Litoral de Sintra guarda vestígios de um convento islâmico e de um santuário romano
Achados vão ser estudados no Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas. Investigador acredita que a descoberta é fundamental para o estudo de todo o império romano.
As escavações realizadas desde 2008 revelaram, para além de vestígios islâmicos, aras (monumentos votivos, em forma de altar) romanas com inscrições em latim e em grego, agora conservados no museu da Câmara de Sintra.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
As escavações realizadas desde 2008 revelaram, para além de vestígios islâmicos, aras (monumentos votivos, em forma de altar) romanas com inscrições em latim e em grego, agora conservados no museu da Câmara de Sintra.
Numa vala aberta no Alto da Vigia, na arriba sobranceira à Praia das Maçãs, os arqueólogos escavam o "derrube de um muro de taipa", como explicou à Lusa José Cardim Ribeiro, director do MASMO.
"Estamos a preparar o registo para fechar o campo", esclareceu o arqueólogo Alexandre Gonçalves, após dias sem poder escavar devido ao mau tempo.
O relato de vestígios arqueológicos no Alto da Vigia remonta a 1505, quando foram encontradas lápides romanas durante a construção de uma torre de facho. "Esta foi a primeira descoberta arqueológica feita em Portugal, não há nenhuma anterior a esta data", salientou Cardim Ribeiro.
O achado das lápides levou o rei D. Manuel I, que passava o Verão no Paço Real de Sintra, a deslocar-se à Praia das Maçãs, então ainda sem areia, e que era "um braço de mar" navegável que entrava terra dentro para além de Colares. A tradução das inscrições romanas serviram para "marketing político" em honra do rei e do império português, mas manteve a referência verdadeira que eram dedicadas "ao sol eterno e à lua", contou o investigador.
Francisco d'Ollanda, discípulo de Miguel Ângelo, também desenhou num livro que ofereceu ao rei D. Sebastião, intitulado Da fábrica que falece à cidade de Lisboa, o templo romano, com um círculo formado por cipos, dedicado ao sol e à lua. "O que Ollanda deve ter visto não era um templo, era uma estrutura arquitectónica", como uma base monumental circular, acredita o director do MASMO.
A exacta localização do templo perdeu-se e, apesar de fontes do século XVII orientarem o santuário com vista para a serra, só na década de 1970 se voltou a apontar para o Alto da Vigia. Após sondagens anteriores sem sucesso nas proximidades, os arqueólogos resolveram escavar à volta da torre do século XVI.
"Encontrámos vestígios do santuário romano, mas também restos de um ribat [convento] islâmico", revelou Cardim Ribeiro, notando que se trata do segundo ribat encontrado no país, idêntico ao descoberto há uma década em Aljezur. Este convento, com ocupação entre os séculos VIII e XII, será constituído por várias construções, uma delas com um mirhab, nicho virado a Meca, para orientar as preces, idêntico ao oratório nas celas dos eremitas cristãos.
Na construção islâmica foram reutilizadas lápides romanas, algumas inteiras, outras só parcialmente partidas, mas no seu lugar foram colocadas réplicas em cor rosa, com as originais preservadas no MASMO.
Do religioso guerreiro que liderava este ribat nada se sabe, mas esta ocupação ocorreu durante um episódio histórico importante, quando barcos vikings saquearam a costa de Sintra, no século XII. Os vestígios do santuário romano demonstram que a consagração ao sol e à lua também incluiu o oceano e que a sua fundação terá ocorrido um século antes do que se presumia, em inícios do império, por volta de 27 a.C.
"Não temos aqui um templo local, apesar de Olisipo ser um município importante, e Lisboa ter sido a única cidade da Lusitânia à qual foi conferido o direito romano, idêntico ao de Roma", frisou Cardim Ribeiro. O investigador do MASMO não tem dúvidas de que a importância desta descoberta transcende a realidade local, nacional e ibérica, sendo fundamental para "o estudo de todo o império romano".
A campanha deste ano marcou o início de um projecto de investigação aprovado pela Direcção-Geral do Património Cultural para os próximos quatro anos. As inscrições encontradas na vala serão agora estudadas no MASMO, como o material de anteriores campanhas, com apoio de "uma equipa pluridisciplinar de investigadores em muitas áreas".
Os especialistas repartem-se por áreas como numismática, epigrafia e antropologia, e o projecto recorre ainda ao laboratório Hércules, da Universidade de Évora, e tem apoio directo da Câmara de Sintra.