O cinema que o Porto ainda não tinha
Meio ano a provar, sessão de domingo após sessão de domingo, que há vida na Baixa para além dos bares, dos turistas e dos bares para turistas, e agora 50 filmes em dez dias: Porto/Post/Doc, festival internacional de cinema.
Também é contra isso – contra uma cidade perto da overdose de bares, turistas e bares para turistas e portanto aparentemente condenada ao entretenimento, e a favor de outra onde as salas de rua possam coexistir com os multiplexes dos centros comerciais – que se faz um festival de cinema. Tal como foi contra isso que, nos últimos seis meses, domingo após domingo, a associação Porto/Post/Doc manteve uma programação regular no Passos Manuel, em tempos sobretudo um cinema e hoje sobretudo um bar (mas não necessariamente para turistas) naquela parte em que a Baixa começa a descer acentuadamente para a gentrificação. Mas as coisas já tinham começado a mudar radicalmente antes de o ciclo Há Filmes na Baixa fazer a sua entrada, pondo em prática o manifesto do Porto/Post/Doc pelo regresso dos espectadores (porque tem de haver espectadores numa cidade com 240 mil habitantes) às salas. Meses antes, uma espécie de big bang na Câmara Municipal do Porto tornou possível voltar a sonhar com bens de primeira necessidade como uma feira do livro, um teatro municipal e uma agenda mensal para o cinema independente – mas continuou, e continua, a haver “muito trabalho por fazer”. “Estamos a viver o ano um de um novo ciclo político e a cidade está de facto mudada. Mas a dinâmica do Porto de que tanto se fala ainda não é satisfatória – há muita dinâmica de entretenimento, mas podemos ir muito mais longe no cinema e no audiovisual, tanto na oferta como na procura. Acho que isso é tarefa não tanto para os políticos e para os programadores mas para os agitadores culturais – e não tenho medo nenhum de usar esta palavra”, continua Dario Oliveira. É assim que se apresenta nesta segunda vida pós-Curtas Vila do Conde, festival de que se desvinculou mas que vale como background fundador agora que se aproxima a experiência Porto/Post/Doc: “A minha experiência enquanto director do Curtas Vila do Conde e enquanto programador do módulo Odisseia das Imagens no Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura permitem-me perceber que tipo de festival faz sentido pensar para o Porto. E falta um festival de cinema no Porto, a cidade está muito mal servida nesse aspecto.”
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Também é contra isso – contra uma cidade perto da overdose de bares, turistas e bares para turistas e portanto aparentemente condenada ao entretenimento, e a favor de outra onde as salas de rua possam coexistir com os multiplexes dos centros comerciais – que se faz um festival de cinema. Tal como foi contra isso que, nos últimos seis meses, domingo após domingo, a associação Porto/Post/Doc manteve uma programação regular no Passos Manuel, em tempos sobretudo um cinema e hoje sobretudo um bar (mas não necessariamente para turistas) naquela parte em que a Baixa começa a descer acentuadamente para a gentrificação. Mas as coisas já tinham começado a mudar radicalmente antes de o ciclo Há Filmes na Baixa fazer a sua entrada, pondo em prática o manifesto do Porto/Post/Doc pelo regresso dos espectadores (porque tem de haver espectadores numa cidade com 240 mil habitantes) às salas. Meses antes, uma espécie de big bang na Câmara Municipal do Porto tornou possível voltar a sonhar com bens de primeira necessidade como uma feira do livro, um teatro municipal e uma agenda mensal para o cinema independente – mas continuou, e continua, a haver “muito trabalho por fazer”. “Estamos a viver o ano um de um novo ciclo político e a cidade está de facto mudada. Mas a dinâmica do Porto de que tanto se fala ainda não é satisfatória – há muita dinâmica de entretenimento, mas podemos ir muito mais longe no cinema e no audiovisual, tanto na oferta como na procura. Acho que isso é tarefa não tanto para os políticos e para os programadores mas para os agitadores culturais – e não tenho medo nenhum de usar esta palavra”, continua Dario Oliveira. É assim que se apresenta nesta segunda vida pós-Curtas Vila do Conde, festival de que se desvinculou mas que vale como background fundador agora que se aproxima a experiência Porto/Post/Doc: “A minha experiência enquanto director do Curtas Vila do Conde e enquanto programador do módulo Odisseia das Imagens no Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura permitem-me perceber que tipo de festival faz sentido pensar para o Porto. E falta um festival de cinema no Porto, a cidade está muito mal servida nesse aspecto.”
Portanto hamburguerias, champanherias, pop-up shops, bares com mais de 25 marcas de gin, restaurantes com estrelas Michelin – e agora um festival para o cinema documental, ou para o que veio depois dele. “O cinema documental não tem de ser o cinema observacional ou de reportagem que as pessoas aprenderam a amar ou a odiar na televisão. E se olharmos bem para trás veremos que o cinema nunca foi verdadeiramente só ficção nem verdadeiramente só documentário; mais recentemente é que os géneros se cristalizaram a ponto de agora ser preciso voltar a pôr tudo em causa. Nos últimos 15 anos o documentário sofreu um grande abalo e ainda bem… Por isso é que a palavra ‘documentário’ está no nome deste festival – mas também lá está o ‘pós’.” O slogan do Porto/Post/Doc é uma segunda provocação: “Quando dizemos que ‘as nossas histórias são reais’, estamos a tentar questionar a ideia muito ingénua de que um filme – ou outra narrativa qualquer – pode equivaler à realidade. E a declarar que é nesta franja, entre a ficção e o documentário, que nos parecem estar os exemplos mais fascinantes do cinema contemporâneo.”
