"Nunca tivemos a fotografia completa do que se passava no Grupo Espírito Santo e no BES"
O presidente do Eurofin, no centro de uma operação polémica com o BES, fala de “situação complexa” no universo Espírito Santo
A conversa com Alexandre Cadosch, que decorreu na sede da Eurofin, em Lausana, prolongou-se por cerca de quatro horas, e ficou marcada por muita tensão, recuos em continuar a dar a entrevista, saídas e reentradas na sala. Apesar de se expressar num português fluente, Cadosch recusou fazê-lo e falou sempre em francês com o argumento de que “estamos na Suíça”, de onde é natural.
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A conversa com Alexandre Cadosch, que decorreu na sede da Eurofin, em Lausana, prolongou-se por cerca de quatro horas, e ficou marcada por muita tensão, recuos em continuar a dar a entrevista, saídas e reentradas na sala. Apesar de se expressar num português fluente, Cadosch recusou fazê-lo e falou sempre em francês com o argumento de que “estamos na Suíça”, de onde é natural.
Aparentando ter cerca de 60 anos [não enviou os seus dados pessoais, nem o curriculum ao PÚBLICO], o ex-quadro do GES até 1999, defende que a sua empresa está a ser vítima de um processo de intenções por parte da comunicação social. E lembra que o Eurofin é um “pequeno” intermediário financeiro, cuja dimensão não é comparável nem à do GES/BES, nem à do Crédit Suisse, que considera, aliás, o grande fornecedor de serviços complexos das empresas Espírito Santo. Lamenta os danos de imagem que o Eurofin está a sofrer por aparecer, do seu ponto de vista, erradamente, no centro da polémica e confirma ter sido “visitado” pelo Banco de Portugal, mas não por outras autoridades.
Admite ter questionado algumas operações solicitadas por entidades da esfera de Ricardo Salgado, nomeadamente a relacionada com um suposto “saco azul” de 300 milhões que poder ter servido para pagar despesas não documentadas, um tema que Cadosch considera só poder ser explicado pelo grupo liderado pelo ex-banqueiro.
PÚBLICO – Declarou recentemente à imprensa internacional que a comunicação social, no que respeita à relação do Eurofin com o GES-BES estava a concentrar as atenções no alvo errado. O que quis dizer?
Alexandre Cadosch - Que existe uma diferença de dimensão entre as instituições envolvidas nas operações em causa. O BES, o GES ou o Crédit Suisse [que funcionava como barriga de aluguer de veículos para operações envolvendo dívida do grupo] têm uma enorme importância, enquanto o Eurofin é uma pequena instituição prestadora de serviços que nunca colocou os produtos directamente junto dos clientes sejam particulares ou institucionais.
Desconhecia o sentido e a natureza das operações que lhe eram pedidas?
É preciso não esquecer que os órgãos dirigentes do BES e do GES não nos comunicam o que fazem, quais os seus objectivos e quais os seus parceiros. E nunca tivemos a fotografia completa quer das operações em estivemos envolvidos, quer do que se passava no GES e no BES. Para quem está fora dos órgãos de gestão do grupo Espírito Santo, um conglomerado com muitos interesses, extensões a muitos países e posições em empresas, torna-se muito difícil ter a compreensão completa do que se passa. A situação é complexa.
Ficou surpreendido quando o grupo Espírito Santo colapsou?
Completamente. E se bem que soubesse das dificuldades da economia portuguesa, que podem estar na origem dessa situação, a verdade é que o banco e o grupo sempre ultrapassaram os momentos difíceis. E o aumento de capital do BES [mil milhões] de Maio e Junho [2014] teve grande sucesso. E deu a indicação de que os problemas não teriam a dimensão que posteriormente se veio a verificar.
O aumento der capital foi validado por dois grandes bancos internacionais, o Morgan Stanley e a UBS…
... e esse envolvimento deu confiança aos investidores e aos fornecedores de serviços do grupo. E o êxito do aumento de capital deu confiança na capacidade do GES e do BES reforçarem os seus fundos próprios. E havia ainda a expectativa da Rioforte vir a elevar o capital. Acreditámos que se estavam a bater para resolver os seus problemas.
O grupo Eurofin tem aparecido como a “caixa negra” de Ricardo Salgado, pois, assumindo-se como independente [Eurofin], possibilitou ao GES e ao BES, ao longo de anos, esconderem prejuízos e perdas. O que tem a dizer sobre isto?
Que o Eurofin não possuía a compreensão do enquadramento, não possuía a fotografia do quadro completo que levou ao colapso para poder aceitar essa afirmação. O assunto é mais complexo do que diz.
Quando se fala de um conglomerado financeiro internacional há transacções importantes que envolvem várias entidades jurídicas [ Portugal, Suíça, Luxemburgo, EUA/Miami, Panamá, Venezuela, Ilhas Caimão] com graus e níveis de fiscalizações diferentes. Não se podem tirar conclusões tão rápidas.
Como é que explica, então, que em 2013, a ESI se tenha endividado, ainda mais, junto dos clientes do BES para transferir largas centenas de milhões de euros, cerca de 800 milhões, para o Eurofin?
Repito: não tinha a compreensão sobre a forma com a ESI gerou os seus activos, nem sobre a reduzida capacidade financeira da ESI.
Não estranhou o valor da operação?
