No dia seguinte ninguém emigrou
Precisamos de uma agenda de investimento público que relance a economia e assuma o compromisso primordial de trazer de volta os “bons rapazes” que voluntariamente convidámos a sair
Imaginemos um país. Imaginemos um país fora da centralidade da europa dos “grandes”, com uma democracia jovem e que viveu outros tantos anos sob a custódia de um regime ditatorial. Imaginemos, pois, esse mesmo país com um défice estrutural de qualificações da sua população, com várias gerações a ser impedidas de se qualificar, sem perspetiva, mesmo que utópica, de extravaso de estrato social.
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Imaginemos um país. Imaginemos um país fora da centralidade da europa dos “grandes”, com uma democracia jovem e que viveu outros tantos anos sob a custódia de um regime ditatorial. Imaginemos, pois, esse mesmo país com um défice estrutural de qualificações da sua população, com várias gerações a ser impedidas de se qualificar, sem perspetiva, mesmo que utópica, de extravaso de estrato social.
Imaginemos um país com importantes défices estruturais na economia, com uma forte dependência energética do exterior e com um tecido empresarial assente em mão de obra intensiva, pouco mecanizado e de baixa incorporação tecnológica. Imaginemos, então, que este país foi capaz de criar pacificamente um regime democrático, capaz de abandonar os paradigmas do passado e de construir um conjunto de valores para o futuro assente num modelo de Estado Providência e de solidariedade intergeracional.
Imaginemos, agora, que as gerações impedidas de se qualificar deram lugar à geração mais qualificada de sempre. Imaginemos os “novos jovens” a serem reconhecidos pela excelência da sua formação, pela capacidade de inovar e de acrescentar valor ao tecido empresarial ou a serem referências nas áreas sociais.
Imaginemos, porém, 128 mil habitantes desse país a emigrar todos os anos e a deixar para trás o sonho de fazer mais pelo seu país e de construir o seu futuro junto daqueles que lhe são próximos. A deixar de lado a sua cultura, o seu saber, as suas tradições, para embarcar numa nova diáspora - maioritariamente forçada -, mas sem a esperança de um retorno anunciado.
Vamos parar de imaginar.
Portugal precisa de potenciar o desenvolvimento, apostando em novas áreas estratégicas e incorporando o conhecimento dos jovens quadros que produz. Precisamos de uma agenda de investimento público que relance a economia e assuma o compromisso primordial de trazer de volta os “bons rapazes” que voluntariamente convidámos a sair. Esses mesmos jovens que outros países – os nossos irmãos europeus –, a coberto da ditadura do mercado souberam incorporar no seu tecido produtivo. Jovens, na generalidade dos casos, amplamente qualificados, pelos quais não gastaram um cêntimo na sua formação e de quem recebem o retorno que outro país – o nosso - realizou.
Este é o denominador comum da emigração jovem de hoje: um país de gente extraordinariamente capaz, que foi convencida pelo seu próprio Governo - aquele a quem em primeira instância compete zelar pelo bem comum - que dar o seu contributo para outro país é uma oportunidade. Será de facto uma oportunidade, mas será de antemão uma oportunidade perdida de Portugal.
Digo “de antemão”, porque a fatalidade na emigração não está na saída dos jovens do nosso país, mas a jusante, na incapacidade de criarmos condições para que no futuro sejamos capaz de os atrair e de aproveitar as mais-valias da sua experiencia. Este aspeto é um (dos muitos) erros estratégicos do Orçamento de Estado de 2015 que, centrando-se em tributações e taxações, relegou para segundo plano uma agenda de crescimento onde deveria estar patente a ambição de “resgatar” aqueles que saíram do nosso país, para que, fazendo uso do seu conhecimento e experiencia, possamos construir um Portugal de futuro.
Fazendo hoje este caminho, poderemos dizer, numa analogia com José Saramago, no dia seguinte ninguém emigrou.