É, diz, “uma aposta no futuro” – depois de meio ano a provar, sessão de domingo após sessão de domingo, que há vida na Baixa para além dos bares, dos turistas e dos bares para turistas (O Há Filmes na Baixa é a nossa permanência na cidade durante as outras 51 semanas do ano, para que haja uma ligação permanente com o público”), a equipa do Porto/Post/Doc acredita que há condições para um festival de dez dias, com 50 filmes dentro e fora de competição (dois terços dos quais em absoluta estreia nacional). “A ideia é que o Porto/Post/Doc possa crescer com o tempo. Não faço ideia do que serão os festivais de cinema daqui a dez anos, mas sei que é preciso pensar muito na forma como mostramos os filmes. Apesar do sucesso das nossas sessões de domingo, estes meses no Passos Manuel mostraram, para começar, que o público é imprevisível, que nunca está ganho à partida; e também mostraram que hoje as pessoas exigem ver filmes num contexto especial: é preciso criar o momento e o lugar perfeitos, é preciso criar um happening”, argumenta Dario.
Aqui e agora
Um festival que, paralelamente ao bloco central da competição, propõe um seminário para descobrir Onde está o real? e uma série de secções paralelas (uma das quais, Transmission, leva o lado clubbing do Passos Manuel às suas últimas consequências, com sessões de cinema seguidas de concertos e DJ sets), pode ser esse happening. Ou, pelo menos, esse lugar perfeito “onde as pessoas se encontram para ver boas histórias em condições excelentes de exibição e para encontrar os autores e debater com eles”. E faz sentido que seja um lugar parecido com o DocLisboa, ainda que bastante mais pequeno? “É natural que queiramos exibir alguns dos mesmos filmes: os portugueses pela razão óbvia de a produção nacional nos interessar particularmente e os estrangeiros por serem obras magistrais que dificilmente o público do Porto iria descobrir se não os passássemos aqui.”
Neste primeiro ano, o interesse pela produção nacional materializa-se na exibição de quatro filmes – Dreamocracy, de Raquel Freire e Valérie Mitteaux, O Velho do Restelo, de Manoel de Oliveira, Iec Long, de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, e Acima das nossas possibilidades, de Pedro Neves – e na apresentação dos primeiríssimos resultados do programa School Trip, aproximação do Porto/Post/Doc à Escola Artística de Soares dos Reis, cujos alunos estão a realizar “pequenos vídeos documentais a partir da realidade que conhecem: histórias da cidade, da família, da adolescência”. Para o ano, o festival quer estrear as duas produções profissionais que entretanto irá lançar: Cães Vadios, um filme sobre a cena pós-punk da cidade no final dos anos 70, e um projecto de João Salavisa sobre o Porto operário. “São o nosso objectivo principal para 2015, ainda que não tenhamos nenhuma garantia de que estejam prontos para estrear na segunda edição do festival, em Dezembro do próximo ano, tendo em conta as condições muito fragilizadas do apoio à produção em Portugal”, ressalva Dario.
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Seja como for, as três missões do Porto/Post/Doc estão em andamento: criar um novo festival internacional, check; estimular a produção nacional, check; voltar a trazer o público às salas, check. O limite, não sendo exactamente o céu, é reabrir – ou melhor, ver reabertas – algumas das salas de rua que em tempos não demasiado idos fizeram parte da paisagem da Baixa e que idealmente complementariam a actividade irregular do Passos Manuel e do pequeno auditório do Rivoli (onde aliás, a partir de Fevereiro, também vai haver sessões semanais do Porto/Post/Doc). “O Trindade tem condições para voltar a exibir cinema, é preciso é que haja um financiador, ou vários. Seria maravilhoso que aqui se criasse um circuito alternativo aos multiplexes como o que começa a esboçar-se em Lisboa. Agora se vai ser o Porto/Post/Doc ou não… Somos uma associação cultural, não temos estrutura para explorar uma sala – mas temos estrutura para programar e para ir à procura de apoios também.”
Em seis meses, uma associação que começou do zero chegou aos cem aderentes – que pagaram, com tempo e com trabalho voluntário, para que este festival pudesse acontecer. O director do Porto/Post/Doc aponta para os três mil que há uns anos assinaram uma petição a reivindicar um pólo da Cinemateca no Porto: “Onde é que estão essas pessoas, deixaram de gostar de cinema? Agora é o momento para aparecerem. Como é o momento para aparecerem outras, até vindas de fora. Em muitos aspectos o Porto ainda é uma novidade e isso é valioso para um festival de cinema que quer acontecer aqui e agora.”