A cultura empresarial dos bancos aumenta a desonestidade? Um estudo diz que sim

Equipa de investigadores criou um jogo para avaliar a honestidade dos funcionários de um banco. Os resultados estão na revista Nature e, no final, a equipa propõe a criação de uma espécie de juramento de Hipócrates para quem trabalha nos bancos.

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O efeito da cultura empresarial dos bancos não tem sido estudado Leonhard Foeger/Reuters

Publicado esta quinta-feira na revista científica Nature, o trabalho promete lançar controvérsia. “Nos últimos dois anos, foram-se acumulando nas parangonas dos jornais escândalos de fraudes e de outras formas de comportamentos antiéticos no sector bancário”, diz ao PÚBLICO Michel Maréchal, investigador em ciências económicas da Universidade de Zurique (Suíça) e um dos autores do estudo. “Os políticos e os especialistas estão a atribuir cada vez mais estas práticas à cultura empresarial no sector bancário. Mas não há provas científicas disso.”

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Publicado esta quinta-feira na revista científica Nature, o trabalho promete lançar controvérsia. “Nos últimos dois anos, foram-se acumulando nas parangonas dos jornais escândalos de fraudes e de outras formas de comportamentos antiéticos no sector bancário”, diz ao PÚBLICO Michel Maréchal, investigador em ciências económicas da Universidade de Zurique (Suíça) e um dos autores do estudo. “Os políticos e os especialistas estão a atribuir cada vez mais estas práticas à cultura empresarial no sector bancário. Mas não há provas científicas disso.”

A equipa foi tentar compreender o que se passava, e olhou para este problema a partir da teoria da identidade económica, que defende que as pessoas “têm múltiplas identidades sociais baseadas no género, na etnia ou na profissão”, diz o artigo. Estas identidades estão associadas a certas normas sociais que dão indicações do que é permitido ou não fazer.

Esta abordagem evitou que os investigadores caíssem no erro de fazer comparações simplistas. “Se fôssemos ver se os empregados dos bancos eram mais desonestos do que os médicos, não saberíamos se era a cultura dos bancos que torna os seus empregados mais desonestos ou se as pessoas mais desonestas preferem ir trabalhar para os bancos”, explica-nos Michel Maréchal.

Os cientistas analisaram 128 pessoas de um “grande banco internacional”, cujo nome não é referido, e que trabalhavam em diferentes departamentos. A equipa dividiu as 128 pessoas em dois grupos, o de controlo e o da experiência. Cada participante tinha de lançar dez vezes uma moeda ao ar e dizer a um computador se saía cara ou coroa. Os cientistas não conseguiam ver se os participantes introduziam o resultado verdadeiro ou se mentiam.

No início do jogo, cada jogador ficou a saber previamente qual o lado da moeda que dava direito a receber cerca de 20 dólares (quase 16 euros). Mas havia uma condicionante: o dinheiro só seria pago caso um jogador arrecadasse, em dez jogadas, um montante igual ou superior ao obtido por outro jogador escolhido ao acaso pela equipa de cientistas. “Introduzimos este elemento para imitar a natureza competitiva dos profissionais da banca”, explicam os autores. “Dado que o pagamento máximo é de 200 dólares, os participantes tinham um incentivo considerável para fazer batota.”

Ainda antes do jogo começar, os dois grupos tiveram de responder a uma série de perguntas. Mas enquanto o grupo de controlo tinha de responder a sete perguntas que não estavam relacionadas com a sua profissão – como “quantas horas por semana passa a ver televisão?” –, ao grupo da experiência fizeram-se perguntas ligadas ao trabalho, como por exemplo “qual é a sua função no banco?”. A diferença no questionário serviu para fazer sobressair a identidade profissional do grupo da experiência.

Materialismo é bem visto
Esta diferença teve efeitos nos resultados. O grupo de controlo introduziu no computador 51,6% lançamentos de moedas com direito a receber dinheiro. Mas esse valor subiu para 58,2% no grupo da experiência. Além disso, enquanto a proporção de participantes desonestos em pelo menos um dos resultados introduzidos no computador foi de 16% no grupo de controlo, no grupo da experiência essa proporção subiu para 26%.

Os cientistas testaram outros grupos profissionais, como trabalhadores em empresas farmacêuticas e de telecomunicações, e concluíram que “o condicionamento da identidade profissional não tem influência significativa no [seu] comportamento desonesto”, diz o artigo.

Depois, a equipa procurou perceber o que motivaria este comportamento no sector bancário: se seria a valorização individual da profissão, os incentivos monetários para aumentar a competição ou se, por acharem que os seus colegas são desonestos, então mais valia eles próprios também o serem? Mas não conseguiu estabelecer nenhuma relação entre estes factores e um comportamento desonesto. No entanto, a equipa descobriu que o grupo da experiência concordava mais com a frase “o estatuto social é determinado principalmente pelo sucesso financeiro” do que o grupo de controlo. Esta descoberta indicou que o materialismo é considerado um valor positivo nos bancos.

“Os resultados sugerem que a cultura empresarial do sector bancário favorece o comportamento desonesto. No entanto, descobrimos que os funcionários dos bancos no grupo de controlo se comportaram geralmente de forma honesta, ao contrário da imagem pública que têm”, conclui a equipa. “O passo seguinte é estudar os aspectos que contribuem para esta cultura”, acrescenta Michel Maréchal.

Estes estudos podem ser importantes para a própria cultura empresarial, defende por sua vez Marie Claire Villeval, da Universidade de Lyon (França), num comentário na Nature ao artigo científico: “O desenvolvimento de uma cultura empresarial pode levar a uma ‘desindividualização’ que facilita o alinhamento do indivíduo com as preferências do grupo. Por outro lado, a má conduta de um indivíduo pode influenciar a evolução da cultura de uma empresa para comportamentos colectivos mais desviantes.”

Os autores dão ainda ideias para lutar contra a cultura bancária vigente, como a criação de uma espécie de juramento de Hipócrates (que os médicos fazem), acompanhado por formação em ética, para que os funcionários pensem no efeito dos seus actos na sociedade. A eliminação de incentivos monetários que premeiam comportamentos desonestos ou “lembretes de ética” na rotina diária são outras sugestões.