Investigadores suspeitam que Sócrates já sabia que iria ser detido à chegada ao aeroporto
Num processo em que os investigadores queriam segredo absoluto, as fugas de informação foram várias. Nem a troca de carros dentro do aeroporto, para a operação não ser identificada, resultou. Sócrates poderá ter como atenuante das medidas de coacção o facto de ter regressado ao país voluntariamente.
Nos dias anteriores, os investigadores foram vendo as sucessivas listas de embarque de passageiros entre Paris e Lisboa de todas as companhias de aviação. Para isso, deslocaram-se às instalações da ANA – Aeroportos de Portugal onde está centralizada essa informação, adiantou fonte policial. Apesar de várias tentativas, o PÚBLICO não conseguiu confirmar esta informação junto de fonte oficial da empresa.
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Nos dias anteriores, os investigadores foram vendo as sucessivas listas de embarque de passageiros entre Paris e Lisboa de todas as companhias de aviação. Para isso, deslocaram-se às instalações da ANA – Aeroportos de Portugal onde está centralizada essa informação, adiantou fonte policial. Apesar de várias tentativas, o PÚBLICO não conseguiu confirmar esta informação junto de fonte oficial da empresa.
O PÚBLICO apurou que este adiamento é, aliás, sublinhado em documentos que relatam as diligências levadas a cabo na investigação. Na convicção dos investigadores, o adiamento da viagem é um indício de que o ex-primeiro-ministro saberia que iria ser detido, mas, apesar disso, optou por regressar a Portugal.
Esse facto poderá ser levado em linha de conta quando o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) Carlos Alexandre decretar as medidas de coacção, já que será difícil sustentar um eventual perigo de fuga. Nomeadamente, decidir se o antigo governante fica ou não em prisão preventiva.
Há cerca de um mês, a informação de que José Sócrates poderia vir a ser detido já circulava. Ao longo deste sábado, já depois da detenção do ex-primeiro-ministro, várias fontes relataram ter tido conhecimento antecipado da iminente detenção de Sócrates.
Terão, por isso, sido várias as fugas de informação neste processo. Quando o antigo primeiro-ministro aterrou no aeroporto da Portela, já equipas de reportagem de alguns órgãos de comunicação tentavam apanhar a viatura policial que transportava Sócrates, tendo a SIC divulgado imagens, pouco nítidas, do que dizia ser Sócrates no interior de uma viatura descaracterizada. Nessa altura já havia pelo menos um carro de exteriores no Campus da Justiça, em Lisboa, onde esteve Sócrates durante o dia de sábado para ser identificado pelo juiz Carlos Alexandre do TCIC.
Tudo indica que José Sócrates ainda não terá sido confrontado com os indícios recolhidos na investigação, um acto que deverá ocorrer neste domingo. O juiz Carlos Alexandre terá dado prioridade aos arguidos que tinham sido detidos ao final da tarde de quinta-feira e foram identificados no dia seguinte, sexta-feira. Carlos Alexandre, encarregue de mais este caso mediático, foi até Setembro o único magistrado do TCIC, onde são tramitados os inquéritos criminais mais complexos e que, normalmente, são investigados pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal, actualmente dirigido pelo procurador Amadeu Guerra. Já não é o único neste momento, mas o processo terá começado antes de Setembro.
O juiz terá optado por ouvir neste sábado o empresário Carlos Manuel dos Santos Silva, amigo de infância de Sócrates e um dos quatro detidos nesta operação. Perto da meia-noite, a representante do empresário, a advogada Paula Lourenço, natural da Covilhã e amiga de ambos, continuava no interior do TCIC. Segundo uma fonte da defesa, já na sexta-feira a advogada tinha estado todo dia no Campus da Justiça, a acompanhar o cliente e amigo. O empresário, conjuntamente com Gonçalo Trindade Ferreira, advogado que tem o domicílio profissional na sede de uma das empresas de Santos Silva, e o motorista de Sócrates, João Perna, pernoitaram no estabelecimento prisional anexo às instalações da Polícia Judiciária. Já José Sócrates passou essa noite nas instalações do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, em Moscavide, aonde regressou na noite de sábado e onde terão dormido os outros três suspeitos na primeira noite de detenção.
Um carro transportando José Sócrates deu entrada às 16h45 no Campus da Justiça, onde o antigo chefe de governo esteve mais de cinco horas. Minutos antes, carros das autoridades judiciais foram filmados a sair da casa de José Sócrates no centro de Lisboa, onde o ex-primeiro-ministro terá acompanhado buscas ao apartamento onde mora.
Ao contrário do que tem acontecido noutros processos mediáticos que envolvem Sócrates, a sua defesa não está a ser assegurada pelo advogado Daniel Proença de Carvalho. Quem apareceu a representá-lo foi um ilustre desconhecido, João Araújo, que chegou ao Campus da Justiça às 17h e saiu antes das 22h. O advogado, de 65 anos, não está integrado em qualquer sociedade, partilhando apenas as instalações do escritório, na Rua Pinheiro Chagas, em Lisboa, com um colega, que não soube explicar ao PÚBLICO como João Araújo se tornou defensor do ex-primeiro-ministro. Carlos Caldeira adiantou apenas que o colega de escritório, inscrito na Ordem dos Advogados desde 1977, se formou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e foi defensor de dois arguidos no caso das FP-25, que julgou uma rede bombista que esteve activa no pós-25 de Abril. Curiosamente, também defendeu o fiscalista Saldanha Sanches, num processo movido por Daniel Proença de Carvalho.
Questionado pelo PÚBLICO sobre se vem acompanhar o cliente, o advogado não quis prestar declarações e limitou-se a repetir "venho sozinho". Ainda antes de ser ouvido por Carlos Alexandre, era possível ver José Sócrates, de costas, pelas brechas de uma janela do rés-do-chão do edifício espelhado. Estava numa reunião, acompanhado pelo advogado.
Desde quarta-feira que a operação, levada a cabo pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal e por inspectores da Autoridade Tributária e Aduaneira acompanhados no terreno por agentes da investigação criminal da PSP, estava a ser preparada. Face ao melindre do caso, mais do que o segredo de justiça estava em causa o segredo absoluto. Nem a Divisão Aeroportuária da PSP, em Lisboa, que em algumas circunstâncias cumpre mandados judiciais e detém à chegada arguidos, sabia que o Ministério Público esperava o ex-primeiro-ministro.
Os agentes do aeroporto só descobriram o que ocorreu quando os inspectores tributários e os colegas da PSP chegaram com Sócrates e entraram nas instalações da divisão. Ali, Sócrates esperou cerca de meia hora enquanto os investigadores fizeram uma troca de automóveis.
Os investigadores queriam discrição máxima. Queriam evitar que a situação criasse polémica no aeroporto com os passageiros do avião em que Sócrates voltou. Por isso, a detenção não ocorreu na manga do avião. Mal o aparelho aterrou, os investigadores seguiram de automóvel para a pista. Sócrates foi levado num veículo descaracterizado, sem que fossem levantadas as mínimas suspeitas de ter sido detido. Já nas instalações do aeroporto, os inspectores trocaram de carro para despistar alguém que estivesse mais atento às movimentações. Por essa altura já existiam informações de que Sócrates tinha sido detido.