A equipa de elite que leva os comboios à mesa de operações
Na EMEF, empresa que faz parte do universo CP, a tecnologia de ponta coexiste com a manutenção de comboios com 60 anos
À sua espera está um grupo de técnicos, vestidos de branco, que de imediato lhe abrem as tampas ao longo das carruagens, deixando à vista as entranhas da composição, composta de muitos sistemas electrónicos. Aqui são ligados cabos a computadores que monitorizam as suas funções vitais. De alguma forma, o comboio parece agora um paciente nos cuidados intensivos de um hospital, rodeado de tubos e écrans, onde correm informações ininteligíveis para o comum mortal, mas que o pessoal da EMEF interpreta de forma rotineira.
No fosso, sob o ventre das seis carruagens, outro grupo de técnicos inspecciona os rodados e mais um conjunto de funções do alfa pendular. E, no interior, há também trabalho para fazer nos complicados mecanismos relacionados com a iluminação, comunicação, climatização, assentos reclináveis, cortinas mecânicas e nos sistemas específicos do bar e das casas de banho.
Alberto Pinheiro, 33 anos, é electromecânico na EMEF e dirige-se à cabine de condução. Senta-se no lugar do maquinista e, com um manual de instruções de trabalho, verifica eventuais avarias e procede à sua correcção. Aqui não são necessários fatos de macaco sujos de óleos, nem ferramentas pesadas, nem se ouve o matraquear de martelos e máquinas. Pelo contrário, este operário do século XXI trabalha ao som dos Heróis do Mar, que se ouve pelo sistema de rádio do comboio. As avarias são reparadas, por vezes, com uma simples mudança de um chip, uma carta magnética, uma electroválvula, um pressostato.
“Mas tão ou mais importante do que reparar uma avaria é perceber o motivo dessa avaria e evitar que se volte a repetir”, explica Alberto Pinheiro. E essa é uma das particularidades deste método de manutenção que a EMEF pôs em prática em 2004 e que se chama RCM (Reliability Centered Maintenance), algo como manutenção centrada na fiabilidade.
Trata-se de uma nova filosofia, inspirada na manutenção de aviões, que a empresa pôs de pé com a ajuda da engenharia da CP e de uma consultora. A Unidade de Manutenção de Alta Velocidade (UMAV) reescreveu os manuais do fabricante e adaptou-os ao contexto operacional dos alfas pendulares, permitindo prolongar o período de vida de muitos componentes que, de outra forma, teriam de ser substituídos antes.
Pedro Moreira, director da UMAV explica que esta metodologia reduziu custos, melhorou a segurança e permitiu aumentar de 80% para 93% a disponibilidade dos comboios. Suíços, ingleses e noruegueses interessaram-se por este método inovador e utilizam-no já nos seus países. E os próprios técnicos da EMEF acabaram a dar formação na Suíça aos especialistas dos comboios pendulares daquele país.
Hoje, a UMAV é a equipa de elite da EMEF. Na sala de engenharia de produção, junto às oficinas, os técnicos sabem onde está, em cada momento, cada um dos dez alfas pendulares entre Braga e Faro e acedem a toda a informação dos seus complexos sistemas instalados a bordo, visualizando a cabine de condução tal como o maquinista. Há avarias que são resolvidas à distância e um programa informático dá informações às oficinas sobre as incidências a bordo. Graças a este sistema de telemanutenção, também desenvolvido pela EMEF, quando um comboio chega às oficinas de Contumil, o pessoal já sabe onde intervir.
Pedro Moreira diz que não tem dúvidas que a sua unidade saberia fazer a manutenção do TGV sem problemas. De resto, foram os próprios franceses que lho disseram após terem feito uma visita a Contumil. O reverso da medalha é que os caminhos-de-ferro suíços já “roubaram” dois trabalhadores à EMEF. Outro saiu para a Petrogal e outro para um instituto ligado à Universidade do Minho. A UMAV tem hoje falta de pessoal e o director já pediu o recrutamento de dez trabalhadores, mas a contenção orçamental imposta às empresas públicas não tem sido favorável.
