O Projecto Troika foi mais forte do que a troika
Oito fotojornalistas e um realizador juntaram-se num projecto ambicioso que pretendia retratar Portugal sob o domínio da troika internacional. A Revista 2acompanhou cada passo do caminho.
Em Janeiro de 2014, o Projecto Troika apresentou-se ao país, com o objectivo de criar um livro e um DVD que mostrassem o Portugal dos anos em que esteve sob o controlo da troika internacional. Por essa altura, já a Revista 2 acompanhava os oito fotojornalistas e o realizador envolvidos no projecto e a sua tentativa, nem sempre fácil, de pôr de pé a obra que será lançada em Dezembro e que os nove autores queriam ver construída totalmente à custa do crowdfunding. Para os fotojornalistas Adriano Miranda, António Pedrosa, Bruno Simões Castanheira, José Carlos Carvalho, Lara Jacinto, Paulo Pimenta, Rodrigo Cabrita, Vasco Célio e o realizador Pedro Neves houve altos e baixos, momentos de desânimo e outros de alegria, enquanto o país continuava a atravessar as convulsões da crise económica. Houve dúvidas, muitas dúvidas, sobre se o trabalho que andavam a fazer há mais de um ano iria, de facto, concretizar-se. Mas, no final, o país sob a alçada da troika, foi capaz de pôr de pé o Projecto Troika. O lançamento do livro e do DVD está marcado para o dia 12, no edifício AXA, no Porto, e no dia 13, na Fábrica do Braço da Prata, em Lisboa. E tudo aconteceu assim:
Domingo, 15 de Setembro de 2013
Maceira, Leiria — Casa dos pais de Lara Jacinto
Participam Lara Jacinto, António Pedrosa, José Carlos Carvalho, Paulo Pimenta e Pedro Neves
No jardim da casa de Lara Jacinto é tempo de tomar decisões. A ideia de criar o Projecto Troika nascera na cabeça de Adriano Miranda uns meses antes. O fotojornalista do PÚBLICO pensou, então, desenvolvê-lo com o colega de secção, Paulo Pimenta, e com a freelancer Lara Jacinto. Mas os três perceberam que os efeitos da troika e da crise em Portugal eram demasiado vastos para caberem nas câmaras de apenas três pessoas e, assim, o grupo foi alargado até incluir António Pedrosa (freelancer), Bruno Simões Castanheira (freelancer), José Carlos Carvalho (Visão), Rodrigo Cabrita (i), Vasco Célio (freelancer) e o realizador Pedro Neves. Agora, chegou a hora de desenhar como é que tudo será posto de pé. Por pouco não havia quórum. Nem sempre é fácil juntar pessoas com horários díspares e que vivem em zonas tão diferentes do país — Lara, Paulo, António e Pedro, no Porto, Adriano, em Aveiro, José Carlos, Rodrigo e Bruno, em Lisboa, e Vasco, em Loulé. Naquele domingo, com o sol a aquecer o jardim onde decorre quase todo o dia de trabalho, só cinco dos nove participantes estão presentes, mas há muita burocracia para resolver e decide-se logo bem cedo que o dia não há-de acabar sem que muita coisa fique definida.
Lara abre o computador e conduz a reunião. No final de uma semana em que o ano escolar arrancou com as dúvidas do costume sobre colocação de professores (mas nada que se compare ao que há-de acontecer dali a um ano), em que a social-democrata Manuela Ferreira Leite acusou o Governo dirigido pelo seu partido de um comportamento “profundamente imoral”, por causa do anúncio do corte de 10% nas pensões acima dos 600 euros, e em que relatórios internacionais apontavam Portugal como um dos países onde a pobreza não parava de aumentar, os membros do Projecto Troika acertam o modelo que irá gerir todo o seu trabalho.
Primeiro, o site do projecto, que já está a ser construído. Lara mostra aos colegas o que está feito. É ali que está centrada a recolha de fundos. É através do site que os cidadãos poderão colaborar financeiramente, ficar a conhecer os autores e o desenrolar dos projectos de cada um. “Gosto desta mistura, de texto e imagens”, diz José Carlos Carvalho, enquanto se entretém com um chupa-chupa. As questões vão surgindo em catadupa. Que fotos deverão alimentar o site? Imagens tiradas para o projecto ou outras, que com ele se relacionem mas que não terão, claramente, lugar no livro? Será melhor constituírem-se numa associação? Senão, em que conta bancária irão cair os donativos? O que se vai oferecer a quem quiser participar no projecto? E haverá donativos que cheguem?
“O que eu gostava mesmo de fazer era acompanhar-vos enquanto vão fotografar, mas não me parece muito viável sem orçamento… É pena, porque já não mostrávamos só a troika, mas um olhar sobre ela”, diz Pedro Neves, o cineasta do grupo. Os outros brincam. “Pode acontecer um milagre”, diz Lara. “O dinheiro que vamos conseguir é por aqui, pelo site, um a um”, diz António Pedrosa. “Ninguém nos vai apoiar”, sintetiza José Carlos Carvalho.
Fica decidido que a contribuição popular será a única forma de financiamento do projecto. O site tem de ser lançado, as pessoas têm de perceber o que está a ser construído e apostarem no trabalho dos nove envolvidos. Discute-se muito o que se vai oferecer e por que valor, mas, finalmente, surge um plano: quem oferecer um euro receberá um “obrigado”, por cinco euros, terá um postal em casa, por 20 ou 25 euros (tudo vai depender do orçamento que ainda é preciso pedir aos designers) adquire-se o livro e por 150 euros receberá o livro e uma fotografia impressa em grande formato.
Repetindo o modelo que se há-de afirmar em todas as reuniões que vão seguir-se a esta, grande parte do dia é gasto a discutir questões burocráticas ou técnicas. A apresentação dos trabalhos que já estão em curso é a última coisa na agenda. Lara mostra, a contragosto, as poucas fotografias que já tirou e que poderão vir a integrar o projecto. “Já fotografei alguma coisa, mas nada que eu diga: é isto que quero”, explica, enquanto no ecrã do computador surge a imagem de um homem e a barraca a desfazer-se em que vive, contra um céu azul electrizante.
António Pedrosa não começou ainda a fotografar. José Carlos Carvalho coloca várias imagens alinhadas, no chão, mostrando gente sozinha. Ele diz a Lara: “Deu-me uma imensa ajuda quando me disseste para optar pelo [Portugal] ‘parado’ em vez do ‘cabisbaixo’ com que eu queria avançar.” Paulo Pimenta parece já ter o trabalho pronto — mas ele garante que não, que ainda falta muito. Mostra várias imagens, algumas soltas, outras já organizadas em pares, com imagens de pobreza de um lado e títulos de jornais alusivos à crise do outro. Partilham-se opiniões, extravasam-se dúvidas, mas o trabalho está a andar.
Aponta-se 30 de Novembro como o dia em que será lançado o site, para que haja tempo para o livro sair em meados de 2014. “E se houver segundo resgaste?”, pergunta José Carlos Carvalho. “Não podemos estar presos a isso”, responde Lara. “Então é o primeiro resgate e acabou”, decide Carvalho.
Domingo, 1 de Dezembro de 2013
Porto — Casa de António Pedrosa
Participam todos os envolvidos no Projecto Troika
Coisa rara: todos os participantes no Projecto estão na mesma sala, no Porto. O último a chegar é o vizinho da frente de António Pedrosa, Pedro Neves. E, se calhar por estarem todos juntos, surgem dúvidas sobre o nome. Será que o termo “troika” não irá repelir as pessoas? As opiniões dividem-se, mas há demasiados assuntos em cima da mesa para perder tempo com a questão: nasceuProjecto Troika, fica Projecto Troika.