Para o Eurofin, uma operação de 800 milhões é normal. O montante não era estranho, dada a dimensão e a solidez do GES e do BES. E desconhecíamos os contornos globais da operação.
O que está a dizer é que o GES-BES movimentava habitualmente, através da Eurofin, valores daquela ordem?
No mundo financeiro, e no quadro de um conglomerado financeiro, como era o GES, estes valores embora significativos, são normais.
Consegue explicar por que razão o Eurofin se prestou a ser contraparte para desmantelar 800 milhões de euros do BES, que tiveram de ser provisionais para depois o GES poder pagar, sabe-se agora que de forma irregular, as dívidas relacionadas com a ESI?
Deve colocar essa questão ao BES. Só eles [antiga gestão do GES e do BES] podem responder. Só eles é que controlavam o racional das operações, nós não. Nunca tivemos a fotografia global do que se estava a passar.
Qual era então o circuito de ligação do Eurofin com GES e o BES?
Havia um trabalho institucional, sem contacto com os clientes privados ou institucionais.
Parece surpreendido com o facto de o Eurofin estar no centro da tempestade?
Claro!
Mas segundo a auditora KPMG, semanas antes do banco ser intervencionado, o Eurofin intermediou um conjunto de transacções que terão permitido desviar 780 milhões de euros do BES para pagar dívidas do GES…
Noto, mais uma vez, que a operação era do GES e do BES e nós eramos apenas prestadores de serviço. E não compreendemos o seu racional. Por que a queriam realizar naquele momento? Não sabíamos.
E não questionou o que levava o GES/BES a avançar com a operação?
Sim. E foram feitas perguntas, mas nem sempre recebemos todos os elementos ou apenas nos foram dadas informações parciais. Não tínhamos a fotografia geral. O tema é muito complexo.
O PÚBLICO já noticiou que o Eurofin recebia verbas do GES e do BES que canalizava para um veículo suíço o ES Enterprise que, se suspeita, ter servido nos últimos anos para distribuir verbas não documentadas, de cerca de 300 milhões de euros, por várias entidades, dentro e fora do grupo. Pode comentar?
Não é exacto. De novo estamos num universo complexo, de um conglomerado financeiro, cuja acção era do domínio da gestão do GES e do BES. As transacções financeiras de um conglomerado financeiro, como era o caso, são, por vezes, dificilmente compreensíveis.
Nunca se questionou para que servia esse suposto saco azul do GES/BES?
Sim. Mas de novo terão de ser eles a explicar.
Quem eram os seus interlocutores no GES e no BES?
Os quadros do GES e do BES de acordo com os serviços que nos pediam. Mas não quero nomear nomes, havia uma relação institucional…
Conhece Ricardo Salgado desde quando?
Há muito tempo, dado que trabalhei durante 10 anos no GES, até 2000. E ao longo da minha actividade profissional encontrei pessoas da família e quadros do grupo.
A sua relação com Ricardo Salgado não era de proximidade?
Era exclusivamente profissional.
E com os outros membros da família?
Também.
Nos últimos tempos, tem falado com Ricardo Salgado ou com outros quadros ou ex-quadros?
Não, já não há motivo. A relação foi sempre institucional.
Uma das dúvidas que se tem levantado é saber se o Eurofin era, ou não, uma extensão do GES com quadros recrutados da sua esfera…
Não é verdade. Não há quadros no Eurofin que tenham passado pelo GES, nem colaboradores. O Eurofin tem uma estrutura accionista independente do GES. Mas há uma relação comercial e de negócio importante com o GES. O GES saiu do capital do Eurofin [onde detinha 23%] em 2008.
Como é que explica que a posição que o GES possuía nas holdings do grupo Queiroz Pereira, na Cimigeste e Sodim, fosse detida por uma sociedade Eurofin?
O Eurofin não tem participações, apenas presta serviços.
As acções estavam no Eurofin, mas não pertenciam ao Eurofin?
Não. Essas participações não eram detidas pelo Eurofin, mas por fundos de investimento.
Que pertenciam a quem?
É do domínio do segredo profissional.
Qual foi e é o impacto das falências do GES e do BES no Eurofin?
Sobretudo tem sido de imagem, e foi tem sido muito importante, pela cobertura dada ao tema pela imprensa. E no mundo financeiro a reputação é importante.
A imprensa internacional já noticiou ter havido, por parte do Eurofin, um pedido de liquidação?
Não é verdade. Apenas, uma sociedade do grupo que tinha a relação com o GES e o BES, e deixou de ter, está em liquidação.
O PÚBLICO já noticiou que o Banco de Portugal esteve recentemente na Suíça para receber os seus esclarecimentos sobre o envolvimento do Eurofin no dossier GES-BES. Confirma?
Sim, e apenas fomos contactados pelo BdP.
E pela CMVM?
Não.
O senhor, ou alguém da sua empresa, já foi ouvido pelo Ministério Público português?
Também não.
As autoridades luxemburguesas ou suíças já vos chamaram?
Não.
Conhece bem Portugal. Como olha para o que se está a passar com os vários processos judiciais em curso, em especial, o envolvendo o grupo e alguns membros da família Espírito Santo?
Com tristeza. Mas os portugueses devem ser os primeiros a sentir-se assim. Não? Hoje todos procuramos compreender o que se passou.