A UMAV já teve 50 pessoas, mas agora labora só com 42. A média de idades é significativa: 33 anos contra mais de 50 anos em toda a EMEF. Funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, porque, mesmo com os comboios parados, a manutenção nunca pára. Há inúmeros componentes para cuidar – a frota de dez pendulares representa, por exemplo, 80 motores de tracção, mais de 900 cortinas mecânicas, 410 portas electropneumáticas, 20 pantógrafos, 100 casas de banho.
Alberto Pinheiro está agora debaixo da composição a inspeccionar os bogies, os rodados, os transformadores, os conversores de tracção. Em breve, a composição abandona o fosso e dirige-se a Campanhã, de onde partirá, em serviço comercial para Santa Apolónia. O trabalho na oficina não pára porque já outro pendular está a entrar. Ao fim do dia, Alberto ruma a Penafiel, onde vive. Apesar da sua forte especialização (já teve mais de 1500 horas de formação) este trabalhador só ganha 900 euros por mês. Sobre a privatização, hesita em responder. “Não sei se é o melhor para a empresa, a gente não sabe, não tem informação… É claro que isto dá alguma ansiedade porque nós investimos uma grande parte da nossa vida aqui, vivemos isto, e agora com estas notícias ficamos um bocado atrapalhados”.
A par de oficinas com tecnologia de ponta, coexistem na EMEF instalações metalomecânicas de outro paradigma tecnológico para assegurar a manutenção e reparação de comboios a diesel. A empresa reflecte as realidades díspares do material circulante da CP, que tem comboios modernos e material com 60 anos. Por isso, tem pessoal a mais nalgumas actividades e gente a menos noutras. Uma situação que a leva a ponderar admitir brevemente 40 pessoas.
Actualmente, a EMEF possui 1034 trabalhadores (eram 1600 há cinco anos) e deverá ficar com menos 35 até ao fim do ano. O abandono de parte da frota a diesel da CP fez com que, subitamente, entre 150 a 200 trabalhadores ficassem com menos trabalho. A empresa tem oficinas de norte a sul do país. Em 2013, facturou 51 milhões de euros e teve prejuízos de 3,4 milhões. Um ano antes, tinha alcançado lucros de 6,1 milhões.
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À sua espera está um grupo de técnicos, vestidos de branco, que de imediato lhe abrem as tampas ao longo das carruagens, deixando à vista as entranhas da composição, composta de muitos sistemas electrónicos. Aqui são ligados cabos a computadores que monitorizam as suas funções vitais. De alguma forma, o comboio parece agora um paciente nos cuidados intensivos de um hospital, rodeado de tubos e écrans, onde correm informações ininteligíveis para o comum mortal, mas que o pessoal da EMEF interpreta de forma rotineira.
No fosso, sob o ventre das seis carruagens, outro grupo de técnicos inspecciona os rodados e mais um conjunto de funções do alfa pendular. E, no interior, há também trabalho para fazer nos complicados mecanismos relacionados com a iluminação, comunicação, climatização, assentos reclináveis, cortinas mecânicas e nos sistemas específicos do bar e das casas de banho.
Alberto Pinheiro, 33 anos, é electromecânico na EMEF e dirige-se à cabine de condução. Senta-se no lugar do maquinista e, com um manual de instruções de trabalho, verifica eventuais avarias e procede à sua correcção. Aqui não são necessários fatos de macaco sujos de óleos, nem ferramentas pesadas, nem se ouve o matraquear de martelos e máquinas. Pelo contrário, este operário do século XXI trabalha ao som dos Heróis do Mar, que se ouve pelo sistema de rádio do comboio. As avarias são reparadas, por vezes, com uma simples mudança de um chip, uma carta magnética, uma electroválvula, um pressostato.
“Mas tão ou mais importante do que reparar uma avaria é perceber o motivo dessa avaria e evitar que se volte a repetir”, explica Alberto Pinheiro. E essa é uma das particularidades deste método de manutenção que a EMEF pôs em prática em 2004 e que se chama RCM (Reliability Centered Maintenance), algo como manutenção centrada na fiabilidade.
