“O fado enquanto espírito de algo é o que existe de mais rock’n’roll”

Aos 27 anos, o cantor e compositor brasileiro Filipe Catto está de volta com um espectáculo intimista e visceral. Este domingo no CCB, em Lisboa (21h) e dia 21 no Centro Cultural Vila Flor de Guimarães.

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Filipe Catto: "Tatuei o fado na mão. Está sob o meu domínio, na mão direita, que é onde eu realizo as coisas” Caroline Bittencourt

“O Fôlego, sempre fiz em show com banda. Mas antes disso, na época em que comecei, em Porto Alegre, eu fazia espectáculos intimistas: menores e mais próximos. Essa é a minha escola, e eu gosto muito.”

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“O Fôlego, sempre fiz em show com banda. Mas antes disso, na época em que comecei, em Porto Alegre, eu fazia espectáculos intimistas: menores e mais próximos. Essa é a minha escola, e eu gosto muito.”

De um projecto literário-musical chamado Sarau Elétrico, em 2005, Filipe passou às gravações. Primeiro um EP, Saga, em 2009, depois Fôlego, em 2011 e por fim um DVD gravado ao vivo no Auditório do Ibirapuera, São Paulo, a 2 e 3 de Fevereiro de 2013 (Entre Cabelos, Olhos e Furacões). O ano seguinte ficou em branco: “2014 foi um ano que eu me dei de laboratório. Porque era ano de Copa do Mundo e de eleição. Ou seja: a verba p’ra cultura no Brasil acabou. Comecei o ano pensando que ia ser desesperador. Não foi. Foi um ano incrível de trabalho, maravilhoso, mas também porque eu tomei a iniciativa de fazer outras coisas. Eu vinha de um trabalho de estúdio e de um DVD e achei que estava no momento de ousar. E uma dessas ousadias foi fazer este show.”

Os responsáveis do Museu da Imagem e do Som de São Paulo convidaram-no a fazer um espectáculo de violão e voz e ele disse: “Mas eu não faço show de violão e voz, faço show com banda.” Eles insistiram, dizendo que ali não podia ser e então ele dispôs-se a arranjar uma alternativa. “A gente ia fazer um pocket show, como se fosse um show de livraria. Mas quando fui fazê-lo [ele com outro músico, ambos com violão e guitarra] percebi que esse formato intimista era muito forte, p’ra mim. Ele revelava a minha voz de uma forma muito grande, sentia-me um titã em cima do palco. Sem nada. Quanto mais silêncios, mais pausas, mais eu posso ir ao âmago da música.”
Alexandre Bernardo, músico português que também trabalha com Marcelo Camelo e Mallu Magalhães, vai tocar com ele em Portugal. Filipe ligou para Lisboa a dizer que viria de qualquer maneira e perguntou se conheciam “um músico incrível”, que tocasse vários instrumentos. “Conheço: Alexandre”, foi a resposta.

Cantar até aos 80 anos

Filipe tem as quatro letras da palavra fado tatuadas nos dedos da mão direita. Foi uma coisa recente, já deste ano. “A última vinda a Lisboa mexeu muito comigo. Quando eu vi o fado ao vivo aqui, assim, achei muito bonito a guitarra portuguesa, o violão e aquele pilar de voz que vem das entranhas. Tatuei o fado por isso, porque para mim ele tem vários significados. É destino, mas destino ancestral, inevitável, tem algo de poético e trágico. E de certa forma o meu fado é a música. Porque a vocação musical é um sacerdócio eterno. E às vezes é desesperador ser artista.” Mas voltemos ao fado. “O fado enquanto espírito de algo é o que existe de mais rock’n’roll. E eu estou indo cada vez mais fundo na minha origem, que é o rock’n’roll e o fado simbolizando essa música exasperada que é o samba canção, o tango, o bolero, a toada, o samba. Tudo isso para mim carrega esse elemento de exasperação que é o fado. E o rock’n’roll como postura de entrega e visceralidade absoluta. Então tatuei o fado na mão. Está sob o meu domínio, na mão direita, que é onde eu realizo as coisas.”

É curioso que, colocando o DVD de Filipe Catto e tirando-lhe o som, a figura que nos surge diante dos olhos faz lembrar Jim Morrison, dos Doors, na forma como se mexe no palco, como segura o microfone, como fecha os olhos nos momentos de maior entrega. Filipe sorri perante a comparação e contra-ataca: “Mas o Jim Morrison é fado! É isso que eu estou falando. O fado é a síntese, é o elemento trágico. Olhe a loucura: eu fiz 27 anos e sempre tive, como qualquer músico, qualquer artista, um fascínio pelo clube dos 27. O da Amy Winehouse, do Jim Morrison, do Kurt Cobain, da Janis Joplin, do Jimi Hendrix... Do Noel Rosa, que até morreu um ano mais cedo, aos 26! Há esse elemento exasperado, trágico. Porque a gente só faz música porque a gente se fodeu um dia. Se a gente fosse completamente feliz não ia precisar de cantar. O sofrimento é também a causa da expressão artística. Não um sofrimento infantil, mas um existencialismo, uma questão louca com a finitude, um desejo e um medo de morte muito subtil.”

A comparação com o vocalista dos Doors não é, apesar de tudo, gratuita. “Eu amo o Jim Morrison e gostaria de ser como ele”, diz Filipe, sem ironia. “Mas quando subo no palco, esse gesto é totalmente inconsciente, a música revela-se daquela forma.” Não há, no entanto, qualquer pulsão destrutiva nele. “Esse tempo não é mais o meu tempo, porque eu sou o artista que vai estar enchendo o saco de vocês quando tiver 80 anos. Porque eu acho lindo, por exemplo, uma Omara Portuondo ter 80 anos e estar cantando. E quero que isso aconteça comigo. Mas existe uma morte simbólica, ciclos que a gente persegue. E há nos 27 anos um rito de passagem muito poderoso para a vida adulta de verdade. Não necessariamente uma morte física, mas uma mudança, uma ruptura.”

O espectáculo que traz a Portugal é a sua forma de fazer esse “hara-kiri” de mudança. “É um show liberto. Vou cantar as minhas músicas, vou cantar outras que não gravei. Se, por exemplo, eu ouvir uma música hoje e adorar, talvez possa cantá-la também. Mas com certeza vou cantar Saga, Adoração, Mergulho, Ave de prata... Escolhi olhar este momento nos olhos e vivê-lo de forma consciente e bacana. Pegá-lo p’ra mim.”