A presumível inocência de Sócrates
Tenho todo o direito de presumir que Sócrates é culpado daquilo que o acusam – pela simples razão de que as regras do espaço público não são as regras de um tribunal.
Claro que José Sócrates continua presumível inocente aos olhos da justiça, e assim continuará até ao trânsito em julgado da sentença. Claro que a presunção de inocência é pedra angular de uma democracia decente e de qualquer sistema judicial digno. Mas eu não sou juiz, nem polícia. Sou um cidadão e um colunista. E, enquanto tal, tenho todo o direito – repito: todo o direito – de presumir, face ao que leio nos jornais, às minhas deduções, às minhas convicções, à minha experiência, à minha memória e ao esgotamento de sete presunções de inocência, que Sócrates é culpado daquilo que o acusam. E tenho todo o direito de o escrever – pela simples razão de que as regras do espaço público não são as regras de um tribunal.
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Claro que José Sócrates continua presumível inocente aos olhos da justiça, e assim continuará até ao trânsito em julgado da sentença. Claro que a presunção de inocência é pedra angular de uma democracia decente e de qualquer sistema judicial digno. Mas eu não sou juiz, nem polícia. Sou um cidadão e um colunista. E, enquanto tal, tenho todo o direito – repito: todo o direito – de presumir, face ao que leio nos jornais, às minhas deduções, às minhas convicções, à minha experiência, à minha memória e ao esgotamento de sete presunções de inocência, que Sócrates é culpado daquilo que o acusam. E tenho todo o direito de o escrever – pela simples razão de que as regras do espaço público não são as regras de um tribunal.
Esta insistência em confundir o plano mediático com o plano da justiça é absurda. Levado ao extremo, faria com que só pudéssemos pronunciar-nos sobre a honorabilidade de José Sócrates daqui a sete ou oito anos, quando todos os recursos tivessem sido esgotados e a sua sentença transitado em julgado. Eu não tenho o poder de um juiz. Não posso, felizmente, prender ninguém. E se não tenho o seu poder, é óbvio que também não tenho as suas limitações. É por isso que a minha liberdade de expressão é mais lata do que a do juiz Carlos Alexandre: ele fala pouco porque pode muito; eu falo muito porque posso pouco. À justiça o que é da justiça, aos jornais o que é dos jornais.
Existe uma admirável coincidência entre os fazedores de opinião que estão a demonstrar uma hiper-sensibilidade às falhas do segredo de justiça e uma notável abnegação na defesa da presunção de inocência, e aqueles fazedores de opinião que durante anos e anos defenderam José Sócrates contra os ataques ad hominem e o julgaram vítima de infames conspirações. Quando vejo Miguel Sousa Tavares ou Clara Ferreira Alves mais entretidos a discutir fugas de informação e timings de detenção do que a possibilidade muito real de um ex-primeiro-ministro ser corrupto, eu sei que eles estão menos a defender Sócrates do que a defenderem-se a si próprios, e àquilo que andaram a escrever ao longo dos anos.
Ainda ontem, no DN, Ferreira Fernandes dizia o seguinte: “Em 2009, escrevi: ‘Prendam-no ou calem-se.’ A turba, com muita gana mas sem prova, chegou primeiro do que a opinião pública – e depois?” E depois, caro Ferreira Fernandes, é que ali entre 2007 e 2011 boa parte da opinião pública preferiu fechar os olhos ao elefante no meio da sala. Se não havia provas, havia infindáveis indícios – e boa parte da opinião pública preferiu engolir as teses surreais de Sócrates, mantendo-se impassível diante do sufoco evidente do poder judicial às mãos do poder político. Viram, ouviram e leram. Mas preferiram ignorar. É uma escolha, claro. Só que convém assumi-la, até para que ninguém a esqueça.