Um ano de performance na vida de Shia LaBeouf - e a sua violação
“Não é preciso um aviso na parede a dizer ‘Não assassinem o artista’”, dizem agora os colaboradores do actor. Doze meses cheios de casos ou uma longa tentativa de reconstrução de uma persona pública e de uma carreira?
Shia LaBeouf não é um actor fácil de enquadrar (e de gostar, como assinalam a jornalista norte-americana Lindy West ou a revista Atlantic) no seu último ano. A criança-actor tornada estrela de blockbusters com três filmes Transformers e com o papel do filho de Indiana Jones em O Reino da Caveira de Cristal passou dos dois volumes de Ninfomaníaca (2013), de Lars von Trier, a uma situação aparentemente instável aos olhos do grande público – e dos paparazzi na voraz cultura de celebridades do século das redes sociais. Um esgotamento público ou uma gigantesca performance a fazer lembrar o longo prelúdio de Joaquin Phoenix para o mockumentary I’m Still Here (2010)?
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Shia LaBeouf não é um actor fácil de enquadrar (e de gostar, como assinalam a jornalista norte-americana Lindy West ou a revista Atlantic) no seu último ano. A criança-actor tornada estrela de blockbusters com três filmes Transformers e com o papel do filho de Indiana Jones em O Reino da Caveira de Cristal passou dos dois volumes de Ninfomaníaca (2013), de Lars von Trier, a uma situação aparentemente instável aos olhos do grande público – e dos paparazzi na voraz cultura de celebridades do século das redes sociais. Um esgotamento público ou uma gigantesca performance a fazer lembrar o longo prelúdio de Joaquin Phoenix para o mockumentary I’m Still Here (2010)?
Foi em Fevereiro deste ano que a performance #IAMSORRY nasceu em Los Angeles com a colaboração da finlandesa Nastja Säde Rönkkö e do britânico Luke Turner. E foi durante essa peça na Cohen Gallery, que durou sete dias, que o actor disse em Novembro, em entrevista à revista britânica Dazed, ter sido violado por uma espectadora enquanto o namorado da mesma aguardava do outro lado da porta que mantinha a sala fechada. Lá dentro estava LaBeouf com o saco de papel com furos na zona dos olhos em que se lia “Já não sou famoso”, sentado em silêncio frente a quem o quisesse visitar e com ele interagir. Tal como a muito conhecida peça da artista Marina Abramovic The Artist is Present (2010) em que esta se colocou frente a quisesse queira partilhar o espaço e o tempo com ela, abdicando do controlo em prol do público - algo que levou longe em 1974 com Rhythm O, em que o público podia manipular até o seu corpo com armas.
“Para mim é muito interessante que o mundo de Hollywood tenha querido voltar à performance”, disse na altura Abramovic ao site Vulture sobre a peça de LaBeouf. “Talvez precisem da nossa experiência; talvez precisem de simplicidade; talvez precisem de estar ligados ao público directo.”
#IAMSORRY foi uma espécie de penitência pública que, admitem os artistas ao jornal britânico, ganhou uma nova camada de significado com a alegada violação do actor - que diz ter sido chicoteado (na antecâmara da sala onde estava LaBeouf encontravam-se objectos relacionados com o actor, como uma tijela cheia de tweets críticos sobre o plágio, um boneco de Transformers ou um chicote alusivo a Indiana Jones) nas pernas durante dez minutos e depois despido e violado. Parte da performance era o silêncio do actor, que o terá mantido durante e depois do acto de que terá sido alvo. Um segurança estava à porta da galeria Cohen e, segundo os dois artistas contaram ao Guardian, um grupo de outros seguranças que terão sido contratados pela equipa do actor estava no exterior.
Depois de Rönkkö e Turner terem confirmado a versão de LaBeouf no Twitter, reagindo em particular a questões do jornalista e apresentador da CNN Piers Morgan (uma das vozes públicas mais audíveis sobre o caso, questionando a veracidade do ataque e dizendo que as alegações de LaBeouf eram “patéticas” e que diminuem “as verdadeiras vítimas de violação”), detalharam sábado ao Guardian o que viram e como enquadram o caso.
Tudo faz parte, dizem agora Nastja Säde Rönkkö (29 anos) e Luke Turner (32 anos), de um trabalho no âmbito da teoria "metamodernista" que subscrevem e que dita que “tem de ser um papel da arte explorar a promessa do seu próprio excesso paradoxal no que diz respeito à presença”, definindo-se “como a condição volátil entre e para além da ironia e sinceridade, ingenuidade e conhecimento, relativismo e verdade, optimismo e dúvida”.
De volta a Los Angeles e à galeria, Nastja Säde Rönkkö estava na sala dos objectos e depois passava para uma terceira sala por onde deveria sair o membro do público após o seu tempo (sem limite) com o actor. “Não conseguia ver Shia”, diz Rönkkö ao Guardian, depois de ter dito com Turner no Twitter que “assim que soubemos do início do incidente, pusemos-lhe fim e assegurámo-nos de que a mulher tinha saído”. “Por que é que deixaram a ‘violadora’ de Shia LaBeouf simplesmente ir embora?”, perguntou Piers Morgan de seguida, a 30 de Novembro. “Na altura não foi claro exactamente o que tinha acontecido e a primeira prioridade foi assegurar a segurança de todos na galeria. Ela saiu a correr em vez de simplesmente andar”, respondeu Turner no Twitter.
