Ajuda de Portugal ao desenvolvimento caiu 20%

Relatório da AidWatch critica que 70% da cooperação bilateral do país dependa do interesse económico nacional.

Foto
Os países lusófonos são os destinatários da maior fatia do contributo português Nuno Ferreira Santos

A ajuda pública ao desenvolvimento ficou-se no ano passado pelos 364,4 milhões de euros. Caiu 20,4% face ao ano anterior. Já em 2012 caíra 11,3% e em 2011 três por cento. O Governo escudou-se na crise económica, no controlo do défice público e na consolidação orçamental. E Portugal “andou para trás dez anos, perdendo muito do que alcançou entre 2000 e 2010”, lê-se no documento.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A ajuda pública ao desenvolvimento ficou-se no ano passado pelos 364,4 milhões de euros. Caiu 20,4% face ao ano anterior. Já em 2012 caíra 11,3% e em 2011 três por cento. O Governo escudou-se na crise económica, no controlo do défice público e na consolidação orçamental. E Portugal “andou para trás dez anos, perdendo muito do que alcançou entre 2000 e 2010”, lê-se no documento.

No contexto da União Europeia , Portugal está sensivelmente a meio da tabela (ver gráfico). A ajuda pública ao desenvolvimento representa 0,23% do Produto Interno Bruto português, o que coloca o país bem abaixo dos 0,7% que os estados-membros se propuseram alcançar até 2015. No ano passado, de resto, só quatro conseguiram fazê-lo: Dinamarca, Luxemburgo, Suécia e Reino Unido.

Já num relatório retrospectivo lançado em 2012, Ana Filipa Oliveira, representante do grupo de trabalho Aid Watch da Plataforma Portuguesa das Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD), chamava a atenção para a “crescente subalternização da política de cooperação” a outras políticas, como a internacionalização das empresas ou a promoção da língua portuguesa. “Isso agrava-se de ano para ano”, diz. No ano passado, 70% da ajuda pública bilateral era "ligada”.

“Ajuda ligada” traduz-se por empréstimos condicionados à aquisição de bens ou serviços. Do lado do país doador, empresas escoam os seus bens ou serviços para o exterior. Do lado do país parceiro, os efeitos positivos são mitigados, já que ter-se-á de pagar tais empréstimos e até poderá haver custos inflaccionados, uma vez que não se pode procurar as melhores condições do mercado.

É uma tendência “preocupante” nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), observa Ana Filipa Oliveira. Parece-lhe uma distorção: a cooperação tem de estar ao serviço da solidariedade, da luta contra a pobreza, da promoção dos direitos humanos, não da diplomacia económica, que terá outros princípios.  

Não é segredo em Portugal. Está no novo documento orientador da cooperação portuguesa, que compreende a cooperação para o desenvolvimento, a educação para o desenvolvimento e a ajuda humanitária e de emergência, aprovado pelo Conselho de Ministros a 27 de Fevereiro deste ano. Visando “a erradicação da pobreza e o desenvolvimento sustentável”, tem de responder ao mesmo tempo “aos interesses nacionais e aos objectivos e prioridades dos países parceiros”.

Valerá a pena recordar que a política externa portuguesa tem três pilares: integração europeia; relação transatlântica; e espaço lusófono. E que é dentro dela que está a cooperação, que “assenta nos laços culturais e afectivos”. A lista de maiores beneficiários de 2013 confirma essa proximidade: Cabo Verde, Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, por esta ordem.

2015, recorda Ana Filipa Oliveira, será um ano-chave. É o Ano Europeu do Desenvolvimento. Terminam os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM), definidos em 2000. E há que acabar de definir a agenda até 2030, os já chamados Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A discussão dura há dois anos. Fala-se em objectivos de cariz universal, aplicáveis a todos os países; em interligações entre o crescimento económico e social e a sustentabilidade ambiental, em nome da erradicação da pobreza; em partilha de responsabilidades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, actores governamentais e não-governamentais, incluindo empresas.

O Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa 2014-2020 já propõe que se valorize os parceiros “não diferenciando os actores estatais e os não-estatais, o público e o privado, o lucrativo e o não-lucrativo”. Entre os actores da cooperação, além do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua Portuguesa e dos ministérios, figuram já associações empresarias, fundos e bancos regionais de desenvolvimento, organizações não governamentais, fundações, municípios, universidades, sindicatos.

O financiamento público destinado às organizações não governamentais que se dedicam ao desenvolvimento foi reduzido em 57% entre 2011 e 2013. Entendeu o Governo que o Estado deveria passar de financiador de projectos a facilitador de novas formas de financiamento. Optou por uma inflexão nos apoios, concentrando-os em organizações com capacidade de obterem outros fundos. “Muitos projectos de elevada qualidade continuam de fora”, alerta o documento.

No relatório, Portugal é aconselhado a respeitar os seus compromissos internacionais, aumentando o orçamento, reduzindo os níveis de "ajuda ligada", valorizando os projectos de qualidade e eficácia, através de uma política coerente e coordenada. Recomenda-se também ao país que encontre fontes alternativas de financiamento e que mantenha um diálogo construtivo com as ONGD e com a Plataforma Portuguesa.