A ciência da felicidade vs. autoajuda, "coaching" e afins: uma clarificação
A ciência da felicidade já tem mais de trinta anos de existência e todos os resultados que vai produzindo são obtidos com o rigor, a seriedade, o cepticismo, a verificação e o espírito crítico próprios da ciência
Apesar da temática da felicidade ter estado entregue, durante centenas de anos, a toda a gente menos aos cientistas, a viragem do séc. XX para o séc. XXI trouxe uma importante novidade: o estudo científico da felicidade.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Apesar da temática da felicidade ter estado entregue, durante centenas de anos, a toda a gente menos aos cientistas, a viragem do séc. XX para o séc. XXI trouxe uma importante novidade: o estudo científico da felicidade.
A ciência da felicidade, repartida pela psicologia, pela economia, pela sociologia, pela antropologia ou pela medicina (nomeadamente pela neurologia e pela psiquiatria) é ciência, ponto. Por isso, difere das tradicionais abordagens sobre felicidade e usa metodologias que nada têm a ver com a autoajuda, o "coaching" ou a programação neurolinguística. É que todas essas técnicas são heurísticas (muitas delas com forte potencial viral) que carecem de validação científica. É que não basta as pessoas que as praticam acreditarem nelas e na sua eficácia. Para que tivessem validade científica, teriam que passar por um processo complexo de investigação, escrutínio, contraditório e avaliação objectiva dos resultados, algo que ainda não sucedeu.
A investigação académica que está a ser feita (em grande quantidade, qualidade e velocidade) sobre a felicidade individual e colectiva está a utilizar as metodologias científicas tradicionais. E a grande diferença entre uma abordagem científica e uma não científica reside no rigor, na robustez das conclusões, na constante prestação de contas e na revisão das teorias. Qualquer teoria, para ser aceite pela comunidade científica, tem que passar pelo crivo e análise de muita gente (outros cientistas) e tem que demonstrar que funciona (à comunidade académica e à sociedade).
A partir do momento em que existe a ciência da felicidade, é muito importante fazer-se esta distinção, para permitir às pessoas perceberem que falar sobre felicidade não é “tudo a mesma coisa”. Os adeptos do coaching e da autoajuda poderão ficar um pouco decepcionados com a ciência da felicidade, na medida em que ela não tem o discurso categórico e enleante a que estão habituados. Quanto aos cépticos da felicidade, poderão descobrir (e transformar surpresa em satisfação) que há uma forma rigorosa e objetiva de falar sobre o assunto: a ciência da felicidade.
A ciência da felicidade já tem mais de trinta anos de existência e todos os resultados que vai produzindo são obtidos com o rigor, a seriedade, o cepticismo, a verificação e o espírito crítico próprios da ciência. E isso tem que ser tranquilizador para os que reconhecem a vital importância da ciência na evolução e no progresso da sociedade.
Para os adeptos do coaching e da autoajuda, aconselho a encararem a existência da ciência da felicidade de uma forma positiva: é que podem aprender muito com ela e até encontrarem validação científica para algumas das técnicas que já usam.
O que aqui digo tem um propósito fundamental de clarificação. Sobre felicidade, fala, escreve, opina e discursa quem quiser (de uma forma leiga, intuitiva ou subjectiva). Sobre a ciência da felicidade, só os respectivos cientistas têm competência e autoridade para tal.