Orçamento Participativo mais votado do país dá 1,5 milhões a dez projectos

Cascais bateu o recorde da participação: as propostas dos munícipes para o concelho tiveram 41.005 votos, fazendo deste orçamento o mais votado de sempre em Portugal. Na Europa, só Paris o ultrapassa.

Foto
Projecto de requalificação do Bairro das Caixas, na Parede, captou a maior fatia de investimento Miguel Madeira

Mas a maior vitória vai para o próprio processo participativo, que bateu o recorde nacional: este foi o OP mais votado de sempre em Portugal, com 41.005 votos. São muitos mais do que os 28 mil que elegeram Carlos Carreiras para presidente da câmara, em Setembro de 2013.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Mas a maior vitória vai para o próprio processo participativo, que bateu o recorde nacional: este foi o OP mais votado de sempre em Portugal, com 41.005 votos. São muitos mais do que os 28 mil que elegeram Carlos Carreiras para presidente da câmara, em Setembro de 2013.

A proposta mais votada, com 5894 votos a favor — pela primeira vez foi possível votar contra um projecto, anulando um voto favorável —, prevê a construção de instalações sanitárias e de uma zona de refeições junto à sede dos Escoteiros e Guias de Carcavelos, no valor de 81.600 euros. A maior fatia dos 1,5 milhões destinados ao OP deste ano vai para o projecto de requalificação do Bairro das Caixas, na Parede, que obteve 1628 votos — vai custar 288.486 euros. 

A câmara tinha definido um valor máximo para cada projecto, 300 mil euros, e para cada área de intervenção, 500 mil euros. As propostas excluídas não serão necessariamente postas de parte, garante Carlos Carreiras. “Algumas, por estarem próximas de projectos que já estamos a desenvolver, serão realizadas pelo orçamento municipal. Em relação a outras que consideramos importantes, comprometemo-nos a acelerar a sua execução assim que houver receita disponível.”

Os vencedores (a lista está disponível no site da câmara de Cascais) foram escolhidos entre 31 propostas sujeitas a votação, depois de um processo de análise técnica e de diversas sessões de participação pública. Entre 12 de Outubro e 16 de Novembro, o município registou 41.005 votos — quase seis vezes mais do que na primeira edição, em 2011, ultrapassando também os 36.032 votos registados no OP de Lisboa, o município mais populoso do país.

O método de votação por SMS poderá explicar tamanha mobilização. É que embora a cada número de telemóvel só corresponda um voto, qualquer cidadão, mesmo que não resida no concelho, pode participar. “Não vemos problema nisso, é até interessante que os munícipes de Cascais consigam mobilizar os de outros pontos do país”, diz Carreiras.

O OP de Cascais é “o mais votado de sempre no país, em termos absolutos e também percentuais”, confirma Nelson Dias, presidente da Associação In Loco, que se faz a monitorização e acompanhamento de orçamentos participativos. Na Europa, apenas Paris ultrapassa este resultado português, com 174 mil votos. Mesmo assim, na capital francesa, que dedica 70 milhões de euros às propostas dos munícipes, apenas 8% da população votou. Em Cascais, o número de votos corresponde a 20% dos residentes. 

Segundo Nelson Dias, a participação dos cidadãos nos OP tem vindo a aumentar um pouco por todo o mundo, traduzindo uma “reaproximação entre os cidadãos e os autarcas locais”. “Isso deve-se em parte à confiança que este processo é capaz de gerar”, explica. Por um lado, os munícipes podem apresentar propostas e, por outro, são capazes de controlar o resultado final do processo, através da votação.

A execução dos projectos é outra variável que faz a diferença, nota Nelson Dias. “Por exemplo, a Câmara de Lisboa [que dedica 2,5 milhões de euros por ano ao OP] está bem preparada para levar a cabo a auscultação dos cidadãos, mas não para a execução dos projectos. Essa fragilidade pode virar-se contra a autarquia, que corre o risco de ver diminuída a participação no futuro.” No início de Novembro, a vereadora da Economia e Inovação na câmara da capital, Graça Fonseca, estimava em 75% a taxa de execução dos OP.

Cascais, pelo contrário, “tem uma boa taxa de execução”, afirma Nelson Dias. Carlos Carreiras diz que o compromisso do município é executar os projectos nos dois anos seguintes ao da aprovação. “Temos cumprido sempre, à excepção de dois casos, mas os grupos promotores vão sendo informados das razões do atraso”, garante.

Decididos 54 milhões de euros em 12 anos
Actualmente há 57 autarquias (câmaras municipais e juntas de freguesia) com orçamentos participativos, que envolvem cerca de 14 milhões de euros, segundo Nelson Dias. Desde que o país começou a dar os primeiros passos neste modelo de democracia participativa, em 2002, os cidadãos decidiram o destino de 54 milhões de euros, através de uma centena de OP, segundo as contas deste investigador.

“Em média, os OP em Portugal representam 1 a 5% do orçamento das câmaras para investimento”, afirma, referindo que Cascais está acima da média, com cerca de 6%. Segundo o consultor, a maior parte das autarquias com OP em vigor são geridas por presidentes socialistas (63). O PSD gere 25 OP, a CDU tem 10, um é gerido pelo PS em coligação, seis pelo PSD em coligação e dois por independentes. No entanto, “a diferença partidária não se traduz numa diferença substancial em termos de sucesso dos OP ou da participação”, observa.

Levar a participação cívica ao Parlamento
Se nas autarquias a participação dos cidadãos parece estar a evoluir “a bom ritmo”, na administração central “estamos muito longe disso”, lamenta Nelson Dias. Isto apesar de o “aprofundamento da democracia participativa” estar previsto na Constituição Portuguesa – a primeira a nível mundial a incluir este conceito, segundo este especialista. Para passar do papel à prática, a Associação In Loco quer levar o debate sobre a participação dos cidadãos até à Assembleia da República, envolvendo os grupos parlamentares.

Esse é um dos objectivos do projecto “Portugal Participa”, financiado em 138 mil euros pela Fundação Calouste Gulbenkian. Outro objectivo é a criação da Rede de Autarquias Participativas, uma “plataforma de cooperação horizontal entre autarquias”, e de um observatório que permita reunir dados sobre as experiências de orçamentos participativos por todo o país, incluindo as respectivas taxas de execução.

O projecto inclui a criação de um prémio anual de boas práticas para as autarquias e a realização de acções de formação destinadas aos técnicos municipais. A apresentação pública do “Portugal Participa” decorre a 3 de Dezembro no auditório da Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais.