Vítor Bento: "Foi-me dito que havia a possibilidade de acesso à linha de recapitalização"
Ex-presidente do BES acreditou que havia um caminho de recuperação do segundo maior banco privado. E conta uma história sobre o papel de Maria Luís Albuquerque nos dias antes da "resolução" bastante diferente da versão que a ministra deu aos deputados.
Na sua declaração inicial na comissão de inquérito parlamentar ao colapso e à gestão do BES, Vítor Bento afirmou que quando foi convidado por Ricardo Salgado para liderar o BES lhe foi dito pelo BdP que o banco estava com problemas, nomeadamente, os relacionados com a ligação ao BESA, e que, caso fosse necessário, estava disponível a linha de recapitalização pública da troika.
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Na sua declaração inicial na comissão de inquérito parlamentar ao colapso e à gestão do BES, Vítor Bento afirmou que quando foi convidado por Ricardo Salgado para liderar o BES lhe foi dito pelo BdP que o banco estava com problemas, nomeadamente, os relacionados com a ligação ao BESA, e que, caso fosse necessário, estava disponível a linha de recapitalização pública da troika.
Este facto levou-o a acreditar que havia um caminho de recuperação do segundo maior banco privado. A entrada antecipada em funções de Vítor Bento, a 14 de Julho, a pedido do BdP, revelou que o banco estava numa situação mais degradada do que aquela que lhe fora comunicada por Ricardo Salgado e por Carlos Costa e que a exposição do BES ao BESA estava descontrolada. Contudo, o então presidente teve de imediato a noção de que seria necessário realizar novo aumento de capital, mas não sabia em que termos. O economista admitiu que "houve frustração de expectativas". E notou que a capitalização privada leva tempo, respondendo assim à imposição por parte do BdP a 30 de Julho para que recapitalizasse o BES em 48 horas.
Bento contou "que não teve qualquer conhecimento sobre a preparação da medida de resolução, pelas autoridades, antes de 1 de Agosto". E que foi, por essa razão, que não informou a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) sobre esse assunto. "Eu não tenho de concordar ou deixar de concordar [com a solução adoptada no BES]", disse Vítor Bento, mas no momento em que lhe foi comunicada a aplicação da medida de resolução, e que haveria uma divisão entre banco bom e banco mau, "não estava familiarizado com o processo de resolução e nunca tinha pensado que ele seria aplicado". Como a lei da resolução, que define que o banco é de transição, permite que a venda se faça em cinco anos, "eu actuei num horizonte a cinco anos [o plano de resolução prevê dois anos prorrogáveis até cinco]".
Questionado pela deputada do CDS-PP Cecília Meireles se houve "um mal-entendido", como defendeu na Assembleia da República Carlos Costa, que disse que o prazo definido para vender o Novo Banco era de dois anos e que Bento entendeu que seria de cinco anos, o economista não respondeu.
Sobre a decisão do Novo Banco na assembleia-geral que reviu os termos da fusão PT-OI, Vítor Bento declarou que "não manda nas empresas quem quer mas quem ocupa os órgãos de governo". Mas sobre a decisão da PT, o economista informou que a administração do Novo Banco "ponderou as possíveis alternativas de voto". "O voto a favor era a menos pior de todas as alternativas, se me perdoar o pontapé na gramática. E era a que melhor se conformava com os objectivos do Novo Banco. O voto do Novo Banco foi irrelevante para o resultado final – 98,25% dos votos accionistas presentes aprovaram a revisão dos termos da fusão. O Novo Banco representava menos de 22% dos votos na assembleia. A aprovação da proposta era recomendada pelas consultoras. A decisão fundamental já havia sido tomada anteriormente e era praticamente irreversível", disse.
Justificações para a saída
Bento adiantou que Carlos Costa lhe disse "que Angola poderia ser um problema", mas "desde auditores a reguladores ninguém exigiu" a constituição de provisões e o então presidente constatou que "não era um problema". E houve um comunicado do BdP a afirmar que a exposição ao BESA não era um problema.
