Vêm aí as escutas telefónicas
Na sua edição de 20 de Novembro, o Diário de Notícias enfatizava na primeira página: “Políticos e magistrados escutados a pedir favores”. O diário merece crédito. Alguém conhecedor dos intestinos do processo falou do que não devia.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Na sua edição de 20 de Novembro, o Diário de Notícias enfatizava na primeira página: “Políticos e magistrados escutados a pedir favores”. O diário merece crédito. Alguém conhecedor dos intestinos do processo falou do que não devia.
A violação do segredo de Justiça é coisa de pouca monta. Não há processo mediático em que se não desrespeite. O legislador tratou de o minimizar ao estabelecê-lo como excepção. Poucos acreditam num e noutro.
Reporto-me à intercepção de conversações ou comunicações telefónicas. Escutas telefónicas e sua sistemática divulgação pública.
Essas intercepções são o meio mais invasivo e intrusivo que a lei processual penal pariu no domínio da investigação criminal. Tão intrusivo e invasivo que a sua publicitação assume foros patológicos.
Não são meios de prova. São meios de obtenção de prova. Tão graves que rondam os limites do Estado de Direito. Muito encostados à imoralidade. O maquiavelismo não devia ter lugar na investigação criminal. Não vale tudo para investigar um crime.
Circunstâncias muito excepcionais admitem escutas. Indispensabilidade para descoberta do crime. A extrema dificuldade ou quase impossibilidade dessa descoberta. Cabem só na investigação de crimes muito graves, que constam de um “catálogo fechado”. Só aí é legal a utilização das escutas telefónicas. Os números de telefones a escutar são os que o Ministério Público indica ao juiz de instrução e não outros. “Catálogo fechado de alvos”.
A incompetência, negligência e facilitismo investigatórios subvertem os termos da questão. Não se investiga. Escuta-se. Com atropelos a esses princípios do Direito Processual Penal.
Na preservação e reserva do que é captado em escutas telefónicas o mais relevante é de natureza ética e moral. Respeito pela dignidade, privacidade e intimidade a que todos têm direito. Suspeitos e não suspeitos de crimes. A investigação criminal por meios violentos, sub-reptícios, sem mandado, actua sem se anunciar. Vigia e resguarda-se. Escuta o que interessa à investigação e o que não interessa. Escuta investigados e os que o não são. Sigilos pessoais e familiares, conjugais, amores, negócios. Diálogos equívocos. Tudo.
Deve exigir-se todo o cuidado e rigor dos órgãos de investigação. Ministério Público, juízes e advogados na conservação hermética das escutas telefónicas. Isso lhes impõe a moral, o código deontológico e a lei processual. Lhes reivindica a comunidade em nome de quem actuam.
Disseminou-se uma esquizofrenia das escutas telefónicas. Pode satisfazer a avidez do público. Não o interesse público. Há prejuízos para a investigação criminal, agressões aos direitos de personalidade dos visados. Abala-se o Estado de Direito e a Justiça.
O diário reporta-se a um processo criminal suficientemente deprimente. Poderia referir-se a outros tão ou mais deprimentes. A outras tantas exposições públicas abjectas. Processos que não carecem de mais temperos.
Há uma ética pública que se impõe a magistrados e investigadores. Aos órgãos de comunicação social também. E ao público. O país vive em turbulência. Poupem-nos.
Procurador-geral adjunto