A longa marcha de Sarkozy pode não ser triunfal
Volta à liderança da UMP, primeiro passo de uma “longa marcha”, como ele próprio diz, ainda cheia de obstáculos para regressar ao Eliseu em 2017. Ninguém previu um regresso tão rápido, embora ninguém acreditasse que não voltaria. Foram as circunstâncias que adiantaram o seu calendário. Por um lado, a fraqueza endémica do actual Presidente que lhe roubou a vitória em 2012 ao conseguir captar o cansaço dos franceses perante o “turbilhão Sarkozy”. Por outro, a transformação da UMP (o partido que refundou em 2004) num “saco de gatos” prestes a entrar em falência e incapaz de captar o descontentamento dos franceses com o actual Presidente. Ele quer apresentar-se como o salvador da França, o único que conseguirá unir o seu partido e unir os franceses para pôr cobro ao declínio da “quinta potência mundial”, como gosta de dizer. Já disse claramente ao que vem: esvaziar a ascensão meteórica da Frente Nacional de Marine Le Pen, que as sondagens apresentam como a preferida de 30% dos franceses nas presidenciais de 2017 e que venceu as eleições europeias de Maio, ficando ligeiramente à frente da UMP. “Não quero que o meu país seja condenado à única perspectiva da humilhação e do isolamento que é a Frente Nacional.”
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Volta à liderança da UMP, primeiro passo de uma “longa marcha”, como ele próprio diz, ainda cheia de obstáculos para regressar ao Eliseu em 2017. Ninguém previu um regresso tão rápido, embora ninguém acreditasse que não voltaria. Foram as circunstâncias que adiantaram o seu calendário. Por um lado, a fraqueza endémica do actual Presidente que lhe roubou a vitória em 2012 ao conseguir captar o cansaço dos franceses perante o “turbilhão Sarkozy”. Por outro, a transformação da UMP (o partido que refundou em 2004) num “saco de gatos” prestes a entrar em falência e incapaz de captar o descontentamento dos franceses com o actual Presidente. Ele quer apresentar-se como o salvador da França, o único que conseguirá unir o seu partido e unir os franceses para pôr cobro ao declínio da “quinta potência mundial”, como gosta de dizer. Já disse claramente ao que vem: esvaziar a ascensão meteórica da Frente Nacional de Marine Le Pen, que as sondagens apresentam como a preferida de 30% dos franceses nas presidenciais de 2017 e que venceu as eleições europeias de Maio, ficando ligeiramente à frente da UMP. “Não quero que o meu país seja condenado à única perspectiva da humilhação e do isolamento que é a Frente Nacional.”
Os seus inimigos internos enganaram-se nos cálculos. Acreditaram que os seus problemas com a Justiça (que ainda não se concretizaram em acusações) acabariam por matá-lo politicamente. Em Junho, quando Sarkozy foi levado pela polícia judiciária para ser interrogado sobre alegadas tentativas de corromper um juiz a troco de informações sobre os seus processos, acreditaram que tinha finalmente acabado. O processo foi suspenso. Sarkozy declarou-se uma vítima da instrumentalização da Justiça. François Fillon, que foi seu primeiro-ministro nos cinco anos de mandato e que (dizem os amigos) nunca lhe perdoou as constantes humilhações, terá ido almoçar ao Eliseu com um velho amigo para lhe pedir a aceleração dos processos que pendem sobre "Sarko". A história veio no Monde. O próprio nega. Muita gente acredita. "Sarko" regressou em força em Setembro.
Desde então, lançou-se numa campanha frenética para reaver a liderança da UMP. Voltou a electrizar as bases do partido, mesmo que os franceses continuem indecisos sobre o seu regresso. Promete uma refundação que passa pelo nome, pelos estatutos e pelo programa. É o seu primeiro passo. E é exactamente o mesmo que deu em 2004, quando tomou a liderança da UMP de Jacques Chirac (União para Uma Maioria Presidencial, que passou a ser União para Um Movimento Popular) até à vitória das presidenciais 2007. Disse ao que vinha, quando era ministro do Interior, e teve de enfrentar a revolta dos banlieues parisienses, qualificando os jovens magrebinos de “escumalha”. Apresentou-se às eleições de 2007 com um programa de “ruptura” em relação ao passado. Pela França “que trabalha” e que “se levanta cedo”, pelas reformas económicas e sociais destinadas a melhorar a sua competitividade e enfrentar uma globalização inevitável, e para vencer o impasse criado pelo chumbo francês da Constituição Europeia em 2005. “A França está de regresso”, proclamou. A meio da campanha ajustou o discurso para as questões identitárias e apelou à França profunda, prometendo restituir-lhe os velhos valores da “autoridade, da moralidade, da disciplina, do respeito” que a geração de Maio de 68 destruiu. Percebeu que ganharia se conseguisse esvaziar a Frente Nacional que ainda era de Jean-Marie Le Pen. Conseguiu reduzi-la a 10% (teve 16,9% nas presidenciais de 2002, passando à segunda volta e eliminado o PS).
Hoje acredita que pode fazer a mesma coisa. Talvez possa. Mas a FN de Marine é muito diferente da do seu pai, um velho representante do lado mais negro do nacionalismo europeu. A filha afastou a velha geração, limou as arestas ideológicas mais intoleráveis (como o anti-semitismo), transformou-a numa organização populista, antieuropeia e anti-imigrantes idêntica a muitas que crescem por essa Europa fora, capaz de atrair os votos da França que teme o futuro, que viu os seus empregos destruídos pela globalização e que vê nos imigrantes uma ameaça ao seu modo de vida. Quer entrar cada vez mais no sistema. Desta vez, a sua tarefa é mais difícil. Os franceses já o conhecem e ainda não estão convencidos a aceitar o seu regresso. Em 2007, era a primeira vez que um outsider “baixo, moreno e de sangue misturado” (a definição é dele) que não frequentara as “Grandes Écoles” ocupava o Eliseu, rompendo com a “monarquia electiva” criada no molde de De Gaulle. Dessacralizou o papel do Presidente. Os franceses acharam-no demasiado “vulgar”. Quando a crise financeira se abateu sobre a Europ,a conseguiu (com Gordon Brown) mobilizar os esforços financeiros necessários para travar o risco de uma Grande Depressão. Bastaram dois anos a Angela Merkel para tomar conta da crise e a transformar numa oportunidade para fazer do euro uma moeda alemã. Todas as propostas de "Sarko", da desvalorização do euro à mudança de estatuto do Banco Central, desfizeram-se contra a muralha de Berlim. Mudou de estratégia: se não podia combatê-la, juntava-se a ela. Criou a ficção de que ambos lideravam a Europa. “Madame Merkel et moi.” Ainda se candidatou em 2012, defendendo que o que resultava para a Alemanha podia resultar para a França. No discurso com que anunciou a sua recandidatura disse oito vezes a palavra Merkel. A meio da campanha esqueceu a chanceler para voltar a abraçar as questões identitárias: a segurança, a imigração, o patriotismo. Criticou Shengen, um verdadeiro “passador” que deixava entrar toda a gente. Perdeu as eleições. Agora distancia-se de novo da Europa, “que não foi criada para se intrometer em tudo, e cujas competências devem ser reduzidas”. Nada de muito diferente de David Cameron.
Tal como em relação à Frente Nacional, a realidade europeia é hoje muito diferente. A Europa “rendeu-se” às políticas da chanceler, pouco disposta a fingir uma entente com uma França que os alemães tratam cada vez pior. François Hollande já teve de fazer inversão de marcha, esquecendo o que disse na campanha e anunciando um programa de reformas que Berlim, por via de Bruxelas, lhe exige todos os dias. O seu novo primeiro-ministro, Manuel Valls, já foi definido como o “Sarkozy do socialismo”. Também ele acha que as divisões tradicionais entre esquerda e direita estão ultrapassadas. Como "Sarko", acredita naquilo que tem resultados. Não desdenha uma candidatura em 2017. O problema é que as reformas apenas dão frutos a médio prazo.
Na UMP, cujo comando vai hoje ganhar, as coisas também não são fáceis. Os analistas dizem que terá de “esmagar” os seus dois adversários. Em 2004 foi eleito com 85% dos votos. O seu problema maior chama-se Alain Juppé e não vai acabar pelo simples facto de dizer dele que é “velho e já foi condenado pela Justiça”. Juppé tem 69 anos. Há dez anos foi condenado a dois anos com pena suspensa por ilegalidades cometidas na Mairie de Paris, quando Jaques Chirac lá estava. O seu rival pode ter a preferência do partido mas, por enquanto, é ele que recolhe a preferência dos franceses. Apresenta-se como “a força tranquila” capaz de unir o centro político. Não poderia ser mais diferente do estilo hiperactivo, determinado e voluntarista do antigo Presidente e da sua forma por vezes brutal de fazer política. E ainda resta aos opositores internos a esperança de que alguns dos processos que correm contra ele na Justiça levem a uma acusação. A longa marcha poderá não ser triunfal.