“Quem é que em Portugal não confiava em Ricardo Salgado?”
José Manuel Espírito Santo Silva assumiu culpas e pediu “desculpas institucionais”. Manuel Fernando, seu primo, usou quase todas as variações da expressão “eu não sabia”.
Manuel Fernando Espírito Santo, o mais velho dos filhos da principal accionista do GES, Maria do Carmo Moniz Galvão, foi o presidente não-executivo da Rioforte (e, antes, da Espírito Santo Resources), a sociedade que juntava os negócios extra-bancários do grupo, que iam do turismo à saúde. Chegou à comissão parlamentar de inquérito acompanhado, por um advogado, e nitidamente receoso. Usou a técnica que, certo dia (21 de Março de 1973), o presidente norte-americano Richard Nixon sugeriu ao seu chefe de gabinete, HR Haldeman, quando este estava em vias de ser chamado à mais célebre das comissões de inquérito, a que investigou o escândalo Watergate: “Não te passe pela cabeça dizer outra coisa que não ‘eu não me lembro’, ou ‘não me recordo’ ou ‘não posso dar uma resposta honesta porque não tenho memória’.” Haldeman assim fez, para desespero dos senadores, e até dos apoiantes de Nixon, que não se salvaria dos efeitos políticos da investigação.
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Manuel Fernando Espírito Santo, o mais velho dos filhos da principal accionista do GES, Maria do Carmo Moniz Galvão, foi o presidente não-executivo da Rioforte (e, antes, da Espírito Santo Resources), a sociedade que juntava os negócios extra-bancários do grupo, que iam do turismo à saúde. Chegou à comissão parlamentar de inquérito acompanhado, por um advogado, e nitidamente receoso. Usou a técnica que, certo dia (21 de Março de 1973), o presidente norte-americano Richard Nixon sugeriu ao seu chefe de gabinete, HR Haldeman, quando este estava em vias de ser chamado à mais célebre das comissões de inquérito, a que investigou o escândalo Watergate: “Não te passe pela cabeça dizer outra coisa que não ‘eu não me lembro’, ou ‘não me recordo’ ou ‘não posso dar uma resposta honesta porque não tenho memória’.” Haldeman assim fez, para desespero dos senadores, e até dos apoiantes de Nixon, que não se salvaria dos efeitos políticos da investigação.
Manuel Fernando Espírito Santo Silva usou a mesma técnica, com todos os deputados que o inquiriram. Para Teresa Anjinho, do CDS: “Eu não sei. Isso tem de perguntar ao BES”. Para Miguel Tiago, do PCP: “Não me recordo [se o economista-chefe do BES, em 2011, era Miguel Frasquilho]”. Para Filipe Neto Brandão, do PS: “Eu não acompanhava as operações do BES Angola.” Para Pedro Saraiva, do PSD: "Não sabia que o passivo tinha sido omitido ou que não estava todo reflectido nas contas”. Para Mariana Mortágua, do BE: “Quem eram os credores? Não sei…”
Este membro do Conselho Superior do GES admitiu nesta terça-feira, no Parlamento, que assinou muitos documentos “na base da confiança” e que desconhecia a situação do grupo, que entrou em colapso: “Não sou um financeiro, nunca fui membro dos Conselhos de Administração do BES, da Espírito Santo Financial Group e da Rioforte.”
Quando os problemas começaram a revelar-se, Manuel Fernando Espírito Santo mostrou-se empenhado na sua resolução: “Acreditei e comprometi-me na reestruturação.” Aliás, já em 2014, revelou aos deputados, contraiu um empréstimo de “três milhões de euros”, para comprar acções da Espírito Santo Control (ESC), a holding familiar que detinha o poder final no GES: “Dei como garantia a minha casa.”
Ricardo Salgado “mereceu sempre a plena confiança da família, porque era um membro sénior da família, era competente e experiente e sempre fora capaz de ultrapassar todas as dificuldades que foram surgindo.”
Por isso, apenas três pessoas geriam as contas de todo o grupo, passando por cima das responsabilidades de todos os outros administradores e gestores: “O grupo tinha uma tesouraria central: Ricardo Salgado e José Castella, com o apoio de Machado da Cruz [o contabilista].”
A mesma frase, ou quase, foi repetida, já de tarde, por outro líder dos cinco ramos da família, José Manuel Espírito Santo Silva.
“Quero a verdade sobre este caso com o qual eu não convivo bem”, admitiu. "As minhas primeiras palavras são para os clientes, investidores e colaboradores que confiaram na marca Espírito Santo. Embora não remedeie as suas perdas e sofrimento, lamento o que sucedeu." Foi nestes termos que o ex-administrador executivo do BES no Conselho Superior do GES, começou por responder ao deputado do PSD Carlos Abreu Amorim. E adiantou que "uma coisa são as responsabilidades individuais a serem apuradas” (“eu assumo as minhas”) e “outra coisa são as responsabilidades institucionais”: “E institucionalmente as minhas primeiras palavras vão para essas pessoas que mais sofreram com tudo isso. Merecem um pedido de desculpa. É o meu dever."
“Todos nós no BES aceitávamos a liderança do dr. Ricardo Salgado e não havia uma gestão centralizada”, defendeu José Manuel Espírito Santo, evidenciando “não existir ninguém dentro do BES que conhecesse ao detalhe o que lá se passava, desde os cartões de crédito, à área de crédito, como o dr. Salgado. Era um trabalhador incansável, com uma capacidade de trabalho extraordinária. E eu admiro-o por isso.” Afinal, questionou, “quem é que em Portugal não confiava em Ricardo Salgado?…” Na sala, os dois deputados do PCP puseram o dedo no ar. O depoente soltou uma gargalhada.
O ex-gestor do BES evoca que Machado da Cruz lhe contou que saiu do GES a pedido, designadamente, de Ricardo Salgado (este disse que Machado da Cruz saiu por sua livre iniciativa), e admitiu "que talvez" tivesse ouvido dizer que o pedido de demissão se destinasse a proteger o contabilista. “Estou muito contente pelo dr. Machado da Cruz vir aqui depor a esta comissão.”
"Não vou dizer que era fulano ou sicrano [o responsável pela manipulação das contas da ESI]. Haverá uma combinação das pessoas que estavam responsáveis pela tesouraria do grupo", mas não vou dizer que "foram eles os responsáveis". José Manuel Espírito Santo observou ainda que o ex-contabilista do BES nunca lhe mencionou "que as contas não estavam correctas”. "Presumo que Machado da Cruz não tenha decidido por conta própria", afirmou.