possível, “não [a] acatará”. “Essa decisão é ilegal por acrescentar à medida da prisão preventiva outra restrição à liberdade que a lei e a Constituição não prevêem”, diz num comunicado, prometendo que a decisão “será vigorosamente impugnada por todos os meios processuais disponíveis e em todas as jurisdições; e será impugnada, no que ela representa de ataque à cidadania”. E acrescenta ainda: “Fica patente que a decisão de condenar o meu constituinte à prisão foi tomada não só para investigar mas também para o calar. Por isso, também é ilegal”.