Morreu Sá Carneiro, e então?
Deitada numa cama há várias horas, entre dores intermitentes e estranhas quando comparadas com o seu primeiro parto, testemunha um hospital em alvoroço, colado à rádio e ao arcaico aparelho de televisão
O dia era de chuva, cenário mais que provável no início de Dezembro. Dormira repleta de ansiedade, iria fazer a primeira ecografia para ver o seu “rapaz grande”, assim descrito pelo médico. No entanto, como sempre, o destino trocou-lhe os planos. Com as águas rebentadas durante a madrugada só teve tempo de voar para a maternidade da sua terra.
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O dia era de chuva, cenário mais que provável no início de Dezembro. Dormira repleta de ansiedade, iria fazer a primeira ecografia para ver o seu “rapaz grande”, assim descrito pelo médico. No entanto, como sempre, o destino trocou-lhe os planos. Com as águas rebentadas durante a madrugada só teve tempo de voar para a maternidade da sua terra.
Deitada numa cama há várias horas, entre dores intermitentes e estranhas quando comparadas com o seu primeiro parto, testemunha um hospital em alvoroço, colado à rádio e ao arcaico aparelho de televisão. “Sá Carneiro morreu, mulher”, esclareceu alguém que em resposta teve um gemido em jeito de “e? Estou aqui cheia de dores em alegado trabalho de parto”.
Dois dias depois, todas as personagens estavam bem mais calmas, mas as dúvidas dos dois lados permaneceram. Afinal foi acidente ou atentado? E o “bebé grande, nasce ou nem por isso?”. Eis que eu finalmente tive coragem e mergulhei neste mundo de parto normal, sem ouvir um único “ai” da minha mãe coragem. No imediato foi-lhe dito que afinal era uma menina pequenina e que havia outra lá dentro, “atravessada”.
“Não deixe morrer”, a resposta pronta de uma verdadeira mãe que entre dores, dúvidas, estranheza, pensou, apenas e só, na sua cria.
À falta de condições hospitalares rumámos todos de imediato de S. João da Madeira ao Porto. Eu, minúscula, ao colo do bombeiro, a minha mãe e irmã em grande perigo de vida. Ali a ignorância teve o papel principal. Três horas depois do meu nascimento e a mais de 30 kms, estava a minha mãe preparada para um cesariana quando a minha gémea sai de pés. “Sinal de felicidade” rematou de imediato uma enfermeira aliviada pelo final feliz.
Foram precisos quase 20 dias para termos alta, porque, à la lebre, quem vem à frente nem sempre vence. Precisei de incubar. Ainda hoje incubo sonhos, ideias e dúvidas. As mesmas que permanecem nos outros personagens desta história com 34 anos.