Olha para ti

Nas redes sociais, tens medo que se esqueçam de ti. Por isso mostras o que não tem relevância, partilhas clichés vazios que nunca foram teus e deixas-te seguir na corrente como peixe que nunca soube nadar

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John Ragai/FLICKR

Olha bem para ti. Nasceste perto de um século onde a velocidade da evolução tecnológica é maior que aquela que as tuas pernas conseguem comportar. Não acompanhas, corres atrás e de tudo fazes para parecer mais. O mais “in”, o mais “cool”, o mais tudo. Aparentas e aparentas. Mas, na realidade, o que és?

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Olha bem para ti. Nasceste perto de um século onde a velocidade da evolução tecnológica é maior que aquela que as tuas pernas conseguem comportar. Não acompanhas, corres atrás e de tudo fazes para parecer mais. O mais “in”, o mais “cool”, o mais tudo. Aparentas e aparentas. Mas, na realidade, o que és?

Admite-o. És um subordinado bem comportado da ditadura dos ecrãs. Deslocas-te a um ritmo supersónico, com a dose certa de sofreguidão, na direcção de um telefone, de um computador ou de qualquer outra coisa que te ligue a uma rede que nada mais é que uma ilusão. Perdeste a capacidade de olhar o horizonte – a não ser que uma fotografia do mar te faça parecer o ser mais profundo da tua comunidade. Já mal sabes o que é a beleza da paisagem porque a corcunda te impede de contemplar a distância daqui até ao vazio.

Tens pressa. Estugas-te a caminho sabe-se lá de quê. Nos teus ouvidos, há música ultra- produzida cuspida de um equipamento caro que compraste há dias. Na rua, há quem dedilhe uma guitarra. Mas não tens tempo para ouvir coisas genuínas, por isso deitas ao artista um ar sobranceiro pelo canto do olho, como se fosses tu o dono dos teus comandos.

Espiolhas chorrilhos de fotografias, vives vidas que não são a tua e acabas por perder o domínio que deverias possuir sobre os teus dias. Afogas-te em informação. Lês todo o lixo desconexo que te aparece pela frente, tornas-te desconfiado e idólatra em igual medida, com puro recurso às indicações da intuição. Os factos de pouco valem, és (ou estás) descrente do sistema. Mas acreditas no que bem te apetece, sem critério. Por causa do que os telejornais te dizem até já perdeste a inocência de brincar com crianças que não conheces, não vá alguém entregar o teu gesto caridoso a um polícia qualquer.

Nas redes sociais, tens medo que se esqueçam de ti. Por isso mostras o que não tem relevância, partilhas clichés vazios que nunca foram teus e deixas-te seguir na corrente como peixe que nunca soube nadar.

És contraditório. Deixas-te levar pela imagem de um pobre cachorro abandonado mas cedes sempre à vergonha de estender a mão ao desconhecido que chora, ao teu lado. Estás embrutecido pela azáfama dos teus próprios dias, esquecendo-te num registo perene de que, à tua volta, há carne igual à tua, sangue igual ao teu. E, mesmo assim, entregas-te demasiado aos corpos distantes porque temes apaixonar-te pelos espíritos que te querem ser próximos. Até ao dia em que, eventualmente, o online te oferece alguma coisa que realmente querias para a tua vida fora dos ecrãs, seja uma conversa improvável num café ou uns olhos verdes que nunca antes havias conhecido.

Neste espirro da História em que tiveste a pouca sorte de nascer, olha para ti. Olha para nós. Virtualmente felizes, realmente desorientados.