Observatório vê a austeridade reflectida num “Estado deformado” pela recessão e pela dívida
Laboratório do Centro de Estudos Sociais comparou as previsões para o próximo ano com as contas públicas de 2007.
No boletim Barómetro das Crises, publicado nesta terça-feira, o laboratório associado do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra defende que a evolução das contas públicas nos últimos anos “ilustra a extrema dificuldade, ou mesmo a impossibilidade, de equilibrar as contas do Estado num contexto de recessão”.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
No boletim Barómetro das Crises, publicado nesta terça-feira, o laboratório associado do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra defende que a evolução das contas públicas nos últimos anos “ilustra a extrema dificuldade, ou mesmo a impossibilidade, de equilibrar as contas do Estado num contexto de recessão”.
“A constatação de que, ao cabo de cinco anos de austeridade [de 2011 em diante], um défice das contas públicas semelhante implica mais receita e mais despesa, ilustra bem a dificuldade, senão mesmo a impossibilidade, de reduzir défices públicos em contexto recessivo. Esta dificuldade resulta da dependência mútua entre o nível de actividade económica e o orçamento do Estado”, sublinha-se no documento.
O laboratório do CES/UC, coordenado por Manuel Carvalho da Silva, explica o porquê de fazer uma comparação mais espaçada no tempo e não apenas entre as propostas de orçamento de 2014 e 2015: “Com mais recuo, podemos tornar visíveis outras mudanças, nomeadamente, alterações estruturais no próprio Estado”. Entre elas, o observatório identifica “a desarticulação da administração pública e a crescente subcontratação de funções públicas; o retrocesso na garantia dos direitos económicos, sociais e culturais, e a erosão das funções redistributivas da fiscalidade”.
O observatório chama a atenção para o facto de a descida do défice resultar do aumento da carga fiscal, com os impostos a suportarem 59% do aumento das receitas do Estado. E tendo em conta “a redução da colecta de IRC, o facto de o IRS incidir principalmente sobre os rendimentos do trabalho e pensões e do IVA ser um imposto claramente regressivo, a questão que naturalmente ocorre a respeito do aumento da carga fiscal diz respeito à evolução da sua distribuição social”.
Segundo o observatório, “a subida do IRS não agravou todos os contribuintes da mesma forma” e “tudo indica que as mudanças ocorridas – redução do IRC, aumento das taxas de IVA, alterações no IRS – vão num sentido regressivo”. A redução do número de escalões de rendimento para efeitos de IRS, ocorrida em 2013, e algumas das alterações propostas para 2015 ao código do IRS acentuam esta tendência”.
Diz o observatório que, “do que é conhecido, a reforma de IRS apresentada no Parlamento contempla diversos elementos de regressividade num imposto ainda não totalmente progressivo, acabando – ao arrepio do espírito da Constituição – por fazer com que rendimentos mais elevados paguem proporcionalmente menos”.
Comparando as previsões inscritas pelo Governo no Orçamento para 2015 com o exercício de 2007, a receita do Estado será “10,7% maior em valor absoluto e em 3,1 pontos em percentagem do PIB”, sendo “financiada por mais IRS (+45%), mais IVA (+10%) e menos IRC (-18%)”.
Ao mesmo tempo, o observatório aponta para um aumento de 9,7% da despesa pública em termos nominais e de 2,9 pontos em percentagem do PIB, “por força de juros da dívida que aumentam 3,7 mil milhões de euros (+71%) e prestações sociais que crescem 6,4 mil milhões de euros (+22%)”.