Ao Guardian, frisam que não havia regras de conduta explícitas na galeria mas Turner diz: “Acho que não é preciso um aviso na parede a dizer ‘Não assassinem o artista’”. Questionados sobre a reacção pública às palavras de Shia LaBeouf e sobre como um ano a trabalhar em performances podia justificar as dúvidas quanto às suas declarações, Luke Turner sublinha: “Isto não é uma crítica pós-moderna”. “Isto não é manipulado de forma alguma. É uma busca sincera, genuína de algo significativo.” E Rönkkö reflecte sobre “o que escreveriam se Shia fosse uma mulher. Espero que tudo isto gere conversas importantes”, diz sobre o estigma que envolve a violação no masculino.
A entrevista com a jornalista da Dazed decorreu por email e a revelação de LaBeouf foi espontânea, em resposta a uma pergunta sobre se alguma experiência na performance o marcara. Houve uma segunda parte da entrevista, que decorreu presencialmente mas uma vez mais em silêncio. A jornalista e LaBeouf tinham câmaras GoPro na cabeça e filmaram-se mutuamente em silêncio durante uma hora. O resultado está online e chama-se #INTERVIEW. No âmbito dessa “busca sincera” plasmada no site thecampaignbook.com, no último ano LaBeouf e outros artistas correram a maratona silenciosamente em torno do museu Stedelijk de Amesterdão (lá dentro decorria uma conferência de 12 horas sobre arte) – foi a peça #metamaratohn; noutra, o actor salta à corda durante cerca de uma hora para um vídeo que depois outros vêem enquanto saltam à corda – Meditation For Narcissists.
O plágio
Tudo começou com a curta-metragem Howard Cantour.com (2012), realizada por LaBeouf. “Fiz uma curta-metragem com as ideias de outra pessoa, levei-a Cannes e nunca o creditei devidamente”, admitiu Shia LaBeouf na mesma entrevista à revista Dazed. Foi depois desse plágio do trabalho do multipremiado autor de novelas gráficas e argumentista Daniel Clowes (Ghost World, The Death Ray), amplamente discutido nas redes sociais e na imprensa depois de ter sido descoberto em meados de Dezembro de 2013, que começou o que os média receberam como uma série de comportamentos invulgares do actor.
A 31 de Dezembro de 2013, LaBeouf pede desculpas a Clowes escrevendo no céu de Los Angeles, com ajuda de um avião, “Desculpa Daniel Clowes”. No Twitter, reconheceu o plágio usando desculpas apresentadas por outras celebridades em situações de aperto. Anunciou que se ia retirar da vida pública repetindo em mais de 20 tweets “Já não sou famoso”. Em Fevereiro deste ano, na conferência de imprensa de Ninfomaníaca no Festival de Berlim, respondeu a uma pergunta directa sobre o filme com uma declaração enigmática do futebolista Eric Cantona a que este tinha recorrido para reagir ao polémico pontapé dado a um espectador na Liga inglesa em 1995: "Quando as gaivotas seguem a traineira, é porque pensam que se vão atirar sardinhas ao mar. Muito obrigado." Mais tarde, apresentou-se na passadeira vermelha com um saco de papel enfiado na cabeça em que se lia: “Já não sou famoso”. Agora, a conferência de imprensa e o seu inseparável saco de papel estão, em formato vídeo do YouTube, em thecampaignbook.com sob o título I am not famous anymore.
O actor, escritor e artista James Franco, que já colaborou com Abramovic, escreveu sobre LaBeouf nas páginas de opinião do New York Times em Fevereiro, dizendo nada saber sobre as motivações do colega e esperando que os seus actos fossem para “uma peça de performance art, uma em que um jovem numa profissão muito pública tenta reclamar a sua persona pública”. Para Franco, Shia LaBeouf tenta “instigar um frenesim de comentários que desencadeia um loop de feedback: agir de maneira invulgar, seguindo-se publicidade negativa, seguindo-se mais actos invulgares em resposta a essa publicidade, seguindo-se mais publicidade e assim sucessivamente”. James Franco considerou que isto é uma forma de “crítica, uma forma de fazer frente aos média permitindo que as suas respostas sobredimensionadas a actos essencialmente triviais revelem o vazio da sua razão de ser… só espero que ele tenha o cuidado de não esgotar toda a boa vontade que granjeou como actor para nos mostrar que é um artista”.
Contudo, o projecto nascido em Janeiro depois de um primeiro contacto entre Turner e o actor via Twitter, como contou o artista ao diário britânico, não tinha como foco directamente a cultura de celebridade actual. O objectivo era explorar como as pessoas usam as suas interacções com as estrelas nas redes sociais para se promover e o papel das redes na construção dessa celebridade.
Meses mais tarde, em Junho, LaBeouf estava em Nova Iorque a assistir a Cabaret na Broadway e terá dado palmadas a espectadores. Acabou detido depois deste caso, um de vários incidentes mais ou menos provocatórios que protagonizou em público como tentar roubar um saco de fast food a um mendigo ou tentar provocar rixas. Os seus representantes anunciaram o início de um tratamento para o alcoolismo e em Setembro começa o projecto Metamarathon. A entrevista, diz Turner, “é claramente ele a tentar recuperar o seu sentido de representação, ou alma, [das mãos] dos média”. Para o artista, a longa conversa por email é um vislumbre da viagem de LaBeouf como “um artista como uma atleta estético… construindo-se a partir de um lugar genuinamente escuro e curando-se a partir da arte e de ligações empáticas”.
Entretanto, Shia LaBeouf fez (e promoveu) Fury, com Brad Pitt, e está a filmar Man Down, previsto para 2015.