Sonda Roseta já mostrou que a água na Terra não veio dos cometas

As assinaturas da água do cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko e da Terra afinal não são iguais. Assim, terão sido os asteróides que chocaram com o nosso planeta há muito tempo a trazer a água dos oceanos.

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O cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko, que está a ser orbitado pela sonda Roseta ESA

Um dos instrumentos da Roseta analisou a composição da água do cometa, mostrando agora que a sua assinatura é muito diferente da assinatura da água da Terra, e invalidando os cometas como a fonte principal da água do nosso planeta, segundo um artigo divulgado ontem pela revista Science.

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Um dos instrumentos da Roseta analisou a composição da água do cometa, mostrando agora que a sua assinatura é muito diferente da assinatura da água da Terra, e invalidando os cometas como a fonte principal da água do nosso planeta, segundo um artigo divulgado ontem pela revista Science.

“Os modelos mostram que a Terra era muito quente durante a sua formação, por isso provavelmente não restou nenhuma da água”, disse Kathrin Altwegg, da Universidade de Berna, na Suíça, líder da equipa que fez o estudo. “Mas hoje temos muita água na Terra. E isso é possível graças ao grande bombardeamento tardio. Por isso, a questão o que é que trouxe esta água? Foram os cometas ou outra coisa?”, disse a investigadora numa conferência de imprensa da Science

Para encontrar o “culpado”, analisou-se a assinatura da água, que é formada por duas moléculas de hidrogénio e uma de oxigénio. Mas o átomo de hidrogénio pode ter variações, os isótopos. Na Terra, mais de 99,8% dos átomos de hidrogénio são formados por um protão e um electrão. Mas há dois outros isótopos mais raros: o deutério, que tem um protão, um neutrão e um electrão; e o trítio, ainda mais raro, com um protão, dois neutrões e um electrão.

Por isso, algumas moléculas de água, em vez de dois átomos de hidrogénio, têm um de deutério e outro de hidrogénio. A proporção de moléculas de água com deutério dá uma assinatura característica da água na Terra. A assinatura não é igual em todos os lugares do sistema solar.

Nos locais mais longínquos do sistema solar, para lá dos planetas e onde a temperatura é bastante baixa, as leis da química tornam mais fácil formarem-se moléculas de água que incluem átomos de deutério, aumentando assim a sua proporção. Sabe-se também que noutros planetas do sistema solar, a proporção de água com deutério é ainda menor do que na Terra. Por isso, a nossa água terá de ter vindo de locais distantes.

Hoje, há cometas da nuvem de Oort, que fica nos confins do sistema solar, há cometas na cintura de Kuiper, mais perto de nós, mas para lá de Neptuno. Há ainda asteróides na órbita de Júpiter, chamados de troianos, e há ainda a conhecida cintura de asteróides entre Marte e Júpiter. Em conjunto, todos estes objectos deverão uma pequena parte do que existia inicialmente no sistema solar.

A Terra formou-se há 4600 milhões de anos. E pensa-se que uma mudança nas órbitas dos planetas gasosos gigantes atirou um número impressionante de pequenos objectos, situados inicialmente para lá das órbitas dos planetas, para o interior do sistema solar. Isto terá causado o bombardeamento tardio, entre há 4000 e 3800 milhões de anos. Depois, a situação acalmou e o sistema solar foi ganhando a disposição actual.

Partindo das populações de objectos que se conhecem hoje, os cientistas tentaram nas últimas décadas identificar os objectos que atingiram então a Terra. Análises anteriores a cometas originais da nuvem de Oort mostraram que estes não podem ter sido a população que bombardeou a Terra, já que têm uma proporção de água com deutério superior à terrestre. Por outro lado, análises a meteoritos, resultantes da colisão de asteróides com a Terra, tinham uma assinatura da água semelhante à da Terra.

Mas nos últimos três anos, análises a dois cometas da cintura de Kuiper mostraram uma assinatura da água semelhante à da Terra, reavivando assim a possibilidade de os cometas serem os “pais” dos oceanos terrestres.

Agora, o cometa 67P, onde está a sonda Roseta, tem uma órbita entre Júpiter e um ponto entre Marte e a Terra, mas é oriundo da cintura de Kuiper. Por isso, este objecto poderia confirmar esta última hipótese.

Os estudos basearam-se nas medições feitas pelo ROSINA, um dos instrumentos da Roseta, composto por dois espectrómetros de massa capazes de analisar a rarefeita atmosfera do cometa e de calcular a proporção de deutério na água do cometa. Mas os resultados do ROSINA são o contrário do esperado.

“A proporção de deutério é alta”, disse Kathrin Altwegg ao PÚBLICO. “Mesmo partindo do pressuposto de que a cintura de Kuiper tem uma mistura de [corpos] com diferentes rácios de deutério/hidrogénio, estes resultados não são compatíveis com a água terrestre.” 

Apesar de no artigo da Science a equipa voltar a apontar para os asteróides como a fonte de água da Terra, a cientista defende que o que se passou durante o bombardeamento terá sido mais complexo. “A Terra poderá ter mantido alguma da sua água original, e poderá ter recebido [água] dos asteróides, dos cometas da nuvem de Oort e da cintura de Kuiper e talvez de pequenos reservatórios de objectos como os troianos”, propôs a investigadora. “Provavelmente, houve muito mais migração [de objectos] no início do sistema solar.”

Notícia corrigida às 11h24: a Terra tem 4600 milhões de anos e não 5600 milhões de anos como anteriormente tinha sido escrito.