PGR diz que instituto do Ministério da Justiça é que foi incapaz de adaptar o Citius ao novo mapa judiciário
Um dos responsáveis do IGFEJ diz ao MP o contrário do que afirmou no relatório que visou dois ex-funcionários. Enquanto os tribunais estiveram paralisados, o instituto, num caos, nem sabia o que estava a acontecer no sistema.
É o Ministério Público (MP) quem o diz. No despacho de arquivamento do processo ao qual o PÚBLICO teve acesso, o procurador Pedro Verdelho, do Gabinete do Cibercrime da PGR, salienta uma ideia que “ficou claramente vincada no decurso do inquérito”, reforçando a “inexistência de crime de sabotagem: a da incapacidade do IGFEJ para conduzir, com eficácia, o processo de migração” informática dos 3,5 milhões de processos necessária ao novo mapa judiciário.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
É o Ministério Público (MP) quem o diz. No despacho de arquivamento do processo ao qual o PÚBLICO teve acesso, o procurador Pedro Verdelho, do Gabinete do Cibercrime da PGR, salienta uma ideia que “ficou claramente vincada no decurso do inquérito”, reforçando a “inexistência de crime de sabotagem: a da incapacidade do IGFEJ para conduzir, com eficácia, o processo de migração” informática dos 3,5 milhões de processos necessária ao novo mapa judiciário.
Durante quatro meses (o primeiro ensaio do Citius foi a 25 de Junho e só em finais de Setembro a situação melhorou) o IGFEJ não fazia ideia do que estava a acontecer. A justiça paralisou enquanto a tutela, informada pelo IGFEJ, garantia que a situação não era grave. Em anexo ao relatório do IGFEJ, existem até mapas com vistos que garantem que às 18h30 de 1 de Setembro todos os processos estavam acessíveis. Mas nos tribunais, magistrados, advogados e funcionários reportavam o caos.
Citado no despacho do MP, o presidente do IGFEJ, Rui Pereira, que garantira à ministra que o sistema estaria a postos para a reforma judiciária, diz que “sabe agora que a migração não era viável nos moldes em que foi pensada” e que “era impossível de fazer nos prazos que foram fixados superiormente”. Ao PÚBLICO, disse apenas que o declarou ao MP é “coincidente” com o que é narrado no relatório do IGFEJ.
Já o vogal do conselho directivo do IGFEJ e responsável pela área de informática, Carlos Brito, admitiu ao MP que “os técnicos do IGFEJ talvez não estivessem preparados para todo este processo”, que o Departamento de Arquitectura de Sistemas “não fazia a mínima ideia de como dirigir o processo” e que “haveria mesmo algum desconhecimento do sistema”.
Carlos Brito é, porém, um dos responsáveis que assina o relatório do IGFEJ onde se concluía afinal ter existido sonegação de informação, manipulação e mesmo coacção de funcionários lançando suspeitas, entre outros, a Hugo Tavares, antigo director do Departamento de Arquitectura de Sistemas (a rede da Justiça) e a Paulo Queirós, ex-coordenador do Núcleo de Arquitectura e Sistemas de Informação para a Área dos Tribunais.
Mas no inquérito-crime concorda depois com eles. Todos dizem que não houve sabotagem. As contradições entre o que é afirmado no relatório do IGFEJ e o que alguns dos seus responsáveis dizem depois ao MP são flagrantes. Um e outro documento são a antítese perfeita da mesma realidade que bloqueou a justiça. O PÚBLICO tentou sem sucesso contactar Carlos Brito através do MJ, que também não se quis pronunciar sobre o assunto.
Com base no relatório, a ministra Paula Teixeira da Cruz sugeriu à PGR a investigação por possível sabotagem informática. Ora, Carlos Brito diz depois ao MP que “acha improvável que tenha havido qualquer sabotagem”.
Hugo Tavares garante até que “pessoalmente não tem conhecimentos para fazer sabotagem”. Na verdade, o antigo funcionário do IGFEJ nunca foi técnico informático. Tinha e voltou a ter funções administrativas na PJ, de onde havia saído em comissão de serviço.
Carlos Brito disse ao MP que a adaptação do Citius à reforma “falhou completamente” porque “partia do pressuposto que a migração podia ser feita com os tribunais a funcionar”. E menciona ainda ter pedido “superiormente” – o Ministério da Justiça superintende o IGFEJ - para que a actividade dos tribunais fosse suspensa por 10 dias. O pedido não foi aceite e o dirigente alega que isso “contribuiu para a falha”.
O relatório do IGFEJ espelha o fio cronológico das falhas no Citius, apontando, aos arguidos no processo-crime a responsabilidade pela inexistência do guia de regras e passos a aplicar para uma migração com sucesso. O IGFEJ achava que ele existia e estava a ser aplicado. Descobriu depois que afinal nunca tinha sido acabado. Só a 25 de Setembro é que Carlos Brito, depois de passar a liderar directamente as equipas de técnicos, o descobriu.
Com o arquivamento de um inquérito onde chegou até a ser ouvida a Directora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, Maria José Morgado, por ter sabido antecipadamente das falhas no Citius, Hugo Tavares e Paulo Queirós deixam de ser arguidos. Mas na Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça continua a decorrer um inquérito de natureza disciplinar.