Uma tarde de “embalo semântico” com muitas críticas ao governador do Banco de Portugal

Maria Luís Albuquerque revelou aos deputados que “sabia que o BdP tinha um plano de contingência” para o BES antes de lhe ter sido comunicada a decisão final. E avaliou criticamente o trabalho do regulador: “Falhou aqui muita coisa. Primeiro as auditoras, depois a supervisão”.

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Maria Luís Albuquerque foi ouvida nesta quarta-feira no Parlamento Miguel Manso

Porém, no final da audição, quase seis horas depois de ter entrado na sala 6 do corredor parlamentar das comissões, a história tornou-se mais complexa… Quando lhe perguntam pela coincidência de haver uma reunião do Conselho de Ministros, que aprova uma alteração à lei que permite, justamente, a resolução bancária, na véspera de lhe ser comunicada por Carlos Costa a resolução do BES, Maria Luís admite que sabia mais. “Sabia que o BdP tinha um plano de contingência. O Governo sabia por que razão é que o BdP estava a pedir a alteração à lei”, revelou.

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Porém, no final da audição, quase seis horas depois de ter entrado na sala 6 do corredor parlamentar das comissões, a história tornou-se mais complexa… Quando lhe perguntam pela coincidência de haver uma reunião do Conselho de Ministros, que aprova uma alteração à lei que permite, justamente, a resolução bancária, na véspera de lhe ser comunicada por Carlos Costa a resolução do BES, Maria Luís admite que sabia mais. “Sabia que o BdP tinha um plano de contingência. O Governo sabia por que razão é que o BdP estava a pedir a alteração à lei”, revelou.

Logo no início da audição, passavam 14 minutos das três da tarde, a ministra usou o mesmo estilo de resposta para responder a outra dúvida dos deputados. Começou por garantir, na sua intervenção inicial, que “o Governo nunca apreciou qualquer recapitalização pública do BES”. Logo na primeira ronda de perguntas, do deputado do PSD Duarte Pacheco, admitiu ter sido criado, tal como o PÚBLICO noticiou ontem, um grupo de trabalho para “operacionalizar” a hipótese de recapitalização pública. Aí, desvalorizou a importância desse passo. “Era preciso manter contactos fáceis, num cenário de contingência”, referiu, comprando o exercício a um “simulacro dos bombeiros, sem nada de concreto”.

Logo a seguir, admitiu que existia uma linha de recapitalização disponível. Depois, clarificou as suas palavras neste mesmo Parlamento, em Julho, garantindo que tinham sido mal interpretadas: “Aquilo que sempre dissemos é que o Estado não está disponível para recapitalizar o GES, a parte não financeira.” O banco não. “O mecanismo de recapitalização pública estava disponível. Não responderia que não, por princípio, como fizemos para o GES.”

Contudo, apesar de não ter sido sua a decisão, a ministra considera que a opção pela resolução foi a melhor. “A resolução foi a melhor decisão para o erário público. Não fui eu que tomei a decisão, mas concordo.”

É esta a explicação para o “embalo semântico” - uma expressão que muito divertiu a ministra - usada por Mariana Mortágua do BE. No fundo, a crítica é a mesma que, momentos antes, tinha motivado um acesso de rispidez a Maria Luís Albuquerque quando Miguel Tiago, do PCP, apontara discrepâncias entre o que a ministra dizia sobre o mesmo assunto.

Foi também nessa altura que começaram a surgir, nas respostas da ministra, as maiores críticas ao governador do BdP. Este é um best-off: “Entre o dia 13 de Junho e o dia 7 de Julho tive inúmeros contactos com o governador do BdP que me reiterou que não havia riscos para a estabilidade financeira”; É com base nas garantias do BdP que faço essas afirmações [sobre a ausência de risco no BES]”; “Tenho de confiar no que o supervisor me diz”; “Falhou aqui muita coisa. Primeiro as auditoras, depois a supervisão. É algo que tem de ser analisado…”.

Quase no final, Maria Luís Albuquerque temperou esta visão das coisas. “Confio pessoalmente no senhor governador.” Aliás, com mais ou menos “embalo”, a ministra revela um domínio perfeito da técnica parlamentar, embora nunca tenha exercido a função. Não se lhe nota um único gesto de “medo cénico”, mesmo falando numa comissão de inquérito, transmitida em directo pela televisão, e com depoimentos escrutinados ao milímetro por jornalistas, assessores, banqueiros, advogados.

Apesar de tudo, a explicação para o destino dado ao BES coincide, nos depoimentos de Maria Luís Albuquerque e Carlos Costa. Parece pouco “económica”, mas é a mesma, quase ipsis verbis. “Precipitação de acontecimentos.”

Se Carlos Costa mostra ter preferido outra solução, o célebre “plano A”, ou seja, a recapitalização do BES, a ministra mostra ter uma preferência pelo “plano B”, o que foi adoptado, a resolução. De resto, Maria Luís Albuquerque repetiu, três vezes, a mesma ideia: “Nunca, em momento algum e por qualquer entidade, foi solicitado ao Governo a recapitalização com dinheiro público do BES. Nunca foi feito qualquer pedido.”

Então o que fez Vítor Bento, quando foi ao ministério das Finanças? A 30 de Julho, dois dias antes do fim do BES ser decidido, Vítor Bento, acompanhado por José Honório e Moreira Rato, solicitaram à ministra uma reunião, "pois estavam muito preocupados com o volume de prejuízos" semestrais de 3600 milhões, os maiores de sempre da história empresarial portuguesa. “Não foi uma proposta, não foi um pedido, foi uma pergunta a que dei uma resposta. (…) Vítor Bento não me veio pedir dinheiro. Perguntou se seria possível usar um mecanismo [os CoCos, usado no Banif]”.

O mesmo se passou com Ricardo Salgado. "Tive várias reuniões com Ricardo Salgado e outros gestores", durante o primeiro semestre, "e o que esteve sempre em cima da mesa eram pedidos de apoios públicos ao GES (área não financeira) que não fariam sentido".