Quem é Carmen Miranda?
O Real Combo Lisbonense captura a graça e a vivacidade que Carmen Miranda punha ao serviço das suas canções
O subtítulo do disco é particularmente feliz: Real Combo Lisbonense às voltas com Carmen Miranda. Saudade de Você não trata da reconstituição fiel das canções que a cantora e actriz do Rio de Janeiro, via Marco de Canaveses, criou nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Não é igualmente uma leitura moderna desse legado. É qualquer coisa de intermédio. É, literalmente, a banda que conhecemos dos concertos em que se recuperavam os sons e as canções de bailes de outrora — e venha daí a Borracha do Rocha e beba-se uma Laranjina! que ainda é cedo para tequila — “às voltas com Carmen Miranda”.
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O subtítulo do disco é particularmente feliz: Real Combo Lisbonense às voltas com Carmen Miranda. Saudade de Você não trata da reconstituição fiel das canções que a cantora e actriz do Rio de Janeiro, via Marco de Canaveses, criou nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Não é igualmente uma leitura moderna desse legado. É qualquer coisa de intermédio. É, literalmente, a banda que conhecemos dos concertos em que se recuperavam os sons e as canções de bailes de outrora — e venha daí a Borracha do Rocha e beba-se uma Laranjina! que ainda é cedo para tequila — “às voltas com Carmen Miranda”.
É um disco de sabor clássico e, ao mesmo tempo, um disco em que o tempo se anula. Quem conhece a obra de Carmen Miranda sabe que ela nunca soou assim. E o objectivo parece ser, precisamente, essa indefinição. Eis então, nas vozes de Ana Brandão, Ian Mucznik, Margarida e Joana Campelo, o português do Brasil a conviver alegremente, ou seja sem regra definida, com o sotaque menos redondo do português de Portugal; eis guitarras wah-wah a darem balanço moderno à irresistível Ca room pa pa (ouvisse-a o jovem Caetano Veloso e inventava novamente o Tropicalismo) ou as sugestões de um jazz a caminho da soul que atravessamNa baixa do sapateiro.
O que o Real Combo Lisbonense consegue aqui é capturar um espírito: a graça e a vivacidade que Carmen Miranda punha, com o seu talento e a sua sabedoria, ao serviço das canções que para ela compuseram Ary Barroso ou Synval Silva. Joga-se o cliché contra o cliché em Touradas em Madri (e gingam as castanholas), agita-se a “Paris” cartão de postal com marchinha sambada, e agarra-se o espírito destas canções com muita precisão e muita certeza no gesto criativo — o calor orgânico dá uma vivacidade palpável ao som (atente-se nos desenhos do baixo, por exemplo); os arranjos de metais (flautas, saxofones e trompetes) coloram o cenário com bom gosto irrepreensível.
A viagem acaba onde teria obrigatoriamente de acabar — não o sabíamos antes, sabemo-lo no momento em que o disco termina. Adeus batucada: “Vou-me embora chorando/ com meu coração sorrindo/ e vou deixar todo mundo/ valorizando a batucada”, canta Margarida Campelo. Canta Carmen Miranda, a que não foi embora. Ou melhor, a que acabou de regressar. Redescobrimo-la. É e não é a mesma.