Sarkozy volta a ser presidente… mas não da República
A UMP deve voltar a ter Nicolas Sarkozy como líder. Mas em jogo está já quem será o candidato da direita francesa às presidenciais de 2017 – e Alain Juppé é um sério concorrente.
Alain Juppé, que nem sequer é candidato à liderança à UMP, é o maior obstáculo aos planos de Sarkozy. Com 69 anos, tornou-se no político de direita preferido dos franceses. E insiste na realização de eleições primárias para a escolha do candidato da UMP às presidenciais de 2017 — tal como estipulam os estatutos do partido, aprovados após o afastamento do ex-Presidente.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Alain Juppé, que nem sequer é candidato à liderança à UMP, é o maior obstáculo aos planos de Sarkozy. Com 69 anos, tornou-se no político de direita preferido dos franceses. E insiste na realização de eleições primárias para a escolha do candidato da UMP às presidenciais de 2017 — tal como estipulam os estatutos do partido, aprovados após o afastamento do ex-Presidente.
Sarkozy regressa aos 59 anos com a intenção expressa de “tudo mudar” para pôr o partido em ordem. Ao anunciar que se retirava da política, após a derrota nas presidenciais de 2012, ganhas por François Hollande, desencadeou uma batalha interna pelo poder que levou o partido à beira da ruptura. “Nos últimos dois anos, a UMP deu um espectáculo desolador de confrontos brutais. O meu primeiro desafio, se ganhar, será juntar a família [UMP] e esforçar-me para que as pequenas diferenças não se transformem numa montra de divisões”, afirmou Sarkozy, numa entrevista ao jornal de direita Le Figaro.
Mas vem com planos de regresso também ao Eliseu, sem grande paciência para se submeter à competição de umas primárias. E muito menos de as abrir aos centristas do MoDem de François Bayrou — considera ter sido “traído” por ele em 2012, pois na segunda volta das presidenciais recomendou aos seus eleitores que votassem em Hollande, face à campanha muito à direita conduzida pelo Presidente.
Só que Juppé, que se dá muito bem com Bayrou, insiste na abertura aos centristas. “Se a ideia for levar às urnas só os 175 mil militantes da UMP [com as quotas em dia] não vale a pena. A razão de ser das primárias é abri-las aos nossos parceiros do centro, para que haja apenas um candidato do nosso campo às presidenciais de 2017”, afirmou Juppé ao jornal regional Sud Oest. “A divisão pode fazer com que haja uma segunda volta [nas presidenciais] entre um candidato socialista e Marine Le Pen [líder da Frente Nacional, partido de extrema-direita]”.
Guerra e paz
Embora sem muito empenho, Sarkozy promete que realizará primárias abertas. Mas só “com um centro que tenha escolhido opor-se à esquerda sem ambiguidades e com clareza.”
Já Juppé promete “um conflito duro” se Sarkozy recusar as primárias. Por isso, o regresso do ex-Presidente à liderança da UMP pode não representar uma pacificação e sim uma nova agudização das guerras internas.
Sarkozy disse ao Figaro que “a ideia de uma guerra seria um suicídio”, mas aproveita todas as oportunidades para diminuir Juppé. A mais flagrante foi o episódio do último fim-de-semana, quando Juppé, convidado a discursar num comício de Sarkozy em Bordéus, a cidade de que é presidente da câmara, foi vaiado pelas cerca de 5000 pessoas presentes, quando falou na necessidade de realizar primárias abertas aos centristas. Mas a maioria do público não era sequer de Bórdeus: tinha sido transportado de outras terras, do País Basco e da Bretanha, em autocarros da campanha de Sarkozy, relataram os media franceses. Sarkozy disse que não tinha ouvido a vaia.
Dias depois, Sarkozy acabou por dizer ao “Figaro” que não podia ter feito nada: “Acredita que seria sensato interromper uma sala de 5000 pessoas que manifestavam o seu desacordo sincero e espontâneo com o orador?”
Para ultrapassar as primárias, Sarkozy gostaria de dar um carácter plebiscitário às eleições para a liderança da UMP, dizem os analistas. Isso aconteceria se tivesse mais de 80%. Vai nesse sentido a carta que enviou quinta-feira aos militantes, citada pela revista Le Point: “Quanto mais forte for a confiança que me expressarem, maior será a nossa capacidade de nos tornarmos a primeira formação política”, sublinha Sarkozy.
No entanto, as sondagens não indicam que a campanha do ex-Presidente esteja a correr bem: tem descido nas preferências dos eleitores. Um inquérito Harris Interactive de 24 de Novembro dava 57% a Sarkozy, 21% a Bruno Le Maire e 3% a Hervé Mariton (e 19% não votava em nenhum deles). Em 2004, Sarkozy foi eleito presidente da UMP com 85% dos votos dos militantes. Hoje, 45% dos franceses — não necessariamente da UMP — consideram que a melhor campanha é a de Le Maire.
Estes estudos de opinião, no entanto, não medem bem o que se poderá, sublinham as empresas de sondagens, porque se baseiam na consulta de simpatizantes e não de militantes da UMP, pois o partido não abre os seus ficheiros para as consultas.
Reescrevo, revogo…
O que a campanha está a revelar é um Sarkozy que insiste num do discurso muito à direita, como na campanha das presidenciais que perdeu, ao contrário de Juppé. E mostra também uma prontidão em adaptar o seu discurso consoante o público, de uma forma que está a indispor alguns dos seus apoiantes.
Um exemplo são as suas declarações sobre o “casamento para todos”, ou seja, a legislação que abriu o casamento aos homossexuais. Perante a plateia de uma organização contestatária desta lei, acedeu a dizer que a revogaria, quando estava a defender que seria preciso “reescrevê-la de fio a pavio” e dissertava sobre a possibilidade de criar uma forma de casamento para homossexuais e outra para heterossexuais (uma velha ideia sua, aliás, da qual já tinha desistido quando era Presidente, por ter concluído que criaria desigualdades inconstitucionais, nota o Le Monde…).
Mas vários dos seus apoiantes manifestaram-se desagradados com esta cedência. “A revogação não é humanamente realista”, afirmou a ex-primeira-ministra Valérie Pécresse. Se revogasse, o que aconteceria aos já casados? É que em 2017 a lei estaria em vigor há quatro anos e haveria dezenas de milhares de casamentos homossexuais celebrados. Só desde o Verão de 2013 já há 7000, diz o “Le Monde”.
Uma sondagem IFOP/Atlantico mostra que 68% dos franceses e 58% dos simpatizantes da UMP são agora favoráveis ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que pode explicar porque duas ex-ministras de Sarkozy o tenham criticadoo também abertamente. “A revogação não seria nem desejável nem possível”, assegurou Nathalie Kosciusko-Morizet. “Não partilho esta opinião e a revogação da lei não é uma prioridade dos franceses”, afirmou Nadine Morano. E não descartou a possibilidade de apoiar Alain Juppé em 2017.