Anabela Rodrigues, a académica que enfrentou juízes, experimenta agora a política
Antiga directora do Centro de Estudos Judiciários foi a escolhida para substituir Miguel Macedo. Cavaco Silva dá posse à nova ministra nesta quarta-feira. Secretários de Estado são reconduzidos. Falta de perfil político poderá dificultar-lhe a tarefa.
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O percurso de Anabela Rodrigues já se tinha cruzado com o de Miguel Macedo. O homem que agora lhe dá a sua cadeira era secretário de Estado da Justiça em 2004, quando a sua tutela, o ministro José Pedro Aguiar-Branco, a nomeou para directora do CEJ em Setembro – Santana Lopes levava apenas dois meses de mandato como primeiro-ministro. O actual ministro da Defesa e o próprio governante demissionário não serão, por isso, alheios à escolha de Passos Coelho.Professora de Direito e Processo Penal, foi nomeada em 2004 para directora do Centro de Estudos Judiciários (CEJ). Anabela Rodrigues, de 60 anos, é professora catedrática na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde integra o Conselho Científico desde 2011. Foi nesta universidade que se licenciou em 1976 com 17 valores e onde progrediu na hierarquia académica, tendo feito parte de órgãos de gestão da faculdade como o Conselho Directivo.
Anabela Rodrigues foi também directora do Centro de Estudos Judiciários entre Outubro de 2004 e Setembro de 2009, tendo sido nomeada pelo então ministro da Justiça, José Pedro Aguiar-Branco. O actual titular da pasta da Defesa não terá, por isso, sido alheio à escolha de Pedro Passos Coelho.
A escolha de Anabela Rodrigues para directora do CEJ esteve, no entanto, envolta em alguma polémica em 2004. Na altura, tanto a Associação Sindical dos Juízes Portugueses como o Movimento Justiça e Democracia criticaram a decisão do ministro José Pedro Aguiar-Branco por considerarem que a escolha de uma académica para gerir a instituição transmitia a ideia de não haveria magistrados com “competência” para esse cargo. E também por os magistrados não terem sido consultados antecipadamente sobre a nomeação.
Quando foi conhecido o seu nome, os juízes formadores demitiram-se em bloco. Apesar de o Conselho de Gestão da instituição ter aprovado por unanimidade o nome da académica, os magistrados do CEJ afirmavam que Anabela Rodrigues não tinha experiência forense e que isso nunca acontecera com os anteriores directores, em mais de duas dezenas de anos que aquele conselho já levava.
A sua saída daquela instituição também não foi pacífica: pediu demissão em Setembro de 2009, uma semana antes das legislativas, na sequência de um diferendo sobre com o ministro da Justiça, Alberto Costa, - que a reconduzira um ano antes - sobre o lançamento de um curso especial com a duração de apenas 10 meses para formação acelerada de magistrados. Porém, deu sempre uma resposta politicamente correcta sobre o assunto, afirmando que já havia concretizado os objectivos a que se propunha quando assumira a função de directora do CEJ.
Já depois do CEJ, Anabela Rodrigues integrou o Conselho Superior da Magistratura, órgão de gestão e de disciplina dos juízes.
Em 2010, a indicação do nome da magistrada para outro cargo voltou a provocar polémica. Em Outubro desse ano, a jurista foi um dos três nomes chumbados pelo Conselho da Europa para integrar o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. A lista de magistrados portugueses candidatos foi rejeitada por alegada falta de qualidade dos currículos. A decisão gerou a contestação unânime das autoridades portuguesas e Anabela Rodrigues renunciou à candidatura tendo manifestado então o seu “vivo repúdio” e “indignação” face à decisão do Conselho da Europa.
A penalista foi chamada também por diversos governos a participar em comissões de reforma no âmbito, sobretudo, da legislação penal. No currículo de Anabela Miranda Rodrigues, disponível no site do Conselho Superior da Magistratura, é referido que foi presidente das comissões de reforma de legislação sobre o Sistema de Execução de Penas e Medidas e da Legislação sobre o Processo Tutelar Educativo, no final da década de 90. Antes, colaborara também na revisão do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987.
É membro da Associação Internacional de Direito Penal. Também é secretária-geral da Fundação Internacional Penal e Penitenciária e secretária para os Assuntos Europeus da Sociedade Internacional de Defesa Social.
De acordo com informação disponível no site da Presidência da República, Cavaco Silva "aceitou a proposta que lhe foi apresentada pelo primeiro-ministro de exoneração, a seu pedido, do Dr. Miguel Bento Martins Costa Macedo e Silva do cargo de ministro da Administração Interna".
E aceitou a proposta de nomeação de Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues para o cargo. A tomada de posse está marcada para esta quarta-feira, pelas 12h, no Palácio de Belém.
Miguel Macedo demitiu-se no passado domingo, três dias após rebentar o escândalo dos vistos gold, que envolve 11 pessoas que lhe são próximas e entre as quais estão altos quadros do seu ministério, revelando que o fez para “defender o Governo”.
Numa declaração lida ao final da tarde de domingo, no Ministério da Administração Interna, Macedo declarou que a sua autoridade enquanto governante ficou diminuída com o envolvimento de pessoas que lhe são próximas nas investigações que estão em curso e que visam alegados casos de corrupção na atribuição dos vistos gold.