A editora Orfeu Mini transformou-se em livraria pop-up
Durante dois meses, há em Lisboa estantes cheias de bons livros infantis e actividades para crianças todos os fins-de-semana.
“Queremos que a livraria seja um espaço de encontro, de convívio. Mesmo quando não há actividades programadas, as crianças podem vir até cá folhear os livros, ver ilustrações ou ficar a desenhar o tempo que quiserem. Queremos que as pessoas se sintam bem aqui”, diz Carla Oliveira, editora e (temporariamente) livreira, sem negar que também quer “divulgar a marca Orfeu Mini”.
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“Queremos que a livraria seja um espaço de encontro, de convívio. Mesmo quando não há actividades programadas, as crianças podem vir até cá folhear os livros, ver ilustrações ou ficar a desenhar o tempo que quiserem. Queremos que as pessoas se sintam bem aqui”, diz Carla Oliveira, editora e (temporariamente) livreira, sem negar que também quer “divulgar a marca Orfeu Mini”.
Quem se estava a sentir ali muito bem no domingo era Simão, de 11 anos. Assistiu à leitura encenada de O Meu Avô, da autoria de Catarina Sobral, protagonizada por Miguel Fragata, e, durante o lanche, disse ao PÚBLICO: “Gostei da figura, da voz e daquela quantidade toda de relógios. Já conhecia o livro pelo nome, mas não o conhecia por dentro.”
O livro conta a história de um avô que outrora foi relojoeiro mas agora é que “tem bastante tempo”, e do seu vizinho, o dr. Sebastião, que “nunca tem tempo a perder”. O actor Miguel Fragata traz um sobretudo cheio de relógios e outros objectos que vai mostrando à medida que a história avança. Parece um mágico. Diz, com graça, curtas frases em alemão e francês (“não percebi nada”, ouve-se na plateia, depois das gargalhadas), dá pequenas dentadas em pedacinhos de tarte (“eu já sabia que ias comer…”) e faz o tempo voar, soprando pó sobre um relógio de bolso com corrente de prata (“oooh”).
Não foi só o jovem Simão que se deixou encantar por esta performance contida, divertida e inteligente. Mesmo quando não entendiam, as crianças continuavam atentas, bem-dispostas e sentiam-se à vontade para se manifestar. Os adultos também gostaram. O mesmo se pode dizer da música de Tiago Albuquerque y Sus Muchachos que se seguiu.
Depois do amor, é o mais essencial
A mãe de Simão, Ângela Madeira, já tinha explicado porque estava ali: “É uma óptima iniciativa e tem livros e eventos de qualidade. Pretendo vir muito mais vezes, até ao fim.”
Nessa altura, ainda não sabíamos que Simão era o mais velho de quatro irmãos, todos a cirandar por ali de livros na mão: Joaquim, cinco anos, e os gémeos Gil e Júlia, quatro; desde cedo habituados a frequentar espaços e actividades deste tipo. Porquê e para quê?, pergunta-se. “Porque, depois do amor, é o mais essencial de tudo. É o que mais falta nos faz: a literatura, a arte. Ver que há outras coisas no mundo dos adultos, não é só dinheiro e trabalho e ‘o não tenho tempo para isto e para aquilo’”, diz Ângela, antes ceramista e agora mãe vigilante, sobretudo por causa de Joaquim. “É o que foge.” Mas agora o pequeno estava por perto, a brincar com os balões que decoravam a livraria no topo de uma escada cheia de gente. Haveria de nos falar mais tarde.
A ideia de uma livraria temporária, conta a editora, surgiu há um ano e o “namoro” a este espaço na Rua Saraiva de Carvalho, 171, também. “Queríamos ter uma experiência de venda directa ao público, além daquilo que fazemos na Feira do Livro.” E conseguiram.
A loja onde se instalaram provisoriamente esteve encerrada durante mais de um ano, num prédio fechado vai para sete anos. Depois de várias tentativas frustradas para conseguirem falar com o proprietário, acabaram por ficar a saber que o espaço iria transformar-se num “café literário”. Até Janeiro, combinaram, quando começam as obras para a nova exploração, poderiam alugar a loja e ali fazerem o negócio dos livros para crianças. Mas onde há “o cantinho do adulto”, numa lógica inversa à das livrarias generalistas.
“Em três semanas, maquilhámos o espaço: limpámos, pintámos tudo de branco e desenhámos as ilustrações. Aproveitámos o que cá estava que nos interessasse, como estantes e espelhos”, conta Carla Oliveira. E a Livraria Mini Orfeu abriu, com um enorme pinguim à porta. “Começámos bem: o primeiro sábado foi o nosso melhor dia.” Mas esta informação deixaria de valer ao final de domingo, dia em que se venderam 50 títulos. Na véspera, 43.
Carla Oliveira já tinha pormenorizado alguma da contabilidade: “O nosso investimento total previsto é de 7 mil e poucos euros. As margens de lucro andam entre os 35% e os 40% quando se trata de títulos de outras editoras. A margem dos nossos é maior. O livro do mês tem desconto. E os livros que são alvo das actividades também têm um preço mais baixo do que o habitual de venda ao público.”
O livro de Novembro, Caderno de Pintura para Aprender as Cores, de Pascale Estellon, custa 9,90€ (normalmente, 13€). No dia em que o PÚBLICO visitou a livraria, pagava-se por O Meu Avô 10€, menos dois euros do que o preço habitual.
As outras editoras presentes nas prateleiras são as que partilham a distribuição com a Orfeu Mini (através da Prodidáctico), mas também aquelas com que a editora se identifica pela qualidade: Planeta Tangerina, Pato Lógico, Tcharan, Bruaá, Kalandraka, Margarida Botelho (edições de autor), Gatafunho e um título da Livros Horizonte (O Cuquedo). Mas Carla Oliveira sabe que arriscou muito: “Avançámos de mergulho.” O retorno não está garantido.
“Gostava que estivesse sempre aberta”
Alheia a essas contas estava a família de Simão, agora junto a Catarina Sobral, que ia autografando muitos livros e registando imagens irrepetíveis. O rapaz estava feliz: “Estou contente com este autógrafo. É tão giro, que não tenho justificação.” Viam-se cinco pássaros a voar. “O mais pequenino deve ser a Júlia”, diz o rapaz, que estranhou não sair fumo deste cachimbo desenhado ainda agora.
Apetece-te voltar aqui à Orfeu Mini? “Siiim. Gostava que estivesse sempre aberta. Adoro livros. Leio muito. Estou a ler As 20 mil Léguas Submarinas.” Aqui, é interrompido pelo irmão Joaquim, que nos diz: “Está a ler dois livros ao mesmo tempo.” Brincamos: “Como é que ele faz isso? Põe um em cada mão?” “Não”, responde o Simão. “É um num dia, outro noutro.”
E tu, Joaquim, não estás a ler nada? “Não consigo.” Logo se distrai com uma bolacha e diz: “É um coelho, pensava que era uma pessoa.” Na verdade, já sabe “ler” os bonecos.
Voltamos ao Simão, que gostava que este sítio nunca fechasse: “Era bom que ficasse aqui para sempre.” Como nos finais felizes dos contos infantis.