Ritmo de subida do nível do mar em Portugal duplicou desde 2000

Relatório encomendado pelo Governo aponta duas respostas prioritárias para enfrentar o impacto das alterações climáticas e da erosão costeira: alimentação artificial das praias e recuo das casas construídas em zonas de risco.

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Na Costa da Caparica, as praias dependem de alimentação artificial de areias Enric Vives-Rubio

Estes são dois elementos que constam do relatório de uma comissão nomeada pelo Governo para, mais uma vez, avaliar o que o país precisa para evitar ou enfrentar os problemas de erosão que afectam gravemente vários pontos da costa.

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Estes são dois elementos que constam do relatório de uma comissão nomeada pelo Governo para, mais uma vez, avaliar o que o país precisa para evitar ou enfrentar os problemas de erosão que afectam gravemente vários pontos da costa.

O relatório, ainda numa versão preliminar, faz uma análise detalhada dos pontos críticos do litoral e diz que só para repor em circulação a areia que faz falta à costa serão necessários 221 milhões de euros nos próximos seis anos e 734 milhões até 2050.

A falta de sedimentos, sobretudo devido à sua retenção nas barragens, combina-se com a subida do nível do mar numa fórmula perfeita para a erosão costeira. Segundo o relatório, o nível do mar medido em Cascais aumentou 4,1 milímetros por ano entre 2000 e 2013. A taxa é superior à observada nas duas décadas anteriores, que foi de 2,1 milímetros por ano. Ao longo de quase todo o século XX, o aumento foi de 1,9 milímetros por ano, embora tenha havido pelo menos um curto período, entre 1920 e 1930, com valores semelhantes aos actuais.


Para tentar travar o avanço do mar e repor os sedimentos que vão desaparecendo da costa, o Governo gastou nos últimos 20 anos 196 milhões de euros, dos quais 52% foram utilizados em obras pesadas, como esporões. As obras ligeiras, como a alimentação artificial das praias e o reforço das dunas, representam 38% deste investimento e apenas 8% foi gasto em intervenções nas arribas.

“O aumento de investimentos na mobilização de sedimentos insere-se ainda em políticas muito reactivas”, criticam os autores do relatório coordenado pelo professor Filipe Duarte Santos, da Universidade de Lisboa, autor de diversos trabalhos sobre os impactos das alterações climáticas em Portugal.

O documento comprova essa ideia ao sobrepor o investimento no litoral ao número de temporais registados ao longo do tempo. Os anos em que mais se gastou dinheiro em obras de protecção foram 2014 e 2009, quando ocorreram mais temporais com ondas superiores a sete metros.

Para o sobe e desce dos investimentos também contribuíram alterações administrativas, a disponibilidade de verbas comunitárias e estratégias falhadas, como o Programa Finisterra, de 2004, um dos muitos planos para o litoral e que, neste caso, praticamente não teve concretização financeira. “A evolução dos investimentos de protecção tem sido determinada pelas conjunturas político-administrativas e pela reactividade aos estragos provocados pelos temporais mais gravosos”, consideram os autores.

A maioria das medidas sugeridas no relatório não é novidade. Muitas constam de planos anteriores. É o caso da Estratégia para a Gestão Integrada da Zona Costeira, de 2009, que reconhece a necessidade de considerar as alterações climáticas na gestão costeira e define mesmo 16 medidas para promover a adaptação do litoral. “Contudo, muito pouco se fez desde então ao nível da administração central e local em termos de planeamento efectivo de medidas de adaptação para as zonas costeiras de Portugal”, concluem os especialistas, que consideram este desfecho “decepcionante”.

No documento, que o ministro do Ambiente deverá apresentar em breve, é feito um diagnóstico do litoral de norte a sul do território continental, no qual são apontados os pontos mais críticos em termos de risco de galgamento e inundação. As zonas a sul de Espinho e da Figueira da Foz e a Costa da Caparica são as mais preocupantes. “Praticamente já não existem praias ou pelo menos é mais difícil a sua fixação”, refere o relatório. Isto acontece em Paramos, Esmoriz, Furadouro-Sul, Costa Nova-Sul, Vagueira, Cova-Gala e toda a Costa da Caparica.

A equipa aponta a ineficácia das obras ditas pesadas – como paredões ou esporões – para fixar sedimentos e alerta para a “falsa ideia” de que este tipo de intervenções permite continuar a construir naquelas zonas. “É imperioso passar a mensagem de que se um aglomerado está defendido por uma obra costeira, tal significa que essa frente urbana já esteve ameaçada e voltará a ser ameaçada no futuro, provavelmente gerando situações ainda mais adversas”, refere. Até porque o risco tende a crescer em cenários de subida do nível do mar.

Perante isto, o relatório defende que sejam consideradas duas estratégias que são, nalguns casos, complementares: por um lado, a redução da erosão por meio da alimentação artificial, e por outro a relocalização das habitações situadas em zonas de risco máximo.

Na primeira opção, as entidades portuárias terão um papel determinante em troços como o que vai de Caminha ao rio Douro. “Se as entidades portuárias a norte de Matosinhos repuserem sedimentos nas praias a sul, os volumes de sedimentos retirados anualmente ao sistema poderão ser suficientes para que o troço em causa recupere o equilíbrio sedimentar”, consideram os autores. O mesmo serve para o troço entre o Douro e o Cabo Mondego.

O recuo planeado de populações que vivem junto ao mar, uma matéria polémica, é visto pelos especialistas como “resposta prioritária”. Apesar de estarem previstas diversas demolições em vários planos de ordenamento, até agora apenas uma foi concluída, em S. Bartolomeu do Mar, Esposende. Nesta quarta-feira começou a demolição de 800 construções na Ria Formosa. O relatório recomenda que todas as acções planeadas sejam concretizadas.