Presidente do governo da Catalunha vota entre aplausos e gritos de “independência”

Mais de 1 milhão de catalães votou até às 13h. Na Escola Pia de Balmes, no bairro residencial do Eixample, a manhã foi de brincadeira para muitos miúdos.

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Há seis mesas nesta escola e, como em todas as restantes 1315 que abriram as portas em toda a Catalunha, há voluntários das escolas e voluntários da campanha Ara És L’Hora, que reúne a Assembleia Nacional Catalã (ANC) e a Omnium Cultural, os dois grandes grupos que puseram em marcha este “processo participativo”, depois de esgotadas as opções legais por parte da generalitat (governo regional) para organizar um referendo.

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Há seis mesas nesta escola e, como em todas as restantes 1315 que abriram as portas em toda a Catalunha, há voluntários das escolas e voluntários da campanha Ara És L’Hora, que reúne a Assembleia Nacional Catalã (ANC) e a Omnium Cultural, os dois grandes grupos que puseram em marcha este “processo participativo”, depois de esgotadas as opções legais por parte da generalitat (governo regional) para organizar um referendo.

Os voluntários são tantos que nesta escola no bairro do Eixample, na esquina da rua Balmes com a Travessa da Gràcia, a enfermeira Isabell Rosell, de 57 anos, é “suplemente de suplente”. “Membro de mesa”, acabou por decidir ficar. “Ficámos todos”, diz Isabell, que é sócia da ANC. “Tudo foi muito bem organizado, mandaram-nos todas as instruções e toda a gente sabia o que fazer”, assegura.

Comparando com uma eleição normal, quando se olha para o que acontece nas mesas de voto, as diferenças são quase inexistentes. Quem queria votar teve de se informar sobre a que centro se devia dirigir. Dentro da escola, as pessoas estão divididas pelas mesas consoante o apelido, cada mesa tem um número e uma letra e há pelo menos quatro pessoas atrás de todas: a primeira recebe da mão do eleitor o seu cartão de identidade e lê o nome para que a segunda o insira num computador portátil e confira se é ali que aquela pessoa deve votar; em seguida, o eleitor passa por um terceiro voluntário, que inscreve o seu nome e dados de identificação numa lista, antes de chegar à quarta, a que está atrás da urna e que a destapa para que o eleitor possa depositar o seu voto, o boletim dentro de um envelope.

Uma das grandes diferenças é a ausência de um censo, daí que os voluntários estejam a fazer uma lista de quem vota em vez de disporem à partida de uma lista de eleitores. A outra é que não há cabines de voto e apesar de haver mesas com boletins e envelopes disponíveis à entrada de cada escola, muita gente já vem de casa com o boletim preenchido. “Isso é que me surpreendeu, tanta gente já com o boletim, pronta a votar, os filhos que trazem as pessoas mais velhas. E há tantas crianças, vê-se que não há medo”, diz Isabell. Na sua mesa, a 2507 Y, “votaram 53 pessoas nos primeiros 55 minutos”.

O boletim tem duas perguntas e os boletins que se vêem nas mãos das pessoas têm quase todos uma cruz nos dois quadrados do “sim”: “Quer que a Catalunha seja um Estado?” e, nesse caso, “Quer que a Catalunha seja um Estado independente”

Ao todo, na região, até às 13h tinham votado 1.142.910 pessoas, um número próximo do que se verificou nas eleições europeias de Maio.

“Porque mereço respeito”
As mesas estão distribuídas por três andares diferentes e como o dia acordou cinzento mas sem chuva, muitos aproveitam os dois parques infantis, um mais pequeno, num canto do primeiro andar, outro grande no segundo piso, para deixar os filhos e netos brincar. Há famílias inteiras e há grupos de amigos. Há uma maioria de pessoas de meia idade, mas também muitos casais jovens com filhos pequenos e até grupos de adolescentes.

Enric Serra, de 61 anos, leva ao colo o neto, Quim, de oito meses, que já perdeu uma meia mas continua bem-disposto. “Vim votar porque quero ser tratado como uma pessoa, porque mereço respeito. Eu sempre fui independentista mas conheço pessoas que só começaram a pensar a sério nisto nos últimos tempos, por causa da forma como Madrid nos trata, é ofensiva”, afirma, antes de passar o neto para o colo da filha, Olga, que acaba de votar com a mãe, Emilia, e lhe pergunta pelo filho mais velho.

“Está ali atrás, no escorrega”, diz, a rir, “não o perdi”. “Viemos todos juntos, é uma pequena festa”, afirma o distribuidor de material electrónico que às vezes vai a Portugal em trabalho. Sobre o futuro não faz previsões. Quer apenas “que tudo se faça com respeito mútuo”.