Um mês e meio depois da reunião em Leiria, os elementos do projecto constituem-se, finalmente, em associação. A Duelo do Silêncio — Associação Cultural nasceu. São eleitos os órgãos (há um lugar para todos) e Lara é apontada unanimemente como presidente.
O site ainda não foi apresentado, ainda não começou o processo de espera, a ver se o dinheiro aparece, mas já se fotografa e filma. Dias depois de os professores se terem mobilizado contra a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, de os polícias em protesto terem derrubado grades e subido as escadas da Assembleia da República e de o país inteiro ter assistido ao drama dos despedimentos nos Estaleiros de Viana do Castelo, as imagens do projecto que José Carlos Carvalho descreveu como querendo “mostrar o que é o país hoje” voltam a ser mostradas.
Adriano Miranda está ansioso por revelar, pela primeira vez, o conjunto de nus que constituem Os Despidos, o nome que deu à sua participação. Pede para ser o primeiro. “Estou com necessidade de mostrar isto, porque não tenho mostrado a ninguém. Quero que vocês me critiquem. Isto está a ser superdifícil”, diz. A primeira imagem é a de um homem despido, sentado no capot do seu Mercedes negro. Uma fotografia que se há-de espalhar pela Internet e ganhar vida própria, depois de ter sido publicada no site do projecto, de tal forma que Adriano desiste de a usar no livro, acabando por fazer um novo retrato ao mesmo homem. “Quase todos os retratos foram feitos a pessoas que não conhecia e, com essas, está a ser agradável, porque nem penso no nu, estou à vontade. As pessoas têm alguma militância contra a troika e acham a ideia engraçada”, diz.
Desta vez, Lara, Bruno, António e Vasco não têm imagens para mostrar. Mas o grupo vê, também pela primeira vez, o que Rodrigo Cabrita tem andado a fazer. Ele levou um texto para o encontro, que fala do congelamento de reformas, do corte de pensões, da sobretaxa do IRS, do aumento de impostos e das rendas, do desemprego dos mais velhos e do desemprego dos filhos destes. O seu trabalho está centrado nos mais velhos. “É uma máquina do tempo ao futuro sombrio que não queremos para nós”, diz.
Surgem então os pedaços de vida dos velhos que Rodrigo andou a captar nos últimos meses. Que recolhem coisas nas ruas, que se vão alimentar a associações, que tomam banho em bacias de plástico, que protestam e se manifestam, que se deixam cuidar, porque já não o podem fazer sozinhos. “Não pretendo que as imagens contem a história daquela pessoa, quero que elas contem alguma coisa colectivamente”, diz, no final da apresentação, perante os colegas, que ficam em silêncio.
José Carlos Carvalho e Paulo Pimenta mostram a evolução do trabalho que já tinham apresentado em Leiria. No final, Adriano Miranda, que também participou no livro 12.12.12, um outro projecto fotográfico sobre a crise, diz que quer que o Projecto Troika seja mais duro. “Um murro no estômago.” E hoje, garante, viu ali imagens que lhe deram esse murro no estômago.
Domingo, 9 de Março de 2014
Lisboa — Casa de Rodrigo Cabrita
Participam Rodrigo Cabrita, Adriano Miranda, António Pedrosa, José Carlos Carvalho, Lara Jacinto, Paulo Pimenta e, via Skype, Bruno Simões Castanheira e Vasco Célio
O site foi finalmente apresentado, em Janeiro e não em Novembro, e nos primeiros dias a visibilidade mediática dada à iniciativa fez com que o contador de apoio monetário ao Projecto Troika tivesse subido de forma vertiginosa. Mas, nas semanas seguintes, a entrada de dinheiro quase parou e ainda se está muito longe dos 15 mil euros necessários para a concretização do livro com o DVD de Pedro Neves.