O economista adiantou que ficou com a noção de que a resolução era uma capitalização pública intermediada pelo fundo de resolução e que seria possível procurar uma base de capital estável para o banco. "No dia seguinte soubemos pelos advogados que não era assim. Face a esta informação, comunicámos a 2 de Agosto que não estávamos disponíveis para ficar." Carlos Costa insistiu junto dos três gestores do BES, Bento, José Honório e Moreira Rato, para aceitarem manter-se em funções mas com o compromisso que o BdP fizesse uma alteração à lei da resolução para garantir "mais tempo" para a venda do Novo Banco e que a solução previsse a dispersão em bolsa do capital da nova instituição.
"Ninguém resolve de um dia para o outro uma insuficiência de capital. Durante a crise financeira de 2008-2009 houve muitos bancos que funcionaram durante algum tempo com capital insuficiente." Bento lembra que a sua "função era preservar o banco no futuro", o passado não era tarefa sua.
Segundo Vítor Bento, a solução fundo de resolução nunca esteve em cima da mesa. "Sempre trabalhei com a convicção de que haveria uma recapitalização pública", voltou a afirmar Bento para quem, "nunca me passou pela cabeça que a via do fundo de resolução fosse uma alternativa. Nunca tinha pensado que o processo de resolução seria aplicado." Bento explica "que não tomou parte nesta solução".
"Uma das lições que temos de tirar deste caso, e de outros, é que a qualidade da governance é muito importante. Se tiver de dar algum conselho é tornar mais eficaz a governance das empresas. E a governance passa pelas pessoas e pelas regras da governance". E a falta de ética, traduz "uma sociedade complacente", avaliou.
Vítor Bento sublinhou: "Só percebi de forma definitiva que não havia hipótese [do BES] de aceder à linha de recapitalização quando foi aplicada a medida de resolução. Eu estava convencido que havia uma articulação entre o Governo e o BdP sobre a possibilidade de aceder à linha de recapitalização."
"O BdP disse-me que questões que envolvessem o Estado teriam de ser tratadas com o Governo". E na reunião com a ministra das Finanças, o então presidente do BES manifestou que seria "importante haver uma declaração de participação pública no BES", mas "fiquei com a impressão de que não havia vontade" e "com a convicção de que esse cenário não era possível."
Não há contradição mas "memórias diferentes"
À pergunta do PS sobre que "entidades mostraram interesse no Novo Banco e se a Goldman Sachs foi um deles", Bento respondeu: "Tanto quanto eu me lembro, a Goldman Sachs nunca manifestou interesse em tomar posição no banco. Já fundos de investimento (private equities) manifestaram interesse."
Vítor Bento acrescentou: "Não tive informação sobre o que desencadeou o processo de resolução" ao BES anunciado a 3 de Agosto. E evocou que na sexta-feira anterior, 1 de Agosto, estava numa reunião com os colaboradores, quando recebeu uma informação de que a "negociação em bolsa das acções [do BES] tinha sido interrompida e que ia haver novas informações".
Vítor Bento nega que exista uma contradição entre a sua versão dos factos e a de Maria Luís Albuquerque. Chega a avançar uma explicação – "memórias diferentes" – para responder à dúvida dos deputados. Pediu ou não, o ex-líder do BES uma recapitalização pública do banco ao Governo? E foi-lhe, ou não, negada? Vítor Bento sugere que sim, a ministra garantiu que não. "O facto de haver dois relatos não exactamente coincidentes não significa que os dois relatos sejam contraditórios."
Bento garante nunca ter assinado qualquer contrato de gestão quando assumiu a liderança do BES, contrariando o aviso do advogado: "Quando aceitei ir para o BES foi para ficar um conjunto de anos para o recuperar, não para sair no dia seguinte." O advogado "aconselhou-nos [a Bento, Honório e Moreira Rato] a não entrar no BES sem assinar antes um contrato de gestão, mas optámos por o fazer face" à situação de urgência. Concluiu: "Não há contrato nenhum, nunca foi assinado nada, e não há garantia de que o draft que por aí circula seja sequer verdadeiro."
Foi a equipa de Bento que alertou "o BdP para as operações [Eurofin]" que estão no centro da polémica e que obrigaram o BES a constituir uma provisão de 1200 milhões de euros que ajudou a deteriorar os resultados. Estas operações, diz, não eram desconhecidas das autoridades, o que era desconhecido "era a perda que ia ser diluída ao longo de 40 anos".