O que o jovem Enric, funcionário da escola, não sabia quando se voluntariou para coordenar a consulta na Escola Pia Balmes é que este seria o lugar onde votaria Artur Mas, o presidente da generalitat. “Só soube há uma semana, quando me disseram, bem…” A maioria das pessoas que aqui veio votar também não sabia, mas a palavra espalha-se depressa e há muitos que se vão deixando ficar pela sala onde Mas vota, o ginásio da escola, ou pelo grande pátio onde o neto de Enric e Emilia brincam e por onde terá de passar.

Um bebé muito fotografado
Já passa das 11h, a hora a que se previa que Artur Mas chegasse, e a quantidade de fotógrafos e operadores de câmara dentro do ginásio, em cima de escadotes ou empoleirados nos espaldares, não pára de aumentar. Laia, uma bióloga de 36 anos, vota com o filho, Tomas, de onze meses ao colo, e é um não acabar de flashs enquanto o faz, como se todos os jornalistas tivessem decidido ensaiar o voto de Artur Mas com ela. “Bem, parece que vou sair nalgum jornal”, diz Laia, que veio votar com a mãe e a irmã.

“Creio que é muito importante dar a nossa opinião. Antes nunca tinha pensado que queria a independência”, explica Laia. “Mas estou muito orgulhosa do meu povo, desta organização, de como tudo está a correr, com alegria.”

Já passa das 11h30 e parece que se aproxima a chegada do presidente do governo autonómico. Já não são só os fotógrafos de máquina em punho. Toda a gente tem um telemóvel na mão. Há pessoas de costas a tentar estar a postos para uma selfie com Artur Mas e a mulher, Helena Rakosnik. Quando Artur Mas entra no pátio é o caos, entre jornalistas que querem tentar fazer-lhe perguntas, câmaras que não o querem perder e cidadãos dispostos a tudo para o cumprimentar. Ouvem-se aplausos e gritos: “presidente”, “presidente”.

Quando o líder da CiU (Convergência e União) consegue finalmente entrar no ginásio e encaminhar-se para a sua mesa de voto, as muitas dezenas de pessoas que ficam no pátio à espera que volte a sair gritam “independência”, “independência”.

O responsável “sou eu”
Depois de votar, Artur Mas fala aos jornalistas na biblioteca da escola. Calças e sapatos pretos, camisa branca e blazer cinzento, pin com a bandeira da Catalunha ao peito, não podia estar mais sorridente ou aparentar mais tranquilidade. “Apesar de todos os problemas, de todos os obstáculos que nos colocaram, de todos os impedimentos, chegou o 9-N e as pessoas puderam sair à rua e participar e dar a sua opinião sobre o que há-de ser o futuro político da Catalunha”, afirma, notando “o civismo exemplar” e o “exemplo de democracia”.

Questionado sobre possíveis actuações da Procuradoria para identificar os funcionários das escolas que abriram as portas e sobre uma denúncia apresentada pelo partido UPyD (União, Progresso e Democracia, uma cisão do PSOE formada em 2008) contra si próprio e alguns dos conselheiros da generalitat, Artur Mas garantiu não estar preocupado. “Se a procuradoria quer conhecer os responsáveis pela abertura das escolas públicas só tem de olhar para mim”, afirmou. “Dizem que isto não é nem um referendo nem uma consulta, por que é que a Procuradoria tem de ser chamada a actuar. Afinal, em que é que ficamos?”

Com mais ou menos custo, nunca se parou de votar enquanto Artur Mas esteve na Escola Pia de Balmes, nem na sequer na sua mesa nem na segunda mesa instalada no ginásio onde votou. Quando o líder catalão desce e passa pela sala de entrada, onde também funciona uma mesa, alguns dos que estão na fila param por momentos e voltam a ouvir-se aplausos e muitas vozes que dizem “independência”. Outros, incluindo turistas, estavam ali só à espera desse momento.

Lá fora, onde se recolhem assinaturas contra a denúncia de “violação de direitos fundamentais” apresentada pela generalitat à ONU e à UE depois de o Tribunal Constitucional ter suspendido a consulta que se celebra neste domingo, começam a cair gotas de chuva em cima das folhas que os voluntários pousaram em cima de uma mesa. Enric respira fundo.

“Agora que o presidente foi embora vai ficar tudo mais tranquilo”, diz o jovem, barba e rabo-de-cavalo, cansado das permanentes solicitações e corado da temperatura que a multidão que se juntou no hall fez aumentar. As urnas encerram às 20h, mas “se houver gente na fila tem direito a votar”. Depois, é esperar que se contem os votos. “Eu só posso ir para casa depois de todos os boletins contados, lá para a meia-noite. Espero que a essa hora já esteja tudo acabado.”