Uma dívida que consome 27 mil pipas de Porto

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José Diogo Albuquerque garante que a venda do stock da Casa do Douro não será feita ao desbarato Nuno Ferreira Santos

A segunda maior fatia está nas mãos da Parvaloren, a sociedade que herdou os activos do BPN após a sua nacionalização, e ascendia em Junho deste ano a 22,8 milhões de euros. Há ainda na coluna do passivo financeiro dívidas ao fisco, à Segurança Social e a diversos organismos públicos. No total, a factura a pagar atinge, a valores actualizados, 167 milhões de euros, dos quais 30 correspondem a juros de mora.

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A segunda maior fatia está nas mãos da Parvaloren, a sociedade que herdou os activos do BPN após a sua nacionalização, e ascendia em Junho deste ano a 22,8 milhões de euros. Há ainda na coluna do passivo financeiro dívidas ao fisco, à Segurança Social e a diversos organismos públicos. No total, a factura a pagar atinge, a valores actualizados, 167 milhões de euros, dos quais 30 correspondem a juros de mora.

Para a liquidar, o Governo tem como garantia um stock de vinho do Porto que ronda as 27 mil pipas (de 550 litros). Ou seja, cerca de 20% da produção anual do sector. Com uma diferença: é que entre estes vinhos há colheitas antigas, que remontam aos anos da fundação da Casa do Douro, em 1932. Um estudo da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro calculou que os lotes associados à dívida valem 130 milhões de euros.

No diploma, o Governo está disposto a perdoar 30 milhões de juros de mora desde que a Casa do Douro aceite entregar estes vinhos como dação em pagamento. Ao mesmo tempo, a secretaria de Estado está disposta a abdicar de um acerto de contas entre o IVDP e a instituição, permitindo que o instituto liquide o pagamento de uma dívida de 1,8 milhões de euros, o que geraria uma verba suficiente para a Casa do Douro pagar dívidas a fornecedores e salários em atraso.

Este modelo de negócio tinha já sido proposto pelo Governo à Casa do Douro este ano. Foi recusado. Por um lado, porque o pagamento da dívida do IVDP impunha uma série de regras para a sua gestão (por exemplo, prazos para a liquidação de dívidas) e, por outro, porque exigia que a Casa do Douro armazenasse sem encargos os vinhos entretanto entregues ao Governo. Desta vez, porém, uma recusa negocial da Casa do Douro é inútil. Se não houver um acordo, no dia 1 de Janeiro o Estado entrará na Justiça com um pedido de insolvência regulada.

O que fazer com uma enorme quantidade de vinho num mercado estagnado é outro dos quebra-cabeças que o Governo terá de resolver. À partida, o Governo estuda a criação de um fundo para o gerir, de preferência em parceria com empresas exportadoras. José Diogo Albuquerque garante não querer “uma venda desregulada e ao desbarato”. Os exportadores também não. Mas, para a maioria, a existência de uma tão grande quantidade de vinho no mercado é algo incómodo. “Esse vinho não é necessário ao sector. Por isso é que existe”, afirma Isabel Marrana, que recorda que até agora o ritmo de vendas desses lotes foi quase sempre residual.

Após um esforço de regulação dos seus próprios stocks feito ao longo dos últimos cinco anos (que retirou dezenas de milhões de euros de rendimentos na produção), “só pode haver uma procura forçada desses stocks, não em consequência de uma necessidade”, diz Isabel Marrana. O que, juntamente com o valor desigual do stock, onde há grande quantidade de Porto branco, pode reduzir a receita das vendas para valores muito distantes dos 167 milhões de euros de dívida. O Estado, porém, não cede. A nova associação que substituir a Casa do Douro deixará de ter o fantasma da dívida a pairar sobre a sua acção.