Enquanto o país anda a braços com a admissão do Governo em reduzir as indemnizações por despedimentos e com as notícias que dão conta de que só em Janeiro mais de 50 mil crianças perderam o direito ao abono de família; enquanto as forças de segurança voltam a manifestar-se e se descobre que só ao Reino Unido chegaram mais de 30 mil portugueses, em 2013, os membros do Projecto Troika começam a temer que as coisas não corram bem.
Há um assunto delicado em cima da mesa. Uma seguradora mostrou-se interessada em patrocinar o projecto. “O que é que acham?”, pergunta-se. As opiniões dividem-se. Há muitos argumentos a favor e contra. Contra pesa, sobretudo, o facto de os nove participantes terem feito questão de apresentar o projecto como algo que seria feito exclusivamente com o apoio dos cidadãos. Ao PÚBLICO, aquando da apresentação do site, Adriano Miranda dissera: “Não quisemos apoios de fundações nem de empresas. Queremos que sejam as pessoas comuns a apoiar e a construir o projecto, se entenderem que vale a pena.” António Pedrosa agarra-se a este ponto para recusar qualquer patrocínio. A favor pesa o facto de a seguradora resolver o problema dos custos da edição do livro, num momento em que todos temem não conseguir os fundos necessários. Bruno Simões Castanheira admite que se ouça a proposta da empresa que quer envolver-se com o Projecto Troika. Os outros estão divididos, mas, no final, a balança pende para que não se aceite o apoio. Ainda que isso possa significar a morte do projecto, antes mesmo de ele nascer.
Domingo, 11 de Maio de 2014
Porto — Casa de Pedro Neves
Participam Pedro Neves, Adriano Miranda, António Pedrosa, José Carlos Carvalho, Lara Jacinto, Paulo Pimenta e Rodrigo Cabrita
Passaram dois meses desde a última reunião e a possibilidade de recorrer ao apoio de qualquer patrocinador institucional ou empresarial foi, definitivamente, afastada. Mas os receios de ver tudo ir por água abaixo são muitos. Até ao dia anterior só estava garantido 39% do valor necessário à edição do livro e do DVD. Será que vamos conseguir?, é a pergunta que parece apoderar-se da cabeça de todos. É que não é só o dinheiro que falta — os postais para quem contribuiu com cinco euros ainda não começaram a ser enviados, alguns dos trabalhos estão muito atrasados. A vontade inicial de ter tudo pronto em meados do ano já foi esquecida.
Dali a dias, a 17 de Maio, cumprem-se três anos desde que a troika entrou em Portugal, mas o fim da influência da crise sobre o país está longe de terminar. Ainda na semana anterior a OCDE (Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Económico) anunciara que a dívida portuguesa ia continuar a crescer, pelo menos, até 2015. Não há, por isso, razões para que os nove elementos do Projecto Troika temam que o adiamento por alguns meses do livro possa ser já desfasado da realidade. E isso é um ponto a favor do projecto, num período de tantas dúvidas.
Mas, neste domingo, há mais boas novidades. Os designers a quem entregaram a concepção do livro vão apresentar o primeiro layout da obra. Paulo Morgado e Ivo Pereira, da Gráficos Associados, chegam depois do almoço e as ideias que levam — desde a capa, “menos gráfica e mais manual”, como explicam, às páginas com tamanhos diferentes — agradam ao grupo. Além disso, a presença de uma primeira imagem do produto final parece tornar tudo mais real e os prazos saltam para o topo das conversas. É preciso fotografar, é preciso acabar. Quando é que todo o trabalho tem de estar pronto? “Finais de Julho”, sentenciam os designers.
Lara avisa logo que só em Agosto é que conseguirá ter tudo pronto. O seu trabalho mudou de rumo. Centrado na emigração, na partida, o conjunto de imagens que tem para mostrar aos colegas oscila entre os retratos e naturezas-mortas, imagens simbólicas de algo arrancado, partido. Todos elogiam a qualidade do trabalho, mas ela continua a mostrar uma insatisfação que, ironizam os outros, já lhe é natural. “Não estou a conseguir fazer o que queria. Espero que o resultado final seja melhor do que isto.”