Trata-se de uma nova filosofia, inspirada na manutenção de aviões, que a empresa pôs de pé com a ajuda da engenharia da CP e de uma consultora. A Unidade de Manutenção de Alta Velocidade (UMAV) reescreveu os manuais do fabricante e adaptou-os ao contexto operacional dos alfas pendulares, permitindo prolongar o período de vida de muitos componentes que, de outra forma, teriam de ser substituídos antes.
Pedro Moreira, director da UMAV explica que esta metodologia reduziu custos, melhorou a segurança e permitiu aumentar de 80% para 93% a disponibilidade dos comboios. Suíços, ingleses e noruegueses interessaram-se por este método inovador e utilizam-no já nos seus países. E os próprios técnicos da EMEF acabaram a dar formação na Suíça aos especialistas dos comboios pendulares daquele país.
Hoje, a UMAV é a equipa de elite da EMEF. Na sala de engenharia de produção, junto às oficinas, os técnicos sabem onde está, em cada momento, cada um dos dez alfas pendulares entre Braga e Faro e acedem a toda a informação dos seus complexos sistemas instalados a bordo, visualizando a cabine de condução tal como o maquinista. Há avarias que são resolvidas à distância e um programa informático dá informações às oficinas sobre as incidências a bordo. Graças a este sistema de telemanutenção, também desenvolvido pela EMEF, quando um comboio chega às oficinas de Contumil, o pessoal já sabe onde intervir.
Pedro Moreira diz que não tem dúvidas que a sua unidade saberia fazer a manutenção do TGV sem problemas. De resto, foram os próprios franceses que lho disseram após terem feito uma visita a Contumil. O reverso da medalha é que os caminhos-de-ferro suíços já “roubaram” dois trabalhadores à EMEF. Outro saiu para a Petrogal e outro para um instituto ligado à Universidade do Minho. A UMAV tem hoje falta de pessoal e o director já pediu o recrutamento de dez trabalhadores, mas a contenção orçamental imposta às empresas públicas não tem sido favorável.
A UMAV já teve 50 pessoas, mas agora labora só com 42. A média de idades é significativa: 33 anos contra mais de 50 anos em toda a EMEF. Funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, porque, mesmo com os comboios parados, a manutenção nunca pára. Há inúmeros componentes para cuidar – a frota de dez pendulares representa, por exemplo, 80 motores de tracção, mais de 900 cortinas mecânicas, 410 portas electropneumáticas, 20 pantógrafos, 100 casas de banho.
Alberto Pinheiro está agora debaixo da composição a inspeccionar os bogies, os rodados, os transformadores, os conversores de tracção. Em breve, a composição abandona o fosso e dirige-se a Campanhã, de onde partirá, em serviço comercial para Santa Apolónia. O trabalho na oficina não pára porque já outro pendular está a entrar. Ao fim do dia, Alberto ruma a Penafiel, onde vive. Apesar da sua forte especialização (já teve mais de 1500 horas de formação) este trabalhador só ganha 900 euros por mês. Sobre a privatização, hesita em responder. “Não sei se é o melhor para a empresa, a gente não sabe, não tem informação… É claro que isto dá alguma ansiedade porque nós investimos uma grande parte da nossa vida aqui, vivemos isto, e agora com estas notícias ficamos um bocado atrapalhados”.
A par de oficinas com tecnologia de ponta, coexistem na EMEF instalações metalomecânicas de outro paradigma tecnológico para assegurar a manutenção e reparação de comboios a diesel. A empresa reflecte as realidades díspares do material circulante da CP, que tem comboios modernos e material com 60 anos. Por isso, tem pessoal a mais nalgumas actividades e gente a menos noutras. Uma situação que a leva a ponderar admitir brevemente 40 pessoas.
Actualmente, a EMEF possui 1034 trabalhadores (eram 1600 há cinco anos) e deverá ficar com menos 35 até ao fim do ano. O abandono de parte da frota a diesel da CP fez com que, subitamente, entre 150 a 200 trabalhadores ficassem com menos trabalho. A empresa tem oficinas de norte a sul do país. Em 2013, facturou 51 milhões de euros e teve prejuízos de 3,4 milhões. Um ano antes, tinha alcançado lucros de 6,1 milhões.