Taxa turística ou mais um imposto? Eis a questão para vários milhões de euros
Ainda não há consenso sobre a legitimidade da taxa que Lisboa quer cobrar aos turistas, seguindo os passos já dados por dezenas de cidades europeias.
Para Paulo de Moura Marques, especialista em Direito Público e Turismo, o problema está no nome. “Uma taxa pressupõe o pagamento a uma entidade pública que se traduz de forma imediata e directa num serviço prestado”, afirma, sublinhando que não é isso que a Câmara de Lisboa propõe.
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Para Paulo de Moura Marques, especialista em Direito Público e Turismo, o problema está no nome. “Uma taxa pressupõe o pagamento a uma entidade pública que se traduz de forma imediata e directa num serviço prestado”, afirma, sublinhando que não é isso que a Câmara de Lisboa propõe.
Quando anunciou que os turistas passariam a pagar um euro quando entrassem na cidade por via marítima ou aérea, a partir de 2015, e outro euro por cada noite de dormida nos hotéis da capital a partir de 2016, o presidente da autarquia, António Costa, disse que a receita arrecadada – estimada em 14,2 milhões de euros até 2019 – serviria para pagar a criação de um centro de congressos no Pavilhão Carlos Lopes e outras obras de requalificação urbana. E segundo a proposta da câmara, esta receita nem sequer chega para cobrir a despesa municipal associada à área do turismo, calculada em 20,5 milhões de euros.
“Se o dinheiro fosse aplicado em serviços de acompanhamento aos turistas, por exemplo, ou na requalificação dos acessos ao aeroporto, já seria uma taxa”, diz Moura Marques. Mas assim “não há uma ligação directa entre o que se pretende cobrar e a afectação da receita”. O que está em causa, defende, é a criação de “um imposto sobre o turismo [que só pode ser criado pelo Parlamento], mas ninguém lhe quer dar esse nome”.
Para além da questão jurídica, este especialista aponta o facto de a medida estar “em contraciclo”. “Por um lado, há uma libertação do sector turístico numa série de custos e encargos, e por outro a Câmara de Lisboa quer aumentar os custos para quem nos visita”, observa Moura Marques, da sociedade de advogados Abecasis, Azoia, Moura Marques & Associados.
Opinião contrária têm alguns economistas. Paulo Trigo Pereira, do Instituto Superior de Economia e Gestão, entende que “do ponto de vista económico há uma contraprestação, porque quem vem para Lisboa sem ser residente vai beneficiar de uma série de coisas que a autarquia oferece e não paga, ao contrário dos residentes, que pagam impostos na autarquia”. Em declarações à Lusa, Trigo Pereira até defende a criação de uma taxa turística nacional, a reverter para o Orçamento do Estado.
Também Rui Baleiras, economista e professor na Universidade do Minho, diz à Lusa que os municípios são livres de “estabelecer taxas em praticamente todas as áreas que entenderem”, desde que as incluam no regulamento municipal. "Da mesma forma que o Estado central se pode lembrar de criar impostos sobre quase tudo, também os municípios podem criar taxas sobre quase tudo."
Com a criação da Taxa Municipal Turística, António Costa não inventou a roda. Pelo menos 17 países europeus – como Espanha, Suíça, Itália ou França – aplicam uma taxa semelhante, com diversas nuances: uns cobram a taxa só em alguns municípios, outros apenas nos resorts, outros ainda a nível nacional.
Em Portugal, a taxa já foi aplicada em Aveiro pelo executivo municipal (PSD-CDS/PP) em 2012, e em pouco mais de um ano rendeu apenas quatro mil euros, muito aquém dos 200 mil previstos. Acabou por ser abolida em Abril passado. Nos Açores, a Câmara da Povoação (PS), na ilha de São Miguel, aprovou em Outubro uma taxa idêntica (com valores entre os 0,50 euros e um euro), cujo regulamento está em consulta pública até 24 de Novembro. Também neste concelho está instalada a polémica, embora com menos eco na comunicação social.
Em Lisboa, a alteração ao regulamento de taxas só estará em consulta pública na próxima semana. Para já, no projecto de alteração a que o PÚBLICO teve acesso, há ainda várias pontas soltas. Uma delas prende-se com as isenções ao pagamento da taxa de chegada. Na terça-feira, o vice-presidente da câmara, Fernando Medina, afirmou que “nas chegadas por via aérea [a taxa] será limitada aos voos internacionais” mas isso não consta do documento. O PÚBLICO questionou a câmara mas não obteve resposta.
Nesta quinta-feira surgiu outra polémica paralela, na sequência da peça publicada no Diário de Notícias, segundo a qual o presidente da Associação de Hotelaria de Portugal teria feito um acordo com o município para aceitar a taxa, tendo depois sido forçado a recuar pelos hoteleiros. Em comunicado, a associação garante que manifestou desde o início “discordância” face ao modelo apresentado pela câmara e nega ter estabelecido, através do seu presidente, qualquer acordo com a autarquia com vista à aceitação da taxa.