O trabalho de José Carlos Carvalho também está prestes a sofrer uma grande reviravolta. Ele leva para o jardim de Pedro Neves as mesmas imagens que já mostrara das outras vezes, mas tem um conjunto completamente diferente de retratos de pessoas, carregando sacos de alimentos, parados num corredor amarelado, sob uma única lâmpada. “Quero decidir hoje, de uma vez por todas, para que lado é que vou. Portugal parado ou estes retratos?”, questiona. É o trabalho mais recente que acaba por sair vencedor.
Pedro Neves também já começou a filmar. O grupo assiste a um vídeo com duas histórias de dificuldades e pobreza. Histórias de pessoas que “nunca viveram acima das suas possibilidades”, diz ele. O filme há-de crescer de uma curta-metragem para uma obra com mais de 43 minutos, a que o realizador deu o nome Acima das Nossas Possibilidades. As personagens de Pedro Neves olham de frente para a câmara, quase como se posassem para uma fotografia, enquanto as suas vozes, em fundo, vão contando vidas de miséria e solidão. A meio do processo de filmagens, a braços com todas as histórias que lhe caíram em cima, Pedro já avisara: “Não me vou preocupar com a duração do filme. O que tiver terá.”
Quinta-feira, 10 de Julho de 2014
Montagem da exposição no edifício AXA, Porto
Participam António Pedrosa, Adriano Miranda, Paulo Pimenta e Pedro Neves
O tempo não pára e está na hora de o Projecto Troika saltar da Internet para as paredes do edifício AXA, no Porto. O público vai poder ver, pela primeira vez, uma amostra do que o colectivo tem andado a fazer, no último ano e meio. Cada um escolheu como quer expor. Adriano só escolheu uma foto, em grande formato. Rodrigo tem um conjunto de imagens tão pequenas que há uma lupa junto delas, para que o público as possa descodificar. Paulo optou por projectar as suas fotografias numa parede. Finalmente, vêem-se imagens de António Pedrosa (em torno dos jovens) e de Vasco Célio (sobre espaços abandonados). Pedro Neves tem uma sala especial, onde está montado um quarto com peças trazidas de uma hospedaria abandonada na Rua do Almada (e que foi o tema da última curta-metragem que ele realizou, Hospedaria). No piso da exposição há uma caixa para recolha de apoios, mas o valor que ali é depositado foi “irrelevante”, diria depois Adriano Miranda. Já a visibilidade conseguida e a reacção das pessoas foi “muito boa”, garante. O Projecto Troika acaba de ter o primeiro contacto com a rua.
Domingo, 5 de Outubro de 2014
Porto — Casa de António Pedrosa e casa de Pedro Neves
Participam António Pedrosa, Pedro Neves, Adriano Miranda, Bruno Simões Castanheira, José Carlos Carvalho, Lara Jacinto e Paulo Pimenta. Rodrigo Cabrita e Vasco Célio juntam-se ao grupo durante a tarde, via Skype
A 1 de Setembro, o Projecto Troika anunciara, na sua página de Facebook, que o objectivo estava cumprido. Os 15 mil euros já tinham sido alcançados. Mas o grupo não se resigna e quer mais. E uma exposição? Será que com mais um esforço se consegue chegar lá? O objectivo inicial não fora, também, poder levar o Projecto Troika a vários locais do país, como uma exposição itinerante?
Agora está quase e sente-se a aproximação do fim. Avança-se com a possibilidade de o lançamento acontecer a 5 ou 6 de Dezembro e essas datas estão mesmo ali à porta. Apesar de tudo o que ainda falta fazer… Ainda não se imprimiram os postais, é preciso enviar um rascunho da obra ao sociólogo convidado para escrever o prefácio, Boaventura de Sousa Santos. Quem ainda não terminou a produção do trabalho tem de o fazer agora, é preciso paginar, é preciso imprimir. E as páginas? As páginas são motivo de muita brincadeira. Há quem não precise dos planos que lhe são atribuídos, há quem queira muito mais do que aquilo a que teria direito. Tudo se resolve com a decisão de que o número de páginas atribuído a cada fotógrafo pode variar. Pedro Neves brinca, dizendo que está disposto a vender as páginas a que teria direito a quem oferecer mais por elas.
A dois meses do lançamento da obra, os trabalhos estão praticamente concluídos. Vasco Célio projecta no computador as imagens de um Algarve que não aparece nas promoções turísticas e que mostram paisagens de abandono. “Esta ausência de qualquer coisa, quer porque se abandonou, quer porque nunca se começou, quer porque alguém se esqueceu de que ali havia algo para ser feito, foi o que quis captar. Parece que está tudo por fazer, mas ninguém faz nada”, diz.
Adriano avisa que, apesar das dúvidas que teve nos últimos meses, decidiu publicar também as imagens das crianças despidas. “Não vou abdicar das fotografias dos miúdos. As crianças também estão a levar por tabela”, diz.
Rodrigo Cabrita e José Carlos Carvalho têm tudo pronto. As imagens duras, da velhice que não queremos, estão organizadas. Os 24 retratos de quem depende de uma associação para comer, também.
O trabalho de Paulo Pimenta também está praticamente pronto. O mais “político” de todos os trabalhos, como descrevera Adriano Miranda, uns dias antes, está organizado em dípticos, com as imagens de Pedro Passos Coelho, Paulo Portas ou José Sócrates a aparecerem lado a lado com cidadãos anónimos, a braços com a crise. Lara diz que continua “muito confusa” em relação ao produto final, apesar de todos os elogios dos colegas. Bruno tem tudo pronto. António Pedrosa diz que o trabalho do colega está “brutal”. E ele, António, também quer ouvir a opinião dos colegas.
Desde o início que quis fotografar os jovens e a forma como a crise os afectava, mas o tema acabou por não “encaixar” muito com ele, afirma. Para a mesa de Pedro Neves leva vários retratos e um conjunto de imagens que deixa os colegas entusiasmados. São jovens que saltam da ponte, mas que o fotojornalista captou sozinhos, no vazio, como se voassem ou caíssem do céu. As duas visões hão-de aparecer no livro, os jovens e Pedrosa encaixam, afinal.
12 e 13 de Dezembro de 2014
Quando estes dias chegarem, o projecto terminou. Ou está a começar? O Projecto Troika contou com o apoio de 600 pessoas. Da edição de mil livros, 512 já foram vendidos. Os autores enviaram 24 obrigados e 65 postais hão-de chegar às caixas dos correio de outras tantas pessoas. As impressões de alta qualidade serão feitas para 11 cidadãos que acreditaram no resultado do trabalho dos nove envolvidos, mesmo antes de o verem. As últimas semanas foram as mais difíceis de todo o processo, diz Adriano Miranda. A falta de dinheiro acabou por ditar a impossibilidade de se fazer uma exposição, mas desistir dessa ideia custou muito a alguns dos participantes. Por isso, no Porto, o livro será apresentado no AXA, com recurso a um trabalho multimédia, que irá projectar em quatro paredes, em simultâneo, várias imagens do projecto. Em Lisboa, na Fábrica do Braço da Prata, além deste trabalho, existirá também uma foto de cada um dos membros desta troika especial. Adriano, que sonhou o projecto, diz que o murro no estômago que pretendia está lá. Mas está tudo lá? “Faltam coisas, de certeza. Mas os trabalhos são muito diversos, ninguém se repetiu nos temas, por isso está lá muito”, diz. A rua será, agora, o caminho do Projecto Troika.